Bis Foto: Roberto Rendon [via Unsplash]

Moda do TikTok? A história do bis em shows de música

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Não, o ato de sair e voltar ao palco para continuar tocando definitivamente não foi inventado ontem

Wolfgang Amadeus Mozart, sentado em sua nuvenzinha lá no céu, deve ter caído na gargalhada ao abrir seu Twitter/X e ler um relato que viralizou. Segundo o usuário @gilleafs, uma garota que assistia a um show ao seu lado comentou com a amiga, no momento em que a banda deixava o palco, que eles voltariam para o bis, para tocar mais algumas músicas. O fim do show era apenas um fingimento, uma “trend do TikTok“.

Bis

Imagem: Reprodução

Salvo alguma descoberta arqueológica que mudará os rumos da história, até onde sabemos não havia TikTok, nem internet e nem celular em 1786, quando o compositor provocou o caos no Burgtheater, em Viena, na Áustria, durante a première de sua nova ópera Le nozze di Figaro. A galera aplaudiu tanto, mas tanto, que Mozart resolveu voltar com a trupe ao palco para repetir um dos atos da obra. Uma catarse que mudaria para sempre o mundo da música.

O rolê foi doido. Se transformou, a partir dali, em uma espécie de selo de qualidade em uma apresentação. Se o espetáculo era bom demais, o povo aplaudia em êxtase até que os músicos voltassem para mais um chorinho. No caso da música clássica, repetir um ato do concerto. A animação do público ganhava ares de after, o que incomodou, claro, os mais conservadores. A onda do bis em shows atravessou todos os gêneros musicais e se tornou quase obrigatória até os dias de hoje. Garoto, avise a menina aí que estava ao seu lado!

Voltando aos tempos de Mozart, o hábito de não sair do teatro por se esperar por um pouco mais de música começou a causar confusões, a ponto do imperador austríaco Jose II decidir botar regra na bagunça, já na temporada de apresentações de Figaro. Segundo o manda chuva, o tempo dos “bises” de Mozart teria de ser limitado. Na Itália, os chorinhos foram proibidos de vez em 1887 depois que o maestro Toscanini foi desafiado para um duelo ao se recusar a voltar ao palco graças às reclamações de seus cantores, que estavam exaustos.

No mundo da música pop, o comportamento de gostar mais do bis do que do show em si seguiu vivo. Afinal, é nesse momento que as surpresas acontecem. Músicas obscuras, novas versões… Cada artista lida com o encore de um jeito diferente, e ganha fama por isso.

Bandas como The Cure são conhecidas por retornos gigantescos ao palco, tocando uma porção de músicas além das programadas no show. Bob Marley era ainda mais safo: dividia a setlist em duas partes de uma hora cada. Ao final do primeiro ato, os músicos saíam do palco e voltavam com a conclamação do público para a segunda metade. O bis era do tamanho de um show inteiro.

A ideia ficou tão encriptada no mundo da música que inspirou histórias engraçadas. Durante um show em 2007, Amy Winehouse avisou ao público que tocaria sua última música. Quando o povo mormolejou de tristeza, a cantora mandou ao microfone: “gente, deixem de ser falsos. Vocês sabem que não é a última música!”.

Mark Sandman, do Morphine, também tirava uma onda com a prática. Ao “final” da apresentação, se despedia da plateia com um “thank you, good night”, mas ninguém saia do palco. Esperavam um pouco e começavam a tocar de novo. Se o bis era óbvio, por que se dar ao trabalho de descer até o camarim e voltar, né?

Existem também os artistas antibis. Elvis Presley, a mando de seu empresário, o Coronel Tom Parker, era proibido. Para frustrar de vez os gritos da plateia pedindo “mais uma”, Parker ficou responsável por uma das frases mais icônicas do rock’n’roll: “Elvis has left the building” (“Elvis já deixou o prédio, foi embora”). A notícia (muitas vezes mentirosa) era para silenciar de vez os fãs pidões.

Tudo isso aconteceu, avisam Mozart, Presley e Marley, antes do TikTok.

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.