Arrigo Barnabé Foto: Stela Handa/Divulgação

Conversamos com o cult Arrigo Barnabé, que acaba de lançar novo disco

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Arrigo Barnabé, personagem do cenário cult paulistano, falou conosco sobre suas aventuras na Paulicéia Desvairada

A eterna “vanguarda paulista”, que se destacou orbitando a bagunça do teatro Lira Paulistana, segue viva e aprontando. No último dia 15 de agosto, um de seus maiores representantes, Arrigo Barnabé, se juntou aos remanescentes da banda Isca de Polícia, agora chamados de Trisca, para o disco Arrigo Visita Itamar (gravadora Atração), um show captado em áudio e vídeo com músicas do amigo Itamar Assumpção e outras que ambos gostavam de tocar.

Barnabé me corrige quando digo que o novo disco é uma homenagem ao artista falecido em 2003:

“O Itamar Assumpção é um motivo para existir o show. Não é uma homenagem. É porque eu gosto das músicas dele, mesmo. Gosto de cantar essas músicas. Fizemos um show especial [com este repertório] para o Sesc Pompéia. Isso já faz uns dois anos. E aí a coisa foi mudando, aumentando, e coloquei músicas que tinham a ver com o Itamar também”.

Arrigo Barnabé e o irmão Paulo acordaram para a música ainda em Londrina/PR, cidade em que nasceram. “A gente já tinha um grupo em Londrina. Eu, Mário Lúcio Cortez, que fez o Clara Crocodilo comigo, o Antônio Castronelli, meu irmão, Paulo Barnabé, e Robison Borba. A gente se reunia para fazer música, para tocar. Montamos um show chamado Na Boca do Bode, em 1973. Foi nessa que eu conheci o Itamar. Arrumamos um lugar para ele morar em São Paulo. Ele veio para cá morar em uma república. Depois, acabamos morando juntos.”

Mas foi quando se mudaram para a fervida São Paulo dos anos 70 que o artista encontrou terra para cultivar seu jeito único de fazer música. Primeiro com os amigos que conheceu, como Tetê Spindola e o próprio Itamar Assumpção, e depois envolvido no movimento que se formou no Lira.

Arrigo Barnabé

Foto: Stela Handa/Divulgação

“Eu vim fazer um cursinho. Acabei fazendo aulas de linguagem e arquitetura e acabei indo para a área de artes, para arquitetura [na USP]. Nessa época eu já tocava, já gostava de música, tinha ideias…”

O Lira paulistana foi uma ideia de Wilson Couto Jr, o “Gordo”, e Valdir Galeano, que logo depois desistiu da empreitada para se mudar para Ilhabela, no litoral norte de São Paulo. Uma turma foi se juntando em volta do teatro, dando à casa ares de “coletivo”. Caso de Chico Pardal, Plinio Chaves, Riba e Alexandre Guimarães Silva. Todos os ligados ao circuito de arte da cidade, em diferentes linguagens. Localizado na praça Benedito Calixto, pertinho da Vila Madalena (então a região preferida dos artistas e estudantes), o fogo se alastrou rapidamente. O pequeno porão tinha filas de dobrar a esquina para ver o novo de São Paulo.

“Aquele local funcionava como um centro para se fazer amizades. Tanto como artista quanto como frequentador. Era, vamos dizer, como se fosse quase um lugar de acolhimento dos músicos. Se bem que o Lira Paulistano foi pensado para fazer teatro. Foi depois que começaram a derivar para a área de música. Eu morava ali perto, na Mourato Coelho, perto do antigo Bar da Terra, um boteco histórico que existiu por quatro ou cinco anos”, continua Arrigo Barnabé.

