Coala Festival Foto: Tati Silvestroni/Music Non Stop

Como foram os três dias de Coala Festival 2024

Maravilha
Por Maravilha

Dez anos de celebração da música brasileira em um final de semana

No primeiro final de semana de setembro, o Coala Festival celebrou uma década de existência, reafirmando seu compromisso em fortalecer e festejar a música brasileira. Em um cenário em que nem sempre o mainstream abre espaço para essas vozes, o evento tem se destacado como um refúgio para quem valoriza a arte autêntica e a nossa pluralidade cultural. De 2014 para cá, cresceu significativamente mantendo-se fiel à sua essência e abraçando tanto os novos talentos quanto os clássicos.

Coala Festival

Decoração e público Foto: Tati Silvestroni/Music Non Stop

Neste ano, o Coala ocupou o Memorial da América Latina, em São Paulo, durante três dias intensos de programação. A região da Barra Funda, na Zona Oeste, foi tomada por fãs ávidos por experiências sonoras que iam do samba ao forró, passando pelo indie, MPB e música eletrônica. Na sexta-feira, 06 de setembro, o festival começou sob uma noite fresca, com o clima colaborando para uma atmosfera leve e agradável, contrastando com as temperaturas geladas das últimas semanas de inverno.

Sexta-feira

O primeiro dia começou com um clima ameno, mesmo com previsões de frio. A noite estava fresca e agradável, parecendo uma noite de verão em pleno inverno. O tempo seco afetou um pouco o conforto dos participantes, mas a tradicional decoração com samambaias contribuiu para amenizar a sensação do clima árido de SP.

Quem deu o start foi a DJ Helena Camareiro, às 14h, no palco principal. O público foi aquecendo aos poucos, e em seguida a programação contou com uma apresentação da cantora, compositora e performer Silvia Machete e sua banda. Na sequência, a DJ Lys Ventura, que comemorou seu aniversário no mesmo dia, preparou uma seleção especial de música brasileira em vinil. Seguindo com a programação, a banda Boca Livre, que se destaca por suas composições e também pelas versões de músicas de outros compositores, trouxe um momento de nostalgia.

DJ Lys Ventura comemorando seu aniversário junto com o Coala. Foto: Tati Silvestroni/Music Non Stop

O projeto Forró Red Light trouxe para o Coala Festival um DJ set que combina música brasileira e eletrônica de forma particular, antecedendo a apresentação de Lenine, acompanhado pelo músico e percussionista Marco Suzano. Juntos, apresentaram canções de Olho de Peixe, segundo álbum de estúdio do cantor, lançado em 1993 e relançado pelo Noize Record Club há pouco tempo.

Depois do set contagiante do DJ Gus Karam, conhecido por seus remixes na música brasileira, todos se preparavam para os grandes shows que viriam em seguida, começando com Adriana Calcanhotto com participação de Arnaldo Antunes. A dupla, com suas trajetórias marcantes na música nacional, emocionou o público com um repertório recheado de clássicos, incluindo sucessos como Todo Mundo Foi Neném e Esquadros, que foi acompanhada em coro por uma multidão de todas as idades. Adriana, com sua voz inconfundível, manteve uma postura séria, porém entregue, enquanto Arnaldo trouxe sua energia única, garantindo momentos de pura nostalgia.

Após esse show inesquecível, a DJ Tata Ogan, do Rio de Janeiro, assumiu o palco com um set também em vinil, focado em música popular brasileira, mantendo a atmosfera envolvente. Conhecida por suas performances precisas e apaixonadas, além de possuir uma pesquisa ampla acerca da música nacional, foi responsável por preparar o público do Coala Festival para o último grande show da noite: O Terno. A banda paulistana, que vem conquistando uma nova geração de fãs com seu rock alternativo e letras reflexivas, encerrou a sexta-feira com guitarras marcantes e baladas que exploram as emoções humanas. A mistura de rock e melodias introspectivas levou muitos às lágrimas, enquanto outros não conseguiam conter a euforia.

