Abbey Road: documentário sobre o estúdio mais famoso do mundo estreia no Disney +

Claudio Dirani
Por Claudio Dirani

“If These Walls Could Sing” entra na programação do canal em 16 de dezembro. Confira histórias inéditas sobre “o solo sagrado” dos Beatles

Abbey Road é, indiscutivelmente, mais que um estúdio de gravação situado no bucólico bairro de St. John’s Wood, ao norte de Londres.

A locação é quase vista por fãs e estudiosos como um “sítio arqueológico” que precisa (e deve) ser analisado com métodos severamente específicos.

Sendo assim, historiadores, escritores e jornalistas que se aventurarem a escrever sobre a empresa fundada pela britânica Gramophone Company em 12 de novembro de 1931 precisarão levar em conta uma espécie de divisor de águas, com tom quase religioso: A.B e D.B – ou antes e depois da passagem dos Beatles por suas dependências, entre 1962 e 1970.

Portanto, quem acessar, a partir desta sexta-feira (16/12), o canal Disney Plus terá uma noção básica do quase centenário legado de Abbey Road, graças à estreia de If These Walls Could Sing, dirigido por uma personalidade com ligação quase genética com a figura central do documentário: Mary McCartney, filha primogênita de Paul, o baixista do combo musical de Liverpool que ajudou a escrever e reescrever o evangelho pop.

Abbey Road, segundo as estrelas

 

Nada melhor do que absorver o conhecimento direto da fonte. Para dar luz ao filme produzido por John Battsek (o mesmo do premiado Procurando por Sugar Man), a diretora Mary McCartney registrou depoimentos de uma constelação de estrelas de primeira magnitude, incluindo Elton John, Noel e Liam Gallagher (ex-Oasis), Roger Waters e David Gilmour (ex-Pink Floyd) e John Williams, criador de temas inesquecíveis das sagas Star Wars e Indiana Jones.

No caso de John Williams (um verdadeiro papa-prêmios da indústria, com 5 Oscars, 4 Golden Globes e 25 Emmys na bagagem), If These Walls Could Sing destaca o crucial momento que o compositor norte-americano, hoje com 90 anos, entrou no Studio One de Abbey Road para conduzir as gravações do tema de Caçadores da Arca Perdida.

“Devido à baixa demanda por gravações de ópera clássica (no início dos anos 1980), o Studio One de Abbey Road estava prestes a fechar suas portas”, relembra Mary McCartney.

“O local estava quase abandonado, a ponto de o usarem como quadra para jogar badminton ou tênis. Porém, quando a EMI esteve perto de vende-lo para uma empresa que pretendia transformá-lo em um estacionamento, a gravadora assinou um contrato para registrar a trilha do primeiro filme de Indiana Jones”, ressalta a diretora, resgatando um dos pontos centrais de seu doc.

Casos de família: a casa dos McCartney

Abbey Road quando ainda era o E.M.I Recording Studios

Muito mais de operar como o QG de uma das gravadoras mais quentes no cenário, Abbey Road (antes chamado E.M.I Recording Studios) é retratado em If These Walls Could Sing como a segunda casa dos Beatles – e em especial, do clã McCartney.

A prova de seu valor sentimental para Paul & cia. é demonstrado logo no início da produção, com a exposição de fotos da própria diretora Mary com poucos meses de vida no chão do estúdio, além da inusitada imagem de sua mãe, Linda (1941-1998) atravessando a faixa de segurança em frente ao nº 3 de Abbey Road, conduzindo Jet, o pônei de estimação dos McCartney.

Já o chefão da trupe, Paul McCartney, desponta no documentário como um dos protagonistas da narrativa, encarregado de iluminar os espectadores com detalhes mágicos de suas passagens por Abbey Road como beatle e artista solo em seus mais de 50 anos de carreira.

