Fernanda Torres Foto: Globo de Ouro/Divulgação

Opinião: Fernanda Torres é a nova melhor amiga dos brasileiros

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Ao vencer o Globo de Ouro 2025 por sua atuação em Ainda Estou Aqui, atriz faz o Brasil sair maior e vitorioso segundo Jota Wagner

Quando Viola Davis anunciou Fernanda Torres como a melhor atriz dramática do Globo de Ouro 2025, a madrugada brasileira foi tomada como se assistíssemos a um gol da Seleção na Copa do Mundo. Todas as redes sociais bombaram. A mulher ficou ainda maior, e sobrou até mesmo para Tilda Swinton, ídola de Fernanda. Sua comemoração ao ouvir o anúncio da colega brasileira, flagrada pelas câmeras, rendeu mais de 12 mil comentários oferecendo à inglesa cidadania, CPF, estadia grátis em Salvador durante o Carnaval (em casa de família), café, pão de queijo e o carinhoso apelido de “Tildinha”.

A comoção é emocionante, mas não surpreendente. A onipresença da filha de Fernanda Montenegro (a maior dama da atuação brasileira, segundo o jornal El País, ao repercutir o Globo de Ouro) já se fazia notar antes mesmo da indicação ao prêmio estadunidense. Impossível calcular quanto o protagonismo de Torres fez bem à bilheteria de Ainda Estou Aqui (que agora parte para sua caminhada rumo a um Oscar). E olha que ela não era o “plano A” na cabeça de Walter Salles, mas sim Mariana Lima, fisicamente bem mais parecida com Eunice Paiva, cuja história foi lindamente contada no filme. Ainda Estou Aqui é uma homenagem à força da mulher e um lembrete de que muita coisa no Brasil não pode ser varrida para baixo do tapete.

A chegada de Fernanda Torres ao elenco foi um gigantesco presente ao filme. Com Mariana Lima, é possível que ele estacionasse na bolha dos aficionados por cinema nacional. Com Torres, o negócio tomou outra dimensão. Mais conhecida no Brasil pela veia cômica, Fernanda (ou Fernandinha, ou Nanda, como queiram) é aquela mulher que todo brasileiro, independentemente de posição social ou política, queria ter como convidada em um churrasco de sábado à tarde. É aquela parente que salva o velório, contando histórias engraçadíssimas do morto, transformando um triste ritual de passagem em uma grande celebração à vida.

Muita gente diz que Torres tem sido onipresente em memes. Não é bem verdade. O que varreu a internet foram recortes de suas sensacionais entrevistas, aparições em programas de TV e atuações em séries e filmes de comédia. Pura e autêntica, falando à família brasileira sobre putaria, perrengues, amizade e a alegria de viver, sem dar à mínima para o que os outros pensam.

Fernandinha é um prodígio. Seu segundo papel no cinema (A Marvada Carne, de André Klotzel) lhe rendeu o prêmio de melhor atriz em Gramado, em 1985, com meros 18 anos. Apenas um ano depois, foi a primeira atriz brasileira a ganhar a desejada Palma de Ouro, do Festival de Cannes. Já tem o Globo de Ouro e, se levar o Oscar (sim, estamos todos torcendo por isso), conseguirá um feito absurdo, mesmo para grandes atrizes internacionais.

Só que, entre grandes atuações e incursões no roteiro e na literatura (de um livro dela saiu a muito bem-recebida série Fim, de 2023) Fernanda Torres fez o Brasil rir em sucessos absolutos (como as televisivas Os Normais e Tapas & Beijos) e “interpretando” a si mesma em aparições icônicas em programas como Altas Horas, Jô Soares Onze e Meia e tantos outros. Tudo rendendo centenas de cortes engraçados, que se transformaram em milhares de compartilhamentos nas redes sociais. Boa parte da galera que riu com ela na internet foi ao cinemas ver Ainda Estou Aqui. E saiu de lá diferente, com a certeza de que merecia ser premiada.

Ao interpretar uma mãe que precisa lidar com o sequestro criminoso do marido pela polícia política da Ditadura enquanto tenta preservar os cinco filhos, Fernanda entrega uma interpretação contida, psicológica, de uma mulher que está prestes a explodir, mas não o faz. Em uma das cenas, segura a onda ao lidar com o desespero de saber que o marido está sendo torturado, mas não pode transmitir a notícia dentro de casa. Seu queixo treme, o único sinal de que algo está muito errado. Nada de choros desesperados, nem bomba, nem tiro, nem gente cortada ao meio. É um filme catástrofe, sim, e o mundo está acabando, mas dentro dela. Isso faz com que, desde o primeiro minuto, fiquemos hipnotizados, grudados nas mínimas expressões faciais da protagonista. E para aproveitar o melhor disso, segue o conselho: assista na telona do cinema. Vale a pena!

Sua força é tão grande que sua vitória foi capaz até mesmo de tornar risível o já esperado bombardeio que uma parte dos brasileiros, recentes defensores da ditadura, tentou lançar sobre o filme. Sobraram tentativas de desqualificar a obra e a a mulher brasileira, com falsas notícias de que teria sido bancada pelo governo, ou que se tratava de uma tática conspiratória da Rede Globo. Ironicamente, a produtora de cinema de seu marido, Andrucha Waddington, se chama Conspiração Filmes (há décadas). Teve gente que rebateu ao anúncio da vitória no Globo de Ouro postando o preço do azeite de oliva. Ironicamente, a cor do uniforme dos militares.

Foi um 7 x 1. Ou melhor, desta, vez, um 1 x 7. O Brasil venceu, tanto no mundo, quando em sua guerra civil digital. Se por anos tivemos de aturar Regina Duarte como a “namoradinha do Brasil” (a que preferia o “pum do palhaço” à vacina contra covid), agora celebramos Fernanda Torres como a melhor amiga dos brasileiros. E da Viola Davis, e da Tilda Swinton, e da Kate Winslet; mulheres em cujo clube, Torres já ganhou carteirinha de sócia.

Que venha o Oscar!

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.