40 anos de house: como uma casa noturna de Chicago gestou o estilo musical
Conheça a história da Warehouse, a casa da house music, inaugurada por Robert Williams em 1977
“In the beginning, there was Jack… And Jack had a groove”, berrou o pastor psicodélico Chuck Roberts na música My House, de Rhythm Controll, um dos hinos da house music de Chicago, recheado com os elementos clássicos do estilo musical que revolucionou o mundo: batidas eletrônicas criadas com equipamentos de segunda mão, muita influência gospel e herança da disco music. O tal Jack estava falando sobre um som criado em volta de um lugar: o clube Warehouse, na rua South Jefferson, número 206. Um galpão comercial transformado em casa noturna em 1977 por Robert “Robbie” Williams, que colocou como responsável pela discotecagem um garoto que mais tarde se tornaria um dos mais icônicos DJs da história: Frankie Knuckles.
A Warehouse funcionou com uma forjaria cultural. Foi revolucionária porque cunhou um movimento musical que se espalhou pelo mundo. Não foi um clube criado para tocar house, mas onde a própria estética musical se formou. Tocando para gays negros e latinos, público que não se encaixava nos caros nightclubs caretas da cidade, Knuckles começou misturando de tudo, ciente de que a disco apresentava sinais de cansaço, após uma década de super exposição nas rádio e TVs. A música eletrônica europeia, como o synth-pop, ia ganhando espaço nas misturas do DJ. Trans Europe Express, do Kraftwerk, era um hit da casa. “As pessoas realmente tinham a sensação de que um trem estava passando dentro da pista de dança”, contou o DJ no documentário The Bastard Child.
Entre os frequentadores da boate, estava uma geração de moleques que gostavam de fazer música, e que voltavam para casa com aquelas misturas de Frankie no ouvido. Larry Heard, Farley “Jackmaster” Funk e Pierre, que lançariam em breve a primeira leva de discos clássicos de house, transpuseram em seus estúdios a vibração que traziam enfurnada em suas roupas. Robbie gostava de fazer trocadilhos com o nome da casa em seus cartazes de divulgação. Chamava-as de “house parties”, onde se tocava, vejam só, “house music”. O nome do gênero musical era, na verdade, um aviso aos ouvintes de que aquela era a música que se ouvia na Warehouse.
A energia atômica que se formava naquele clube alternativo foi tamanha que, através de seus discos, foi tomando conta do mundo, começando pela Inglaterra, que ouviu naquelas batidas o elemento ideal para sua revolução cultural, feita em festas ilegais pelos porões da cidade e sítios alugados. A onda acid house.
Para entrar na Warehouse, os felizes dançantes pagavam cinco dólares e ganhavam suco e água de graça. Um exemplo da cultura estadunidense de elevar a música e a dança ao status de prioridade, sobrepondo a pegação e a chapação. A maioria dos frequentadores era socialmente excluída de tudo. Malvistos nos cultos religiosos, nas festas de música negra frequentada por heterossexuais e, claro, na alta roda da sociedade. As noites se tornavam um momento único, durante a semana, de livre expressão.
A aura do clube era tão política que, em 1982, quando Robbie decidiu dobrar o valor de entrada para dez dólares, uma vez que o clube já tinha ficado famoso, Frankie Knuckles decidiu abandonar os toca discos da Warehouse e abrir seu próprio club, Power Plant, levando consigo seu público. A debandada foi tão forte que resultou no fechamento da casa, cujo edifício centenário mais tarde passaria a abrigar escritórios de advocacia, e ganharia o status de patrimônio histórico em 2023. Robert rapidamente abriu um novo pico que também se tornou lendário para a história da house: a Music Box, capitaneada pelo DJ Ron Hardy.
Quando algo novo começa a entrar em ebulição nos bairros de uma cidade, é comum terem suas portas abertas por visionários. Aquela música, aquelas danças, as roupas e as gírias diferentes, que estão chamando atenção das pessoas. Mas é raro quando uma casa noturna ou de shows faz o caminho contrário. Dentro dela, se reúne um grupo de pessoas que, inspirados por sua música, se decidem a replicar o que ouviram dentro de uma festa. Essa é a história da house music, celebrando seus 40 anos em 2024. Essa é a história do clube Warehouse, de Chicago.