Compilamos os dez acontecimentos mais impactantes do mundo da música no Brasil nesta primeira metade de anos 20; confira os cinco primeiros!
Em junho, celebramos não só a exata metade da década de 2020, mas também do primeiro quarto do século. Hoje, estamos mais próximos de 2050 do que de 1 de janeiro de 2000 (o tempo passa rápido, né?). Não há como discutir, no entanto, que o período atual tem sido o mais surreal, e em muitos aspectos preocupante, testemunhado pela atual geração: pandemia matando mais de sete milhões de pessoas, segundo cálculos da Organização Mundial de Saúde, guerras e genocídios sendo transmitidos em tempo real pelas redes sociais, caos climático (afetando, inclusive, o mercado de festivais) e uma temerosa ascensão do fascismo em diversos países do mundo.

Tudo isso, claro, se reflete na arte e na forma como a consumimos. Hoje, muitos compreendem que ir a uma festa ou show é um ato de resistência, muito mais do que de fuga ou alienação. Em cinco anos da atual década, vimos festivais sendo cancelados por temporais, atacados pelo terrorismo (caso do festival Universo Paralello, em Israel) e outros tomados por manifestações antifascistas, como aconteceu no Lollapalooza 2022.
Deixando de lado as imensas cagadas protagonizadas pelos seres humanos no poder, o que aconteceu de mais importante no cenário cultural brasileiro? Muita coisa. E o Music Non Stop coloca em perspectiva os movimentos mais impactantes (muitos deles completamente inesperados) em uma série com dez acontecimentos que tomaram o mundo da música no Brasil na primeira metade destes anos 20, dividida em duas matérias. Vem com a gente nesta primeira parte!
1. A maré dos festivais
Público no Lollapalooza 2024. Foto: @observadordaimagem/Music Non Stop
A década começou com um baque gigantesco na história da humanidade, a pandemia de covid-19. O mundo entrou em alerta em março de 2020 e a primeira iniciativa para combater a proliferação do vírus foi o traumático lockdown. Festivais, casas noturnas e a bares foram os “primeiros a entrar e os últimos sair”, já que qualquer aglomeração foi proibida. Quando a vacina finalmente salvou a pátria (com um baita atraso no Brasil, que resultou em mais de 700 mil mortes), em 2022, o mercado da música estava devastado. E o público, desesperado para voltar aos shows e festivais.
Tudo aconteceu muito rapidamente. Precisando voltar a gerar renda e encontrando um público ávido para sair de casa, o Brasil experimentou o chamado “boom dos festivais”. Eventos se multiplicaram por todo o país, em quantidade nunca vista anteriormente. Os grandes artistas, que também sofreram com a pandemia, se mostraram simpáticos a tocar em tudo, adicionando fermento ao bolo. Em 2022 e 2023, quase 300 eventos do tipo foram realizados no Brasil. Em 2023 e 2024, o aumento foi de 20%, segundo dados do Mapa dos Festivais.
São Paulo, a maior cidade brasileira, chegou a ter vários rolês no mesmo final de semana. Alguns festivais, como o fluminense Rock the Mountain, passaram a realizar duas edições por ano. Todo mundo queria tirar o atraso dos meses parados. O movimento trouxe problemas para o setor. Custos com o aluguel de equipamentos e cachês artísticos subiram em 40%, segundo diversos produtores entrevistados pelo Music Non Stop. Faltava lugar para fazer festa em São Paulo, já que os locais mais procurados, como Interlagos e Ibirapuera, estavam com agenda cheia. Mas um problema se mostrou mais impactante. Onde é que o público ia arrumar dinheiro para ir a tanto festival, com ingressos cada vez mais altos graças ao aumento dos custos?
O sinal amarelo piscou em 2024, com uma onda de cancelamentos, tanto de festivais, quanto de turnês artísticas. Vários grandes eventos passaram tremendo aperto para vender seus ingressos, já que o “orçamento de rolê” de boa parte do público estava todo comprometido (muitos ainda pagando as parcelas de tickets comprados no ano anterior). “A bolha dos festivais estourou”, diziam os profissionais do entretenimento por todos os cantos. E embora o número de festivais ainda tenha se mantido a duras penas, com 364 no ano, muitos ajustaram seus tamanhos e suas programações à queda de público.
