Paul McCartney Foto: Reprodução

Há 55 anos, Paul McCartney era declarado vivo

Jota Wagner
Por Jota Wagner

A saga de uma das maiores lendas urbanas da história da música

“Paul ainda está entre nós.” A frase saiu estampada na revista Life, que chegou às bancas dia 7 de setembro de 1969. Na foto, Paul McCartney aparecia em sua fazenda, ao lado da família, com a intenção de deixar bem claro que não havia morrido em um acidente de automóvel, três anos anos antes. Como se a “notícia” em si não fosse grande o suficiente, o baixista e vocalista da banda mais famosa do mundo ainda revelou, traindo o combinado entre os demais Beatles, que o grupo havia acabado. Uma das maiores bombas jornalísticas da imprensa cultural do século XX.

Paul McCartney

A capa da Life de novembro de 1969. Imagem: Reprodução

Hoje vista pelo astro de forma divertida, a ponto de declarar que “bem, se eu sou um sósia do Paul original, então sou muito mais talentoso do que ele, pois as melhores canções foram escritas após sua morte”, a fake news que gerou uma baita teoria da conspiração incomodava na época. E ainda pouco se sabe se os próprios Beatles compraram a história maluca a ponto de brincar com os fãs em suas capas de disco embutindo mensagens subliminares nas fotos, ou se é tudo pura paranoia fanática.

A história

Considerando o talento da banda, é claro que, também ao nos proporcionar uma bela teoria da conspiração, os Beatles nos entregariam o suprassumo das histórias. Uma sequência de eventos que resultou em uma trama muito bem-costurada, abençoada pelo deus Coincidência.

Tudo começou no final de 1966, logo após o grupo ter lançado, no intervalo de pouco mais de seis meses, dois álbuns que viraram a música pop de ponta cabeça: Rubber Soul (dezembro de 1965) e Revolver (agosto de 1966). Naquela época, jornais britânicos começaram a noticiar que Paul McCartney estava trabalhando secretamente em uma carreira solo e uma possível separação dos Beatles, apoiada pelo fato de que a banda havia dando um tempo em aparições públicas, além de ter adiado sua agenda de shows. Na verdade, o grupo trabalhava na criação de sua complexa obra-prima, o disco Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, que seria lançado em maio de 1967.

Mas, para efeitos de venda de jornal, uma treta era muito mais sedutora. Uma morte trágica então, nem se fala. E a versão que se espalhou foi a de que Paul McCartney havia morrido em um acidente de carro na rodovia M1, na Inglaterra.

A conspiração

A partir daqui, o que aconteceu só é verdadeiro para cérebros terraplanistas. Os Beatles estavam no auge de seu sucesso e, acabar com a banda seria um tremendo prejuízo financeiro. Sem contar que o grupo trabalhava como embaixador cultural da Inglaterra. Para continuar com a banda, seus empresários contrataram um sósia para representar Paul e, assim, ocultar sua morte.

A lenda do clone foi baseada em uma entrevista que o produtor musical do grupo, George Martin, havia dado aos jornais contando que, nas turnês americanas, a equipe contratava diversos atores para “fingirem-se de Beatles”. A estratégia era usada para que a banda conseguisse sair dos hotéis cercados por fãs. Enquanto um ou mais grupos de “Beatles” saíam primeiro, arrastando o público atrás dos carros, os reais podiam vazar tranquilos pela porta dos fundos.

Os mais criativos, então, fecharam a história. Com a ajuda do serviço de inteligência britânico, o MI5, um novo Paul McCartney foi incorporado aos Beatles. E, rapaz, como toca bem o contrabaixo e como compõe o cara, inclusive em sua carreira solo!

Apesar de ter sido criada na virada de 1966 para 1967, a história só ganhou corpo mesmo em 1969, quando um ouvinte da rádio de Detroit WKNR-FM ligou ao vivo para o DJ Russ Gib e “denunciou” a morte de Paul, citando várias pistas escondidas nos discos posteriores dos Beatles. Na capa de Abbey Road, os quatro caminhando sobre a rua na verdade eram a representação de um funeral. E Paul estaria descalço na foto porque era assim que os ingleses enterravam seus mortos antigamente.

Ouvindo a música Revolution #9 ao contrário, podia-se supostamente ouvir “OPD”, sigla de Officially Pronouced Dead (Oficialmente Declarado Morto), um termo usado na perícia médica. Na capa de Sgt. Peppers, os quatro estariam, na verdade, em frente a um túmulo, o do verdadeiro Paul McCartney.

Até hoje, tem gente que defende que os outros três Beatles jamais concordaram com a trama, e por isso colocaram mensagens subliminares nos álbuns, com o intuito de avisar aos fãs. Outros dizem que a banda estava tirando onda do boato, e implantou as dicas como brincadeiras, para criar uma espécie de mítica no assunto (e vender mais discos).

A verdade que o repórter David Frost e o fotógrafo Lynn Goldsmith, da revista Life, empreenderam uma verdadeira caça ao tesouro, procurando a fazenda de Paul. Não foi fácil. Quando finalmente o encontraram, o Beatle relutou em dar a entrevista e falar sobre o assunto. Chegou a jogar baldes de água nos intrusos, o que foi capturado por Goldsmith. Com medo da má repercussão que a fotografia poderia causar, acabou abrindo a porta para os dois e concedeu a bombástica entrevista.

Comum a todas as teorias da conspiração, é óbvio que muita gente não acreditou na entrevista, insistindo que quem a deu foi o impostor, devidamente treinado pela equipe. O resultado? Em novembro de 1969, Rocco Catena, vice-presidente de merchandise da Capitol Records, declarou que o mês estava sendo “o melhor da história dos Beatles em termos de venda de discos”.

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.