Rumores de que o Berghain Club, em Berlim, pode fechar seguem correndo soltos. Nossa colunista Lalai Person acompanha tudo de pertinho, e conta mais sobre a importância deste templo da música eletrônica
Eu não imaginei o que me esperava em Kiev quando minha alma clubber me levou para a Ucrânia no ano passado. Minha amiga, que viaja o mundo levando sua festa para os lugares mais underground do planeta, garantiu que, em mais de sete anos produzindo festas, ela nunca foi tão impactada por um lugar como aquele. Não sei se foi por ter sido a primeira festa que fui desde fevereiro de 2020 ou se o club sem nome era de fato tudo o que minha amiga havia dito, mas voltei para Berlim certa de que o Berghain corria o risco de perder o trono de melhor club do mundo.
Mas a guerra veio, o club sem nome fechou as portas e o Berghain manteve sua soberania. Para quem não é familiar com a cena noturna de Berlim: O Berghain é considerado o templo do techno e tem moldado a cena da música eletrônica, em especial a do techno, a ponto das pessoas falarem “ah, esse som é bem Berghain”. O techno “Berghain” se espalhou pelo mundo, ganhou as pistas e, assim como tocar lá virou selo de qualidade, entrar faz muitos acreditarem que são descolados o suficiente para passar pela porta – o que não é uma verdade. Eu já fui barrada, muita gente que conheço já foi barrada e até o novo dono da rede social do passarinho azul já foi barrado.
Além do estilo musical, o Berghain dita também a moda em Berlim. Têm marcas conhecidas por criarem roupas “estilo Berghain” e você desconfia se alguém frequenta o club pelo corte de cabelo, pela altura da franja e pelo estilo da roupa. Gostando ou não de lá, não dá para negar a sua influência cultural localmente e mundo afora. As pessoas atravessam o oceano só para conhecer o Berghain e, muitas vezes, sequer conseguem entrar.
A história do Berghain vem de longa data, mas não é o club mais antigo de Berlim como muitos pensam. Tudo começou após a queda do muro sob o nome Ostgut, que virou posteriormente nome do selo e da agência de DJs. Só em 2004 é que o Berghain surgiu como o conhecemos. Ele fica numa antiga usina elétrica encravada entre os bairros KreuzBERG e FriedrichsHAIN, por isso o nome. Em 2016 foi reconhecido como uma instituição cultural após entrar com uma ação na corte alemã, o que fez cair sua taxação de imposto de 19% para 7%. Tal iniciativa levou os demais clubs à uma nova ação local, aprovada no ano passado, para dar a eles o mesmo status que só o Berghain possuía até então.
Sua famosa política de “quem entra ou é barrado” o levou à fama internacional, mesmo não sendo nada novo. Basta resgatar a história do Studio 54 para ver uma política parecida e em Berlim ela é regra em muitas festas e clubs mesmo que o ingresso tenha sido comprado com antecedência. No Berghain, ela ficou ainda mais famosa por ter sido personificada pelo fotógrafo Sven Marquardt, personagem singular que se tornou um dos bouncers mais famosos – se não o mais famoso, do mundo e que trabalha lá desde que o club abriu.
Nas diversas entrevistas que dá, Marquardt é sempre questionado sobre quais são as regras para decidir quem entra ou não, mas ele mesmo assume que é tudo muito subjetivo, não importa se a pessoa está toda vestida de preto ou se está super colorida, mas tem a ver com atitude. Pessoas que se montam demais costumam ouvir “tente menos da próxima vez”. Li numa entrevista (não achei o link) em que ele contou rindo que um dia resolveu ir todo vestido de branco e na semana seguinte várias pessoas na fila estavam vestidas de branco da cabeça aos pés.
Para ele, o objetivo da política praticada na porta é manter o Berghain um lugar seguro para quem o frequenta, mas há controvérsias. Recentemente foram acusados pela comunidade local de não prestar socorro à uma vítima que sofreu um ataque com “agulhas” nas suas dependências. Ao contrário, ela foi simplesmente colocada para fora. Após diversas críticas nas redes sociais, o Berghain lançou um manifesto de conscientização numa ação feita previamente pelos demais clubs e coletivos da cidade.
