
Lee Morgan: muito além do jazz
Adriana Arakake conta quem foi o trompetista e compositor americano, que faria 87 anos neste 10 de julho
A história de Lee Morgan tem todos os elementos de um drama clássico: talento precoce, sucesso meteórico, quedas profundas, redenção possível e uma tragédia final que ninguém soube evitar. Mas o que mantém a música viva não é só o roteiro — é o som. Filho da classe trabalhadora da Filadélfia, Morgan começou no trompete aos 13 anos, incentivado pela irmã mais velha, que o presenteou com o primeiro instrumento.

Aos 15, já se apresentava profissionalmente. Aos 18, entrou pra big band de Dizzy Gillespie. Aos 20, já gravava Blue Train (1957) com John Coltrane. Logo assinou com a Blue Note e se tornou um dos artistas mais prolíficos da gravadora. Entre 1957 e 1963, participou de mais de 25 gravações — como líder ou sideman — ao lado de nomes como Art Blakey, Wayne Shorter, Hank Mobley e Jackie McLean.
Nos Jazz Messengers de Art Blakey, firmou sua linguagem: hard-bop melódico, incisivo, com frases que pareciam tanto improviso quanto posicionamento. O disco Moanin’ (1958) resume bem — energia de igreja, suingue de rua, trompete com alma, técnica e urgência. Mas foi só em 1964 que o nome Lee Morgan estourou fora da bolha do jazz, com The Sidewinder. A faixa-título, com groove quase funky, virou um sucesso comercial improvável. Tocou em um comercial da Chrysler, entrou nas paradas de R&B e, de quebra, salvou a Blue Note da falência.
O estouro foi tanto que a gravadora adiou o lançamento de Search for the New Land — disco já gravado, mais ousado, mais profundo — pra não competir com o hit. Só que Morgan não era artista de repetir fórmula. Irritado com a pressão por “mais um Sidewinder”, mergulhou em trabalhos mais densos, politizados, alinhados ao que se passava nas ruas.
Jazz era linguagem, denúncia, gesto. E ele entendeu isso rápido. Em 1970, ajudou a fundar o Jazz and People’s Movement — coletivo que exigia mais espaço pra músicos negros na televisão americana. Invadiram transmissões ao vivo, interromperam programas com ruído e cartazes. Queriam visibilidade. Queriam justiça. Queriam ser ouvidos.
Live at the Lighthouse (1970), último disco lançado em vida, mostra um Morgan vibrando em outra frequência. Gravado na Califórnia com nova formação — Harold Mabern, Bennie Maupin, Jymie Merritt e Mickey Roker —, o som mistura espiritualidade, groove, política e entrega. Ele parecia em busca de algo que o jazz tradicional não comportava mais.
Mas não houve tempo. Em 19 de fevereiro de 1972, durante uma nevasca em Nova Iorque, Morgan foi baleado por sua companheira, Helen Moore, no Slugs’ — clube no East Village onde costumava tocar. Ela era parte essencial da vida dele: ajudou a sair do vício em heroína, cuidava da banda, da agenda, da sobrevivência. Mas a relação era intensa, marcada por dependência, ciúme, amor e desgaste. A tragédia veio depois de mais uma discussão. A ambulância demorou quase duas horas. Lee Morgan morreu ali mesmo, aos 33.
“Eu não queria matá-lo. Eu queria que ele me escutasse”, declarou Helen no documentário I Called Him Morgan, dando seu depoimento em fita cassete, já idosa, sob outro nome. O filme reconstrói a história com cuidado. Mas quem quiser entender Lee Morgan de verdade precisa ouvir os discos. Porque ali ele diz tudo o que não deu tempo de dizer em vida.
Como líder, deixou dezenas de gravações. Em faixas como Ceora, Mr. Kenyatta, Speedball, Candy, The Procrastinator e Search for the New Land, o trompete nunca soa como exibição técnica. É uma fala que oscila entre o sublime e o brutal. É urgência que não pede licença. Lee não virou lenda por morrer jovem. Virou lenda por viver como se soubesse que o tempo era curto.
Lee Morgan faria 86 anos neste 10 de julho. Pra comemorar, ouça de peito aberto!
Não é só jazz. É Lee Morgan.