Do menino da bolha ao mico de Akon no Rock in Rio: a história da Zorb Ball
Rapper americano tentou andar por cima do público dentro de uma bola inflável à la Wayne Coyne, dos Flaming Lips — e deu tudo errado
David Vetter faleceu em 1984. Vítima de uma rara doença hereditária chamada Imunodeficiência Combinada Grave (SCID), foi obrigado a viver sua curta vida dentro de um quarto plástico esterilizado. Ficou conhecido como “David, o garoto da bolha” e inspirou o filme O Menino da Bolha de Plástico, estrelado por John Travolta em 1976. Mal sabia que, décadas mais tarde, inspiraria um show que acabou se tornando símbolo do isolamento humano causado pela covid-19, que por sua vez resultaria em um dos maiores micos do Rock in Rio 2024 — festival que nasceu exatamente no ano em que Vetter que nos deixou.
No último domingo, o rapper Akon foi mais um artista que decidiu engrandecer seu show entrando dentro de uma Zorb Ball, bola plástica que permite que um artista faça brincadeiras caminhando sobre o público, sem o risco de ser tocado por suas mãos possivelmente mal lavadas. Foi uma vergonha. Ao tentar a brilhante ideia de descer uma escada do palco para chegar à plateia, já dentro da bola, o brinquedo furou e começou a murchar. Com medo da queda, se esqueceu do microfone para se apoiar nas laterais e o mundo todo viu que seu show não passava de um playback dos brabos. Seu DJ demorou para perceber que o astro não estava mais “cantando” e interromper a música. Foi um fail capaz de deixar a dupla Milli Vanilli com pompas de Frank Sinatra.
A história de David, principalmente graças ao filme de Travolta, causou no imaginário popular a possibilidade de se proteger dentro de uma bolha plástica. Dois irmãos neozelandeses criaram, ainda nos anos 2000, as bolas Zorb, um brinquedo transparente e acolchoado que permitia que pessoas, dentro dele, pudessem rolar por gramados ou sobre a água. A geringonça foi aperfeiçoada para uma bola perfeitamente transparente (sem a proteção acolchoada) e virou acessório obrigatório nos shows da banda estadunidense The Flaming Lips.
No auge do show, o vocalista Wayne Coyne entrava no seu casulo e saía caminhando por cima do público. Quando a pandemia trouxe a proibição das aglomerações, o grupo teve a ideia genial: enfiar cada um da plateia em bolas Zorb individuais, num espetáculo chamado de Space Bubble Concert, realizado em Oklahoma, nos Estados Unidos, em 2021. Como o pessoal fazia para ir ao banheiro dentro daquelas coisas, ainda segue um mistério.
O que nasceu, portanto, como um aparato médico para preservar a vida de um garoto que nasceu sem imunidade, virou mais uma opção de “interação” entre artista e público. Vale lembrar que em shows de punk rock, se tornou comum artistas simplesmente se jogarem em cima da galera (o stage diving) para serem carregados para o meio da plateia e depois de volta ao palco, promovendo uma comunhão entre músico e fã. Com as bolas Zorb, o lance era mais esterilizado. Além de não haver o contato físico, a bola gigante permitia que o astro caminhasse sobre as cabeças de quem pagou para viver. Uma senhora alteração na simbologia.
A bola murcha de Akon foi o furo de misericórdia em um show que já vinha afundando, bem na base do mais ou menos, no Rock in Rio. Quando o rapper parecia mais um bilau jonjo dentro de uma camisinha, seu staff tratou de rasgar a bola e Akon saiu, bem na frente do público, de sua proteção plástica para o mundo real. Com o som desligado (e o microfone ligado), não teve nem mesmo bom humor para lidar com a situação, criando um dos momentos mais constrangedores da história do festival.
Para o público que assistia, tanto na Cidade do Rock como pela televisão, foi uma experiência transformadora ver um artista literalmente sair de dentro de sua bolha.