Adriana Calcanhoto e Arnaldo Antunes Foto: Tati Silvestroni/Music Non Stop

Enquanto isso, no Clube Coala (palco voltado à música eletrônica), o selo Banana Gold Records, que assumiu a curadoria da sexta-feira, montou um line-up de peso. O espaço foi comandado por DJs como Gaspar Muniz, Benno, Lizzy, Marta Supernova, Kair e Millos Kaiser, que encerrou a noite com um set de música eletrônica misturada à música brasileira, criando uma fusão de ritmos que manteve o público dançando até tarde. Esse espaço alternativo foi um dos grandes atrativos do Coala Festival, celebrando a diversidade sonora oferecida por artistas nacionais em diálogo com convidados de outros países. O espaço também teve destaque por afirmar a importância do trabalho e papel dos DJs na difusão da música, underground ou não, e como agentes centrais da cultura clubber também quando se trata da música nacional.

Localizado no teatro do Memorial da América Latina, o Palco TIM recebeu a banda 14 Bis, que se apresentou com participações especiais de Beto Guedes e Flávio Venturini. Eles resgataram sucessos do rock brasileiro oitentista que marcaram a juventude da época e do movimento no país.

Sábado

O sábado começou com uma programação intensa no Clube Coala, que nesse dia foi curado pela dupla Pista Quente. O projeto, conhecido por misturar música eletrônica com música brasileira (característica que predominou na curadoria e nas apresentações do espaço nos três dias), trouxe uma série de DJs talentosos para agitar o público. Carol Selecta e Janaína Nas, Abud e JC, além da dupla Desliza, formada por Mary G e Gabi Pensanuvem, animaram o dia. A Pista Quente abriu o espaço às 11h30 da manhã e encerrou às 20h30, garantindo uma programação vibrante e cheia de energia. Além dos shows com muita personalidade e experimentação, a presença de muitos ilustres DJs da noite paulistana e a prestigiada audiência, especialmente de mulheres, foram destaque.

Coala Festival

DJs Janaína Nas e Carol Selecta no Club Coala. Foto: Tati Silvestroni/Music Non Stop

O dia foi intenso, e as expectativas eram altas para o show de Arthur Verocai com Mano Brown, que infelizmente teve de ser cancelado devido a um acidente com Verocai. Embora o público estivesse ansioso por esse encontro, a energia permaneceu alta. 

No palco principal, o sábado começou com discotecagem da Afreekassia, artista conhecida tanto como rapper quanto como DJ. Ela abriu as atividades do dia e fez a transição para o show de Bebé, uma das novas revelações da música brasileira com influências de R&B, que faz uma mistura única de eletrofunk, batidas eletrônicas diversas, guitarras e sintetizadores.

A seguir, o cantor dadá Joãozinho se apresentou combinando voz, música orgânica e música eletrônica com letras introspectivas. O clima da tarde foi evoluindo com a chegada de Tulipa Ruiz, que performou ao lado de Criolo em um show muito aguardado. Além de suas próprias canções, os dois interpretaram Codinome Beija-Flor (Cazuza), Emoriô (João Donato), Banho (uma parceria entre Tulipa e Elza Soares) e Hotel das Estrelas, conhecida na voz de Gal Costa. Depois, a brasiliense Odara Kadiegi, conhecida por sua atuação com música brasileira na discotecagem, abriu o show de João Bosco e seu quarteto, que encantou a plateia com clássicos de décadas.

Sandrá Sá esbanjando orgulho durante o show. Foto: Tati Silvestroni/Music Non Stop

O trio Veraneio, composto por filhos do pioneiro DJ Seu Osvaldo, trouxe uma seleção cuidadosa de música brasileira, mantendo viva a tradição familiar da discotecagem. A apresentação de Sandra Sá com Hyldon e Tássia Reis foi um dos momentos mais emocionantes da data, reunindo gerações de artistas que marcaram a música nacional. Sandra e Tássia cativaram com suas performances e releituras energéticas, incluindo uma nova roupagem de Meu Rap Jazz.

A noite continuou com a apresentação das DJs AmadoPeace, que abriu para Os Paralamas do Sucesso, uma das bandas mais esperadas do Coala Festival. O duo de DJs Deekapz preparou o palco para o encerramento com Lulu Santos, que encantou a todos com grandes clássicos, incluindo Assim Caminha a Humanidade e Toda Forma de Amor. Ele também convidou as artistas Tulipa Ruiz e Liniker para participar da apresentação, finalizando a noite de forma surpreendente.

