A DJ Adriana Arakake estreia sua coluna mensal contando a história por trás dos maiores discos de jazz de todos os tempos!
Hoje estreio esta coluna, pra falar de algo que amo, o jazz. Contarei aqui, brevemente, um pouco sobre alguns dos melhores discos de jazz. Sou dj do gênero, pesquisadora musical e estou muito feliz em compartilhar essa experiência maravilhosa com vocês. Para um começo digno da grandiosidade do tema, escolhi a obra prima A Love Supreme, de John Coltrane, gravado em dezembro de 1964 e lançado no ano seguinte pela Impulse! Records.
O norte americano John William Coltrane, nascido na Carolina do Norte, em 23 de setembro de 1926 e carregando grande influência da família e da igreja, onde o avô era pastor, começa sua trajetória musical na marinha e mais tarde, nas grandes bandas de, ninguém menos que, Dizzie Gillespie e Miles Davis. É demitido das duas devido ao abuso de álcool e drogas, vícios que levam o músico à beira do abismo e entre duas escolhas, cair e morrer, ou subir e se tornar cada vez melhor; pra nossa sorte, ele escolheu a ascensão.
Para conhecer um pouco melhor sobre sua história, existem inúmeros materiais, biografias, tem até a história contada em HQ, no livro de Paolo Parisi, lançado pela Editora Veneta; mas também vale muito a pena assistir o documentário Chasing Trane, com direção de John Scheinfeld e narração de Denzel Washington, traz depoimentos de grandes artistas como Sonny Rollins, Carlos Santana, Kamasi Washington, companheiros de trabalho, familiares, todos em uníssono retratando a genialidade, a espiritualidade e a afabilidade do músico. O depoimento de McCoy Tynner, falecido em março deste ano, é um dos mais emocionantes na minha opinião: “Eramos irmãos… Achávamos que tínhamos recebido um dom divino, nada a ver com ego, mas com a nossa missão, tinha a ver com ‘qual é sua razão de estar aqui?’”
Após se libertar do vício, Coltrane torna-se um grande estudioso de inúmeras religiões. Cada vez mais espiritualizado, aprimora seu trabalho nas bandas de, mais uma vez, Miles Davis e depois Thelonious Monk, onde desenvolve todo seu talento, dedicando se ao máximo aos estudos e a extrapolar os próprios limites musicais. Finalmente pronto, lança alguns dos discos mais importantes da história do jazz, Blue Train em 1958, Giant Steps em 1960, My Favorite Things em 1961, entre outros, até chegar à obra que impulsiona este texto. Com a banda que chamava de “O Quarteto Clássico”, formada em conjunto com o pianista McCoy Tynner, o baterista Elvin Jones e Jimmy Garrison no baixo, músicos com os quais desenvolveu uma química musical indescritível e algumas das músicas mais bonitas da humanidade, criações que especialistas colocam no mesmo patamar de Mozart, Bach e outros gênios.
A Love Supreme é um disco muito difícil de descrever em palavras. Após dias e dias trancado com seu saxofone, Coltrane declara sereno ter tudo pronto. Pela primeira vez tem tudo o que quer em sua mente. Se reúne com sua banda no estúdio Van Gelder em New Jersey, e em apenas dois dias gravam esse disco perfeito onde você sente toda a espiritualidade fluindo, sente o homem cortês que qualquer um sempre dizia que ele foi, sente também a influência da matemática em seu trabalho. Trane conseguiu “desenhar” suas músicas, formando o que conhecemos por “Círculo Coltrane”, estudiosos acreditam que ele empregou o mesmo princípio que motivou a teoria da relatividade quântica, de Einstein, em suas criações, mas ele mesmo não comentava muito o assunto, se atendo apenas a dizer “a música fala por si”, coisa que ele fazia também com os sentimentos, as dores pela luta negra, pela segregação, a delicadeza e conforto para com os que lutavam pela causa, que morreram pela causa, preferia que a música os expressasse e fazia isso com maestria.
Trane costumava deixar vários bilhetes de amor para Alice, sua mulher, companheira, com quem teve três filhos, uma grande pianista que mais tarde, também fez parte de sua banda.
Alice Coltrane ainda nos renderá um texto só sobre ela, porque merece e muito. Mas A Love Supreme é o bilhete de amor que John Coltrane deixou pra nós, é toda sua gentileza e grandiosidade espiritual musicada. É o ouvir e não ser capaz de controlar suas emoções.
A Love Supreme, feche os olhos e escute com a alma.