
Quem foi Roy Ayers, padrinho da neo-soul e pioneiro na mistura de jazz com rap
Adriana Arakake homenageia um de seus artistas favoritos, que faleceu no último dia 04, aos 84 anos de idade
“Love will bring us back together…” Na última terça-feira, 04, quando recebi a notícia, ouvi de novo grande parte da obra de um dos meus artistas preferidos, dono de músicas que não saem dos meus sets. Aos 84 anos, Roy Ayers deixou este plano para ir encontrar seus parceiros de música Donald Byrd, Roy Haynes, Stanley Turrentine… Antes de partir, nos deixou o presente de seu legado, que continua vivo em cada batida de seu vibrafone.
Considerado o padrinho da neo-soul, revolucionou o jazz-funk e deixou uma marca profunda na música. Sua trajetória começou nos anos 1960, quando lançou West Coast Vibes (1963) e Virgo Vibes (1967), dois discos que mostram uma enorme habilidade em equilibrar a sofisticação do jazz tradicional com experimentações rítmicas ousadas. No entanto, foi nos anos 1970, com a criação do grupo Roy Ayers Ubiquity, que encontrou sua identidade definitiva, incorporando o groove do funk e a suavidade do soul à sua música. O clássico Everybody Loves the Sunshine (1976) se tornou um hino atemporal, com sua melodia envolvente e atmosfera solar que sintetiza a essência do jazz-funk.
Ayers não se contentava em apenas seguir tendências — ele as criava. Sua habilidade com o vibrafone era única: enquanto outros músicos do instrumento adotavam uma abordagem mais percussiva, ele extraía melodias e harmonias que pareciam flutuar. Com seu estilo inconfundível, atraiu a atenção do hip-hop décadas depois, tornando-se um dos artistas mais sampleados da história, em faixas como Bonita Applebum (A Tribe Called Quest), Book of Life (Common), Lost Souls (Tupac Shakur), Momma (Kendrick Lamar), XXplosive (Dr. Dre) e I Miss You (Björk).
O músico também fez parte de um marco na fusão do jazz com o hip-hop ao colaborar com o rapper Guru no icônico álbum Jazzmatazz, Vol. 1 (1993). Na faixa Take a Look (At Yourself), Roy trouxe seu inconfundível vibrafone, criando uma ponte sonora entre o jazz e o rap de maneira brilhante. O trabalho foi um dos primeiros a unir músicos de jazz com produtores de hip-hop, sendo uma verdadeira revolução para a época.
Sua versatilidade também o levou à parceria com Fela Kuti no disco Music of Many Colors (1980), resultando em uma sonoridade única que combina ritmos africanos com improvisações jazzísticas.
Além do impacto na música, Roy Ayers teve um papel importante no cinema. Sua trilha sonora para Coffy (1973), estrelado por Pam Grier, ajudou a definir o som do blaxploitation, um gênero que amplificava a cultura preta nos Estados Unidos. Suas composições carregavam um senso de identidade e orgulho, reforçando a importância da representatividade na arte. Nos últimos anos, sua relevância foi reafirmada no documentário Summer of Soul, dirigido por Questlove, que resgatou a importância do Harlem Cultural Festival de 1969, evento no qual Ayers também teve destaque.
Sua relação com o Brasil era marcada por admiração e influência mútua. Seu groove irresistível sempre dialogou com a música brasileira, especialmente com a bossa-nova e o samba-jazz. Embora não tenha registrado colaborações diretas com artistas brasileiros, sua arte ressoava com a sonoridade de músicos como Marcos Valle e João Donato. Ayers reconhecia a riqueza rítmica da música brasileira e a incorporava de maneira sutil em seu som, reforçando a universalidade de sua arte.

Não foi apenas um talento excepcional, mas um artista que ajudou moldar o jazz contemporâneo e a música. Roy Ayers brilha como o sol que ele tanto cultuava. And everybody loves the sunshine.