Soprando as velinhas em Abbey Road

Tocando o “Mrs Mills” no Studio 2 de Abbey Road, fevereiro de 2001

Partindo da premissa que as histórias incluídas em If These Walls Could Sing podem ser vistas como retratos pessoais, não poderia encerrar  sem revelar minha própria aventura ligada à jornada de Abbey Road.

Nos últimos dias de outubro de 2000, vale recordar, o sacrossanto estúdio ainda não estava aberto ao público, como esteve no evento realizado para promover a edição de 50 anos do LP Abbey Road.

Como jornalista me recordo de tentar visitar o estúdio durante o intervalo de uma sessão, sendo educadamente convencido a agendar uma data específica com a assessoria da EMI.

Não me dei por vencido. No ano seguinte, retornei a Londres e tive a chance de conhecer cada metro quadrado de seu solo sagrado, graças a um português chamado Victor Varanda, que trabalhava em Abbey Road.

Tudo aconteceu quase à meia-noite de 20 para 21 de fevereiro de 2001, coincidentemente, antevéspera de meu aniversário de 29 anos.

Quando atravessei a porta do Studio Two (onde os Beatles passaram grande parte de sua carreira gravando pérolas como “Norwegian Wood”, “Penny Lane” e “Here Comes The Sun”), a sensação foi incredulidade. Ao invés de me acostumar, os eventos seguintes só agravaram o estágio surreal que me encontrava.

Além de observar cada detalhe ao redor, pude sentar e tocar algumas notas do piano apelidado de Mrs. Mills, em honra à pianista inglesa Gladys Mills (1918-1978).

Sentado em frente ao instrumento – um 1905 Steinway Vertegrand – meu amigo Victor Varanda aproveitou para contar que se tratava do mesmo piano utilizado nas gravações de clássicos dos Beatles como “Lady Madonna” – e que mais tarde, seria resgatado para os arranjos de “Mrs. Mills”, composição de Eddie Vedder, com participação de Ringo Starr, inserida no terceiro álbum solo do vocalista do Pearl Jam, Earthling (2022).

Futebol dentro do Studio One

Caminho até o paraíso: atravessando a zebra crossing, outubro de 2000

Minha excursão por Abbey Road não se resumiu à dádiva de tocar um instrumento dentro de suas quatro paredes. Tome o elevador e subi ao setor conhecido como The Penthouse, utilizado para mixagem e gravações de pequeno porte.

Lá pude cumprimentar o saudoso Allan Rouse, que segurava um misterioso pacote enquanto conversava com o pessoal do estúdio.

Ao deixar a sala, Victor Varanda me confidenciou: “Você sabe o que ele estava segurando lá no Penthouse? Fitas digitalizadas dos Beatles”.

Nunca soube exatamente detalhes de seu conteúdo, mas apostaria que poderia ser parte do material lançado em 2003 em Let It Be – Naked.

Após conhecer os Studios Three e One (este último, à época, fechado para reforma), Varanda me levou para o restaurante de Abbey Road, local onde ele passava boa parte do dia atuando como gerente.

“Você não sabe quanta gente boa passou por aqui”, revelou o luso já naturalizado inglês.

“Uma vez David Gilmour entrou no restaurante e contou que eles passavam a madrugada, entre uma gravação e outra, jogando futebol no Studio One. Em uma dessas madrugadas, eles chutaram a bola tão forte que atingiu o relógio da parede”.

Victor Varanda não ofereceu datas, nem detalhes, sobre a época em que os ingleses do Pink Floyd aprontaram tal travessura. Porém, isso não impede de imaginar que se as paredes de Abbey Road pudessem realmente cantar – como diz o título do documentário – certamente elas teriam muitas aventuras para contar para os fãs das músicas gravadas em seu solo quase imaculado.

(…)

Escreva para Claudio Dirani: cldirani@gmail.com

Claudio Dirani

Claudio D.Dirani é jornalista com mais de 25 anos de palcos e autor de MASTERS: Paul McCartney em discos e canções e Na Rota da BR-U2.

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