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O que o 1º Oscar representa ao cinema brasileiro
Indicado a três categorias da maior premiação da indústria do cinema, Ainda Estou Aqui faturou a estatueta de “Melhor Filme Internacional”
Vivemos nos últimos meses um clima de torcida intensa, tal qual o que experimentamos durante a Copa do Mundo. Entretanto, o motivo de tanto entusiasmo é, na verdade, a principal premiação de cinema dos Estados Unidos, o Oscar. O filme brasileiro Ainda Estou Aqui conseguiu emplacar nada menos do que três indicações: “Melhor Filme”, “Melhor Atriz”, para a querida e incrível Fernanda Torres, e “Melhor Filme Internacional”, em que acabou saindo vencedor. Mas, o que essas indicações e premiações podem trazer de positivo para nosso cinema?
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Aumento da procura de produções nacionais pelo público
Nas principais plataformas de avaliação de filmes, Rotten Tomatoes e IMDb, Ainda Estou Aqui pontua com cerca de 97% de aprovação do público e crítica, bem como com a nota na média de 8,6. Em suas redes sociais, Torres alcançou a marca de quatro milhões de seguidores no Instagram após sua vitória no Globo de Ouro.
Números e marcas alcançadas podem parecer fúteis à primeira vista, mas neste caso é significativo, pois são esses dados que lançam luz sobre a atriz que conhecemos há anos. Diferente do público brasileiro, que pôde ter em casa a presença semanal de Vani (Os Normais) e Fátima (Tapas e Beijos) por meio das sitcoms da Rede Globo, os espectadores de fora do Brasil estão ouvindo falar sobre Torres neste momento.
O impacto das indicações é tão alto que uma análise do Globoplay apontou que a procura e audiência das séries com a atriz tiveram um aumento de 200%. Seria este um indicador de que nossas produções serão cada vez mais consumidas?
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Vivemos em um país no qual o público em geral ainda carrega o preconceito de que nossos filmes são ruins e sem criatividade. Com o reconhecimento de uma de nossas produções por meio de olhares estrangeiros, essa concepção talvez possa ser mudada. Os elogios vindos do público, dos especialistas e das premiações de outros lugares devem ser vistos como combustível para um movimento de maior atenção ao cinema brasileiro.
É visível o quanto as três indicações e a vitória no Oscar aumentaram a autoestima do brasileiro. As redes estão inundadas por memes, nas ruas as pessoas usam camisas com o rosto de Fernanda Torres e Selton Mello. Da mesma maneira, durante o Carnaval vimos fantasias com o tema do filme, da premiação ou de personagens da temporada de premiações.
Após pouco mais de um quarto de século, estamos novamente no centro da premiação mais importante do cinema — e pela primeira vez, levamos uma estatueta. Entretanto, não podemos esquecer que, para que esse movimento aconteça e para que esse fluxo se mantenha contínuo, é também preciso aumento nos incentivos fiscais para produção e principalmente para divulgação e distribuição, bem como políticas públicas que contenham a ação predatória do mercado audiovisual estrangeiro em nossas salas de cinema e deem espaços para que os filmes realizados no país sejam exibidos.
Novos ares para Fernanda Torres
O artigo do The Hollywood Reporter, publicado nos últimos dias, com ênfase na possibilidade de uma vitória de Fernanda Torres, que não aconteceu, oferece um panorama interessante sobre a relação entre o cinema brasileiro e a política, especialmente no contexto do Oscar. Por abordar os efeitos da Ditadura na vida cotidiana de uma família, Ainda Estou Aqui trata de um tema que é doloroso para brasileiros e latino-americanos.
Ao mesmo tempo, o tema pode ser instigante para os estrangeiros ao abordar uma realidade cultural e política que eles desconhecem, bem como por sua estrutura narrativa tradicional e universal, sobre o impacto de prisões políticas no cotidiano de uma população.
A interpretação sóbria de Fernanda para dar vida a Eunice Paiva chamou a atenção de cineastas como o diretor alemão Edward Berger, responsável pelo filme Conclave. O realizador, durante o tapete vermelho do BAFTA 2025, em fevereiro, disse que gostaria de trabalhar com a atriz brasileira.