Até junho de 2025, 110 festivais de médio e grande porte dedicados à música brasileira e internacional foram confirmados. Mantendo-se a média, terão sido 220 no total — ou seja, uma retração de 40% comparado ao ano anterior, revelando um ajuste entre a oferta e a demanda. Sobreviveram, além dos gigantes altamente capitalizados como Rock in Rio, The Town e Lollapalooza, os eventos “com fãs”, com programação musical mais segmentada a um público específico. Até agora, o que se percebe foi um aumento significativo na profissionalização dos eventos, com produtoras preocupadíssimas com a qualidade da entrega ao público. Nada de lamaçal, tapume e banheiro transbordando. Mais do que uma crise, o número de eventos Brasil afora parece ter retornado a uma normalidade possível.
2. As mulheres no rap
Duquesa. Foto: Divulgação
O cenário hip-hop brasileiro, a exemplo do que aconteceu em todo o mundo, era excessivamente masculino em décadas passadas, com preocupantes guinadas para a misoginia e o sexismo, principalmente através de artistas que flertaram com o movimento bling-bling estadunidense, com letras focadas na ostentação e no hedonismo (de macho).
No entanto, mesmo na impressionante esfera consciente do rap brasileiro, as letras que exaltavam as mulheres vinham da caneta dos homens (em alguns casos, até descrevendo como uma mulher devia se comportar, como a tenebrosa Mulheres Vulgares, provavelmente o maior erro dos Racionais MC’s).
A partir de 2020, a coisa começou a mudar, com muitas garotas vindas do movimento rap tomando a frente nas letras e exercendo seu lugar de fala. Quem deve falar sobre os problemas delas são as próprias, afinal. Atualmente, quase 10% das músicas mais tocadas nos streamings vêm de rimadoras, compondo e cantando, segundo o Spotify. É pouco, mas um crescimento enorme comparado às décadas anteriores.
As garotas também figuram entre os grandes, encabeçando festivais. MC Luanna, Duquesa, N.I.N.A, Ajuliacosta, Budah, Afreekassia, Lourena, Linn da Quebrada e muitas outras estão representando, gerando uma espiral de crescimento. O que não falta é mina passando a mão no microfone e rimando sobre o que é ser mulher no Brasil.
O movimento gera um círculo virtuoso: mais garotas se inspiram nessas artistas e começam a rimar. E outras finalmente conquistam cargos importantes na indústria da música, lutando por um futuro equilíbrio de gênero. É o caso de Paula Lima, hoje figura importante na União Brasileira de Compositores, e Eliane Dias, CEO da agência Boogie Naipe.
3. Funk brasileiro: tá tudo dominado
Imagem do filme “A Batalha do Passinho”/Reprodução
Hoje em dia, é fácil encontrar um “baile funk” em qualquer cidade de médio porte europeia, com DJs loirinhos tocando produções brasileiras a noite toda para um público ligado naquele som “exótico”. A ascensão do batidão criado nas favelas cariocas no mundo tem uma longa história, passando pelo gigantesco sucesso internacional do filme Cidade de Deus (apresentando ao mundo uma visão apocalíptica das favelas cariocas em 2002), turnês europeias do Bonde do Tigrão a partir de 2005 e o apadrinhamento do gênero musical por DJs internacionais como Diplo.
Mas foi a partir de 2020 que tudo foi dominado pelo gênero musical. Por um lado, graças ao sucesso internacional das artistas Anitta e Ludmilla, tocando em festivais gigantes como o Coachella (a primeira, montou um verdadeiro “baile de favela” no palco, com direito a cenografia de primeira). De outro, a definitiva aceitação do funk como música eletrônica brasileira, dividindo line-ups ao lado da house music e do techno.