“Eu e a Tetê morávamos juntos na Mourato. A gente descia a rua toda, subia a Teodoro e chegava no Lira. Era bem pertinho. Ia ver vários shows lá. Muitos. Também ia com a Tetê ver os ensaios, ficava por ali. O Cid Campos tocava lá com a sua banda, Sexo dos Anjos, a Divina Encrenca fazia show lá. Tiago Araripe… Depois, muita gente ficava bebendo ali no bar do Lira. Tinha um espaço no fundo, onde o pessoal fumava um. E todo mundo que queria alguma coisa, que vinha de fora de São Paulo, ia para o Lira. Pediam tudo para os caras. Se queriam algo do Itamar, pediam para o Lira. Tanto que inventaram de fazer um jornal. Ampliaram o espaço. Tudo durou uns seis ou sete anos…”

Barnabé, ao contrário de vários colegas de geração, não voltou as costas para a cultura alternativa. Se apresentou recentemente no pequeno Picles, na Cardeal Arcoverde, para um público apaixonado. No próximo dia 24, sábado, se apresenta como convidado especial na festa de aniversário de 22 anos de um dos mais inóspitos e importantes aglutinadores de artistas independentes (e inovadores)  dos últimos tempos, o camping Simplão de Tudo, em Paranapiacaba/SP (ainda há ingressos neste link).

“Hoje é diferente, né? Hoje é um público ávido, sabe cantar todas as músicas. Eles têm mais acesso, mas ainda é nicho. É um nicho que tem acesso a esse tipo de informação e vai procurando, vai espalhando para as pessoas que sabem, que gostam desse tipo de música também. Naquele tempo não tinha isso. Eu apareci no Festival da Cultura, que tinha alguma audiência só em São Paulo, e um pessoal daqui assistiu. No final do mesmo ano rolou o festival da Tupi, que já foi visto no Brasil inteiro.”

“Além disso, os jornais, a imprensa, tinham importância grande na época. Isso direcionava muita coisa. A pessoa ia ver o negócio porque tinha lido no jornal. Meu público, a princípio, era formado por essas pessoas, que tinham ou assistido os festivais, ou estavam lendo sobre mim. E era um público bem heterogêneo, porque tinha estudante, mas tinha office boy. Me lembro até hoje da primeira apresentação que a gente fez, no festival de jazz Mostra Paralela. Nunca tinha tocado Clara Crocodilo, Orgasmo Total… Não sabia qual seria a reação das pessoas e fiquei impressionado.”

Vanguarda, subversão, sofisticação… e samba. Arrigo tem fama de fazer “música difícil”, principalmente para quem nunca o ouviu. Conversamos sobre o dia em que vi Hermeto Paschoal comentar sobre isso em um de seus shows, dizendo à plateia que a mídia acha que seu público “é burro”.

“Cara, isso é por causa da indústria, que quer vender. Tem coisas que eles acham que não vendem e querem transformar em outra coisa. Em mercadoria para dar lucro. Eles não têm nenhuma preocupação cultural. Não é função deles. É um sistema capitalista e as coisas que se compram.”

Arrigo Visita Itamar é seu primeiro disco em sete anos. O último foi o Claras e Crocodilo (2017). O artista não parece se importar com o que, em tempos atuais, parece uma eternidade. E se não fosse o show que o empolgou, tocando as músicas que ele e o amigo gostavam, o hiato seria ainda maior.

“Era um show que a gente estava curtindo fazer. Daí pensamos, ‘vamos gravar’. E não só o áudio, mas também em vídeo, porque é um espetáculo. Tem um lado cênico… aquela coisa da máquina de escrever existe, eu faço no palco. Fiquei contente por causa do entusiasmo de todos. Achei ótimo. Na gravação, colocamos mais algumas coisas. O Paulinho Lepetit fez a produção musical, os arranjos todos. Claro que a gente conversa, troca ideia, mas ele é o cara que faz.”

Finalizando a conversa, tento extrair algo sobre os projetos futuros de Barnabé, presenteando o leitor fã com a perspectiva de alguns novos registros. Pergunto a ele que artistas também “gosta de tocar” e que poderiam virar futuras gravações, a exemplo do que fez com o amigo Itamar Assumpção.

“Ah, tem vários… Nelson Cavaquinho eu acho superlegal. Cartola também. Chico, Caetano, Paulinho da Viola… “

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.