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Na mesma semana, na rede social X, a ex-atriz pornô Mia Khalifa manifestou seu encanto com o filme e disse que “se Fernanda Torres não vencer o Oscar, terá sido roubada”, o que não seria uma novidade para quem viu em 1999 Fernanda Montenegro perder na mesma categoria. De maneira semelhante vimos manifestações nas redes sociais de várias celebridades como Mariah Carey, Isabela Rossellini, Ariana Grande e Jessica Chastain.
Assim sendo, podemos esperar que o buzz da temporada e o encontro com celebridades em eventos, além das diversas entrevistas e capas de revistas, rendam para Fernanda, mesmo sem levar pra casa a estatueta, novas oportunidades no cinema estrangeiro — o que já vimos acontecer com Wagner Moura, Alice Braga, Rodrigo Santoro e até mesmo Selton, que logo menos estreia em Anaconda.
Descentralização nas premiações
O filme de Walter Salles se encontra na interseção entre cinema e política no Brasil. Dessa forma, a produção mostra como algumas produções do país refletem e criticam a realidade nacional. Essa conexão entre arte e política pode ser vista como uma característica marcante do cinema brasileiro — e latino-americano —, que muitas vezes se engaja em debates sociais e políticos relevantes para sua história e cultura.
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Nos últimos anos, vimos o cinema de países que não os Estados Unidos ganhando destaque ao apresentarem para o público suas particularidade políticas e culturais, como vimos, por exemplo, em Parasita, de Bong Joon-Ho. Em 2025, além de Ainda Estou Aqui, outros filmes estrangeiros tiveram destaque e foram bem-recebidos pelo público e pela crítica, como Flow, da Letônia, indicado ao Oscar nas categorias “Melhor Filme Internacional” e “Melhor Animação”, na qual sagrou-se vencedor.
Destaque no início da temporada 2025
Durante a 78º edição do festival francês de Cannes, o Brasil participará do Marché du Film, encontro internacional de profissionais do cinema. Essa distinção é um reconhecimento da rica diversidade cultural e da contribuição do Brasil para o cinema global. Durante o festival, o Brasil terá um espaço exclusivo para promover sua indústria cinematográfica, com exibições de filmes, palestras e encontros de negócios. Tal oportunidade é vista como uma chance para que o país mostre seu talento e criatividade para o mundo, além de atrair investimentos e parcerias para o setor cinematográfico nacional.
A Ministra da Cultura, Margareth Menezes, e a Secretária do Audiovisual do Ministério, Joelma Gonzaga, além de profissionais do audiovisual brasileiro, representarão o país no evento.
“Brasil e França compartilham há muito tempo uma parceria forte e em evolução, e isso se estende ao mundo do cinema e às indústrias criativas. Ao celebrarmos dois séculos de relações diplomáticas em 2025, esta ocasião fortalece os laços culturais e artísticos entre as duas nações”, disse Menezes ao gov.br.
Gonzaga completou a fala lembrando que o Brasil sempre teve uma forte presença em festivais internacionais, especialmente em Cannes:
“Isso tem sido consistentemente refletido no Marché du Film e ser o País de Honra em 2025 consolida e amplifica ainda mais essa parceria. Esta é uma oportunidade única de expandir nossas conexões, fortalecer diálogos e mostrar ao mundo a diversidade e a criatividade do cinema brasileiro. Estamos prontos para subir neste palco com toda a força da nossa indústria”.
Em resumo, a indicação do Brasil ao Oscar em 2025 pode trazer muitas vantagens para a indústria cinematográfica brasileira, incluindo reconhecimento internacional e visibilidade. Para o público, é inegável o aumento da autoestima proporcionado pelo reconhecimento de nossa história por espectadores de outras culturas. Ademais, oportunidades de parceria, aumento do turismo, desenvolvimento da infraestrutura audiovisual, aumento da diversidade e reconhecimento do patrimônio cultural brasileiro dentro e fora do país são frutos que colheremos de agora em diante.