Fabric Club em Londres Inglaterra fabric, em Londres. Foto: Reprodução

Londres quer organizar a vida noturna — e o Brasil deveria prestar atenção

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Com economia cultural em crise, governo londrino discute novo projeto de zoneamento para criar “zonas festeiras”

Por que uma notícia sobre leis que regulamentam bares e casas noturnas em Londres interessa a nós brasileiros? Porque temos muito a aprender com os país da matéria em um momento em que a Inglaterra enfrente um grande problema neste cenário. A economia cultural, de casas de shows e clubes, anda passando por uma baita crise, com encolhimento do número de espaço para artistas se apresentarem. E na Terra da Rainha, os administradores públicos têm consciência de sua importância para sua sociedade.

A administração londrina está trabalhando em um novo projeto de zoneamento festeiro, em alguns pontos da cidade, como a Oxford Street e Victoria Street, entre outras. Nos locais marcados no novo plano, chamado Westminster After Dark Strategy, todos os cidadãos estarão cientes de que ali o fervo corre, com casas de música, bares e horários estendidos de funcionamento. Tanto quem quer abrir um negócio de entretenimento, quanto quem quer morar ou se hospedar no local. Afinal, como dizemos por aqui, “o combinado não sai caro”.

Um exemplo tropical. Em seu pouco tempo de vida, o bar de jazz Tipitina, em São Paulo, sofreu com constantes conflitos com o vizinho que morava em cima do salão onde funcionava o estabelecimento. Reclamações com polícia, brigas e até mesmo a audácia do morador deixar uma torneira ligada a noite inteira em sua varanda, para que a água caísse na cabeça de quem estava na calçada, em frente ao bar. O curioso é que o reclamão morava na rua Cardeal Arcoverde, há várias décadas um ponto repleto de bares e casas, com ônibus urbanos passando pela madrugada com frequência de fazer a calçada tremer. Certamente, o pior lugar de São Paulo para quem não gosta de barulho.

O plano, que está atualmente em consulta pública para ouvir todos os envolvidos até 22 de junho, é a ponta de um movimento que vem discutindo o futuro da noite de Londres. Em fevereiro, a prefeitura da cidade criou a Nightlife Taskforce, uma força-tarefa para identificar, em conjunto com os empresários, os principais pontos sensíveis para a economia cultural da cidade.

Várias ações estão sendo discutidas para as áreas dedicadas ao fervo: instalação de câmeras nas ruas de Londres para identificar “atitudes antissociais”, incluindo aí um foco para o assédio sexual e a segurança das mulheres, apoio dedicado aos pontos de circulação da comunidade LGBTQIAP+, subsídio financeiro aos clubes e, pensando nos moradores, o incentivo às chamadas “quiet nights”, com noites em que atrações musicais e DJs tocam em volume mais baixo. Finalizada a consulta pública, o projeto ainda vai ser lapidado antes de ser proposto como lei.

Uma iniciativa como a de Londres deixa claro a todos os envolvidos que uma cidade precisa de cultura noturna. Em algum lugar, legal ou ilegamente, ela vai acontecer. Por que não organizar direitinho? Mesmo na Inglaterra, onde sua vó passeia pelas ruas com uma camiseta do The Smiths ou David Bowie, o novo planejamento gera reclamações. Moradores andam reclamando por, justamente, viverem um lugar que pode ter as regras de silêncio relaxadas ou ver aumentar o fluxo de pessoas à noite.

Ainda assim, o plano já foi anunciado e será colocado em prática. Com uma redução de quase 20% no número de bares e casas de shows na capital inglesa, muitos empresários andavam pressionando a administração pública, alegando que as autoridades só ouviam as reclamações dos moradores, e não a necessidade dos empresários. As áreas de rolê estão sendo planejadas na região central da cidade.

Montar uma casa em São Paulo, por sua vez, pode levar um empreendedor à loucura, e muitos optam pela clandestinidade. Que a notícia reverbere por aqui e inspire os governos locais a copiá-la, com estratégia de zoneamento claras, bem-divulgadas e de fácil assimilação para todos os envolvidos. Há de se, pelo menos, economizar água.

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.