O sábado foi um grande encontro entre gerações, estilos e movimentos culturais, mostrando a diversidade e riqueza da nossa música.

Domingo

Um dos dias mais cheios e quentes do Coala Festival, o domingo começou com uma apresentação do DJ angolano Kalaf Epalanga às 11h no Clube Coala, que desta vez estava sob a curadoria do Enchufada, selo independente de Lisboa, Portugal. A programação seguiu com as brasilienses Aisha Mbikila e Yaminah Mello. Na sequência, as DJs Danikas (UK) e Shaka Lion (PT) mantiveram o alto astral com pesquisas que fundem diversos gêneros da música preta. O DJ e produtor Klap encerrou a programação.

Orkestra Rumpilezz. Foto: Divulgação 

A Orkestra Rumpilezz fez uma apresentação mágica, trazendo releituras de canções do disco Maria Fumaça, da Banda Black Rio, com roupagem cheia de influências da música afro-brasileira, com destaque para os tambores e metais. O grupo recebeu a presença ilustre da conterrânea Luedji Luna, que cantou o sucesso Banho de Folhas emocionada pela oportunidade que, segundo a própria, foi um sonho que se realizou.

No palco principal, Lia Macedo, que esteve pelo segundo ano consecutivo no Coala, abriu o domingo com seu set de música brasileira, muito conhecido na noite paulistana. Mariana Aydar e Mestrinho fizeram uma homenagem ao forró, com versões de clássicos como Espumas ao Vento e Te faço um cafuné. Colocaram todos para cantar e dançar, principalmente com um pot-pourri com os maiores sucessos de Dominguinhos (que apareceu no telão contando como inventou o instrumento hoje muito conhecido no forró, o triângulo).

Depois da euforia, a DJ Gabi Pensanuvem agraciou o começo da tarde com uma seleção em vinil que homenageou o falecido Itamar Assumpção, compositor, cantor, instrumentista, arranjador e produtor musical brasileiro que se destacou na cena independente e alternativa de São Paulo nos anos 1980 e 1990.

Timbalada e Afrocidade no fim da noite do domingo. Foto: Tati Silvestroni/Music Non Stop

A tarde teve um de seus momentos de destaque com a presença da pernambucana Joice Alane, que trouxe suas novas canções envolvidas por uma roupagem sonora que combina forró, pagodão e R&B. A DJ Sô Lima precedeu o show de Xande de Pilares, que cantou sucessos de Caetano Veloso e de sua própria carreira. O DJ Cabulon, a banda Cinco a Seco e o DJ Ubuntu antecederam o aguardado show da Timbalada, que contou com a participação especial do grupo Afrocidade, antes do rap de Yago Oproprio.

A noite encerrou com Planet Hemp trazendo toda a irreverência e o poder crítico de Marcelo D2 e BNegão. Foi uma explosão de energia que fez o público vibrar até o último acorde, encerrando o festival em grande estilo.

Desde o início, o Coala Festival esteve coberto de uma atmosfera de celebração e festa, conseguindo agradar a todos os gostos e manter a energia elevada durante todos os dias.

Planet Hemp finalizando a programação do festival no domingo. Foto: Tati Silvestroni/Music Non Stop

A experiência pessoal foi, sem dúvida, enriquecedora. Em todos os dias, as performances foram marcadas por sua qualidade e energia, evidenciando nossa diversidade musical e a capacidade do festival de unir diferentes gerações e estilos. A oportunidade de ver o DJ angolano Kalaf Epalanga, cuja influência pode ser sentida na música brasileira contemporânea, foi um dos momentos altos.

Em suma, o Coala continua a se afirmar como um evento que celebra a riqueza e a diversidade da música brasileira, proporcionando uma experiência única tanto para os artistas quanto para o público. Com sua curadoria atenta, se destaca em um cenário de festivais que muitas vezes repetem line-ups e fórmulas previsíveis. Em sua décima edição, o projeto reafirmou seu compromisso com a diversidade musical e a celebração da cultura brasileira, consolidando-se como um evento que realmente faz a diferença.

Maravilha

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Maravilha é uma artista-multimídia, musicóloga, DJ, compositora, produtora musical e arte-educadora carioca radicada em São Paulo. Aqui no portal escreve e reflete sobre arte, música brasileira e toda a sorte de grooves. É também fundadora da Tremor Produtora.