“É louco porque no Reino Unido, além dos bailes funk que fazem em todos os lugares, as músicas estão sendo tocadas em sets de diferentes gêneros, como techno, house, drum’n’bass e garage. O funk brasileiro está gigante lá”, nos contou a DJ da BBC Jamz Supernova. Turnês internacionais com artistas brasileiros de funk são comuns atualmente, levando a autêntica MPC (Música Popular Carioca, como batizou o produtor Papatinho) para pistas de todo o planeta.
4. Música eletrônica para exportação
Vintage Culture no Tomorrowland 2024. Foto: Divulgação
Assim como o funk, a música eletrônica brasileira não começou a fazer sucesso ontem. Primeiro, o pessoal do drum’n’bass, encabeçado por Marky e Patife, ganhou o mundo com grandes hits na década de 00, colocando o país no mapa do gênero. Poucos anos depois, Renato Cohen, Anderson Noise, PETDuo e vários outros nomes mostraram ao mundo que fazemos techno do bom. Mas o que era um movimento de nicho, segmentado no país, ganhou força mesmo com a EDM, versão popular da música eletrônica, com menos hipnose rítmica e mais explosões sonoras, que chegou da europa e caiu na graça do nosso público.
“O brasileiro gosta mais de drop do que qualquer outro lugar no mundo. E eu tenho uma relação na minha cabeça de que é por causa do futebol. Sabe a coisa do momento do gol?”, nos contou DJ Glen, em entrevista.
A partir da segunda metade da década passada, o país viu surgiu nomes gigantescos nesse universo, como Alok e Vintage Culture, apresentando ao grande público a música eletrônica em uma linguagem mais fácil de se assimilar. Seus sets, além de passearem pelo mundo, também chegaram a rodeios, festas agropecuárias e festivais pelo interior do país, lugares onde tudo ainda era muito pequeno. Se hoje seu tio dança música eletrônica no casamento da prima, a culpa é desses dois caras.
Mas, como já explicou Vitória Zane, foi a partir da década atual, com um amadurecimento no som, que uma onda de novos produtores brasileiros passou a se destacar internacionalmente, chamando atenção dos grandes artistas gringos em vários cantos do mundo.
“Estava conversando com o Armin van Buuren um dia desses e ele falou: ‘cara, o que vocês estão colocando na água do Brasil?’. Realmente, tá todo mundo olhando pra cá porque estamos cheios de novos talentos. Eu recebo promos diariamente e fico assustado, porque quando eu comecei a produzir, a qualidade era 30% do que esses caras fazem hoje”, confessou Vintage Culture ao Music Non Stop.
Além disso, assim como aconteceu com os festivais, as festas de música eletrônica também se multiplicaram no pós-pandemia. A diferença é que tudo voltou de forma mais aberta. O Brasil voltou a marcas internacionais e as filiais se tornaram quase tão grandes quanto a matriz. Caso do Tomorrowland, que já se casou oficialmente com a cidade de Itu com planejamentos de longo prazo em infraestrutura festeira, e o alemão Time Warp, estabelecido em São Paulo, no Vale do Anhangabaú.
5. O metal está vivo
Público no show do Iron Maiden, no Allianz Parque, em São Paulo. Foto: Tati Silvestroni/Music Non Stop
Quebrando todas as leis (e expectativas), como bem cantou o Judas Priest em 1980, o heavy metal entrou na década de 20 reassumindo seu posto de gênero musical capaz de arrastar multidões a estádios brasileiros. Após a pandemia, o país viu shows de artistas clássicos gigantes do rock pesado, como Iron Maiden, Deep Purple e Dream Theater, além de assistir a uma gigantesca onda de revival do nu metal, com festivais atualmente consolidados no país, acontecendo todos os anos.
Uma característica, no entanto, salta aos olhos. O gênero conseguiu renovar seu público e arrastar uma baita molecada para os estádios, o que garante não só casa cheia, mas um promissor futuro para a cena metaleira. 60 anos após seu domínio mundial, o heavy metal e suas vertentes provaram que ainda há muita lenha a ser queimada.
Fique de olho no Music Non Stop para a segunda parte desta matéria!