O Berghain é amado e odiado pelas pessoas provavelmente na mesma proporção. Muitos insinuam a prática de uma política racista e xenófoba na hora de decidir quem entra. Se um dia já foi mais claro sacar quem passaria pela porta, hoje em dia está mais difícil, já que para ser mais sustentável, é comum se deparar com um público que outrora não era visto por lá.
Não é também um lugar tão queer quanto foi no passado, mas sabiamente tem conseguido manter sua aura de lugar underground, inclusive fotografar lá dentro continua proibido (o que eu acho uma dádiva).
Há cerca de um mês eu fui marcada em diversas publicações por conta dos rumores de que o Berghain fechará suas portas até o fim deste ano. O famoso selo Ostgut encerrou suas atividades em dezembro de 2021 e recentemente foi anunciado o fechamento da agência de DJs, responsável pelo agenciamento de alguns dos maiores nomes da música eletrônica alemã, o que contribuiu para alimentar a fofoca.
Alguns amigos intimamente ligados ao club me garantiram que o Berghain não vai fechar e eu também acredito que isso seja pouco provável de acontecer tão cedo, mas eu acredito que há planos para um futuro não tão distante. Recentemente, a DJ e produtora Honey Dijon ganhou residência no Panorama Bar, o que não faz sentido começar um novo projeto num lugar que fechará em poucos meses. Por aqui, nossos planos é passar o réveillon por lá.
Eu até acho bonito quando um projeto é encerrado no seu auge. É assim que muitas lendas surgem, mas o Berghain já virou uma antes mesmo de suas portas fecharem.
Noite Berlim x São Paulo
Quando meus amigos visitaram Berlim no último verão, um deles ficou desapontado, pois concluiu que a noite de São Paulo é melhor do que a daqui. Eu não duvido. A noite de São Paulo é para mim uma das melhores do mundo, mas não há dúvidas de que a cena berlinense, em especial a do Berghain, inspira bastante as festas mais underground da capital paulistana.
Hoje, São Paulo tem a seu favor uma diversidade musical muito ampla, vide festivais e festas terem atualmente palcos dedicados ao funk, o batidão que de vez em quando invade de maneira improvável a pista do Berghain.
Por aqui, discutimos um pouco sobre o impacto que o fechamento do Berghain causaria na cena em Berlim. A maioria, que trabalha com a noite, acredita que seria positivo, especialmente pela dificuldade de conseguir bookar alguns DJs para outras festas da cidade por conta da política de exclusividade que o club exige. São 2 meses sem poder tocar em qualquer outro lugar, o que dificulta tanto a vida de promoters quanto a dos DJs que ficam restritos a uma gig na cidade dentro desse período. Às vezes é mais fácil eu ver um DJ que mora em Berlim tocando em São Paulo do que aqui.
Tudo que é bom e acaba, pode gerar frustração, mas sempre que algo ocupa um lugar muito grande numa cena, pode acabar prejudicando projetos menores.
Berlim é uma cidade com muito espaço para projetos novos e eles não faltam por aqui. Acabamos nos viciando em ir sempre no mesmo lugar (eu sou dessas), mas a cidade tem uma cena noturna enorme para explorar com muitas festas independentes boas e clubs dedicados às mais diferentes vertentes da música eletrônica.
Há uma lista interminável de clubs em Berlim, como o RSO Berlin, Oxi, Tresor, Ohm, Renate, Ost, ://about blank, Anomalie, ÆDEN, KitKat, Sisyphos, Kater Blau, Paloma, Golden Gate, só para citar alguns, além das centenas de festas independentes. Apesar do techno ser o estilo musical que rege a cidade, a cena é muito mais diversa que isso. Até o funk brasileiro tem atualmente uma festa com calendário fixo na cidade. Tem muita roubada? Opa, se tem, mas com tantas opções, impossível não ter.
Se o Berghain vai durar um ano ou mais, eu não sei! Mas é difícil discordar do papel importante que ele teve na cena cultural e, inclusive, no turismo local. Eu, que mal cheguei em Berlim, ainda torço para que ele sobreviva por algum tempo.