Kaskade Foto: Reprodução

Prestes a fechar o Rock in Rio, Kaskade fala sobre 20 anos de palco: ‘Ficava em pânico’

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Jota Wagner conversa com um dos maiores DJs do planeta

Ryan Raddon, DJ estadunidense que todo mundo conhece sob a alcunha de Kaskade, está de volta ao Brasil como um dos mais importantes nomes da tenda eletrônica do Rock in Rio 2024. O artista encerra o festival neste domingo, 22, como última atração do palco New Dance Order. Baita responsabilidade que para ele, após 20 anos de profissão e presença em megaeventos mundo afora, não se reflete em nervosismo.

Não mais, conforme nos contou na entrevista que deu ao Music Non Stop. Raddon é dono de uma história bastante interessante no universo da música eletrônica. Moleque, mudou-se de Chicago para São Francisco para trabalhar em uma das gravadoras mais bacanas da virada do milênio, a Om Records, em um momento em que a cidade transpirava deep house, uma subversão mais sexy da house music de sua cidade natal.

O West Coast deep house, como o estilo era chamado, foi responsável pela renovação da house music ao lado do tech house inglês do final dos anos 90. Como tudo que bomba, viu sua música se gentrificar e afastar o povo do underground. Graças à sua sonoridade sofisticada, virou trilha sonora de beach clubs, festas regadas a champagne e demais rolês topzêra.

Socialmente falando, foi um dos alicerces para a EDM, que viria a alimentar esse público nas décadas seguintes, e Kaskade seguiu firme neste barco, se tornando um dos DJs mais valorizados desta nova música feita para multidões. Virou o queridinho das grandes gravadoras para remixes, reinterpretando faixas de artistas como Beyoncé, Justin Timberlake, Britney Spears, Imagine Dragons, Empire of the Sun, David Morales e vários outros astros do pop.

Confira o bate papo de Kaskade com a gente, às vésperas de sua apresentação no festival carioca.

Jota Wagner: O que muda na sua cabeça quando a apresentação é para um grande público, como no Rock in Rio?

Kaskade: Acho que eu tento mixar as músicas um pouco mais rápido. Sinto que a atenção das grandes plateias é curta. Num clube, você pode ter um tempo maior, construir uma fluidez. Mas no caso de festivais, é tipo, manter a galera lá em cima. E também é divertido.

Você se mudou para São Francisco no começo da carreira, para trabalhar na Om Records na era de ouro do deep house. Como era viver ali naqueles tempos?

Cara, era maravilhoso! Uma época incrível para viver em São Franciso. Aquela coisa da primeira onda do deep house, com a [gravadora] Naked Music, Om Records e tudo aquilo o que estava acontecendo. Tempos muito mágicos. É engraçado porque a garotada chama de deep house uma outra coisa agora, que vem de Berlim. Acho que lembra um pouco daquele som de 25 anos atrás. É meio divertido ver os jovens curtindo este novo movimento da deep house novamente. Naquele tempo, em São Francisco, havia um boom no mercado da música. Rolou muita grana e muita excitação. Todos os clubes viviam lotados e o som era aquele tipo de house tribal da Costa Oeste, muito popular na cidade.

Eu estava aqui pensando sobre a Om Records e todos esses grandes selos… O que faz um gravadora ser interessante hoje em dia?

Olha, eu sinto que agora é mais um tipo de veículo de promoção, uma tribo de pessoas que tem uma ideia similar sobre um determinado estilo de música. Porque na verdade você não precisa de um selo hoje em dia. Quero dizer, você pode subir suas músicas no Spotify, no Beatport, ou onde quiser, e as pessoas podem descobrir sua música. Mas eu acho que a vantagem de um selo é justamente encontrar pessoas que pensam como você. DJs, produtores e compositores que dividem o mesmo gosto musical, a mesma visão de música. E tem muito poder nisso, sabe? Juntar 20 pessoas fazendo a mesma coisa que você.

Ao fazer um remix, o que é desafiador para o Kaskade?

Tudo é desafiador e bacana. Venho fazendo remixes por muitos anos. No começo da minha carreira era mais difícil, porque eu sentia que tinha um tipo de som específico e queria ficar conhecido graças a ele. Mas então vêm todas estas gravadoras comerciais me pedindo para remixar Britney Spears ou a nova da Beyoncé. E comecei a fazer isso de um jeito que a música funcionasse nos clubes onde eu estava tocando.

Mas acho que no primeiro momento do boom da EDM, muitas gravadoras não entendiam sua popularidade. Elas ouviam o remix e diziam: “olha, isso não vai funcionar”. E eu respondia: “vai sim, eu toquei e funcionou”. Elas estavam desconectadas do que estava acontecendo. Hoje em dia, essa desconexão não existe mais, e muito porque a dance music agora é muito popular. Todo mundo está copiando o que fazíamos antes na música pop. Então, está mais fácil fazer remixes hoje em dia.

Você recusa muitos convites para remixar?

Sim, bastante. Mais por causa da minha agenda de shows e do tempo que tiro para escrever minhas próprias músicas. Tenho tempo somente para alguns remixes por ano. É só porque é difícil ter tempo livre, mesmo.

O que uma música precisa ter para você pensar: “não é a minha, não consigo remixar isso”?

Muitas vezes tem a ver com o tempo da música, ou quando o vocal não diz nada para mim. Às vezes recebo músicas com convites para remixar que são muito rápidas, ou muito lentas, de um jeito que, se eu alterar seu andamento, não vai soar legal. Se não se encaixa no meu estilo (e muitas vezes isso acontece), eu não sinto que possa fazer. Há vezes também que eu escuto uma música e penso: “meu, está perfeito do jeito que está”. Respondo que a gravadora não deveria fazer remixes.

E o que acha que esperam de você quando te pedem um remix?

Bem, quando você está contratando um remixer, você precisa confiar nele. Afinal, há muitos DJs que, como eu, estão em nightclubs toda semana, tocando direto. Se eu trabalho em um remix, posso testá-lo imediatamente (e eu faço isso). Quando acho que está pronto, gravo num pendrive e toco. Às vezes é preciso modificar um pouco o arranjo. Então, acho que as gravadoras precisam confiar em quem contrataram para fazer o serviço.

Você está nessa há 20 anos. Lá atrás, quando você começou, como você era em cima de uma cabine? Era diferente?

Quando comecei, ficava muito nervoso. Não tinha a confiança que tenho hoje. Na boa, ficava em pânico. Hoje é muito diferente. Chego a gargalhar quando lembro de mim naquela época.

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.