‘Vozes trans são essenciais para sociedade mais ética e livre’, diz Rayna Russom, do LCD Sound System
A multi-instrumentista e produtora estadunidense Rayna Russom, integrante do LCD Sound System se junta a Malka, multi-instrumentista e produtora musical da Trava Bizness, para uma apresentação em São Paulo, na festa Mamba Negra, neste sábado (21).
Rayna, ganhadora do Grammy 2018 de melhor música de Dance por Tonite do álbum American Dream (2017), concedeu entrevista ao Music Non Stop. Ela falou sobre gênero, tendências, influências e outros assuntos:
Quais artistas trans são modelos de carreira para você?
Rayna Russom – Eu nunca tive artistas trans que eram modelos de carreira para mim. Eu gostaria de ter. Eu lutei até mesmo para encontrar mulheres artistas cis como modelos de carreira. Eu tive que encontrar o meu próprio caminho, porque sou uma pessoa complexa que realmente não se encaixa em lugar algum e a mecânica da história fez erradicar ou enterrar as histórias de pessoas que poderiam ser modelos para mim. Ultimamente, acho que são principalmente os artistas trans femme mais jovens que identifico e compartilho um idioma comum.
Por que você acha importante o surgimento de novos artistas trans?
Rayna – Para que haja modelos para a próxima geração chegando e as pessoas não precisem lutar tanto quanto eu. E porque as vozes trans são essenciais para a construção de uma sociedade mais ética e livre e a arte é uma das melhores maneiras de ouvir nossas vozes e de ganhar poder e capacidade de agenciamento.
Como escapar da paralisia ao lidar com ódio e preconceito institucional todos os dias?
Rayna – Algumas coisas que eu fiz que ajudaram estão construindo a comunidade em torno da resistência, compartilhando a estranha intimidade com outras pessoas trans, trabalhando com os orixás, dançando, criando, escrevendo, passando um tempo intencional na natureza, meditando, orando e praticando bruxaria. A tecnologia de sobrevivência espiritual mais importante para mim é manter contato com os mortos e usar essa conexão para me guiar e fortalecer. Os mortos sabem tudo.
O que está acontecendo na música mais interessante hoje?
Rayna – Provavelmente não sei porque sou uma pessoa muito solitária e frequentemente fora do circuito, mas estou interessada em saber como as categorias de gênero e disciplina estão se dividindo, se fundindo e se flexionando, principalmente entre as mulheres queer e trans que estão reivindicando e criando espaço nos espectros das músicas eletrônicas.
Quais são as suas maiores influências?
Rayna – Eu entendi que a influência funciona de maneira diferente para mim e para a maioria das pessoas. Costumo absorver as coisas, ingerir e digeri-las. Coisas que me interessam e coisas que também me incomodam. Quase como o sexo. Eu gosto de envolver materiais culturais em profundidade e me deixar dominar por esse engajamento, depois descompactá-lo mais tarde escrevendo e fazendo meu próprio trabalho. A maneira como experimento a influência é através do corpo e observando como minha paisagem interna foi alterada pelo que experimentei.
Eu tive uma vida extremamente variada e fragmentada e construí uma carreira altamente polivocal. O ponto central para mim é a experiência da liminalidade como cura. Ultimamente, tenho engajado experiências em torno de meus ancestrais, principalmente as linhas alemã e italiana, explorando teorias sobre conhecimento corporificado e transmissão de informações corpo a corpo, revisitando algumas de minhas metodologias de gravação anteriores e estudamos como a estrutura musical enquadra idéias maiores sobre o mundo e a organização social.
Algum artista brasileiro influenciou você?
Rayna – Eu visitei o Brasil pela primeira vez em 2006 e isso me causou uma profunda impressão. Passei muito tempo lá desde então; indo a clubes como Torre e Gloria em São Paulo, vendo praticantes de umbanda e indo a cerimônias de candomblé, estudando música e história na Bahia, explorando a paisagem natural, bem como as cidades de São Paulo, Rio e Salvador, lidando com os mortos e os vivendo, ouvindo música no rádio e na rua e vendo bons amigos, todos talentosos, pessoas incríveis.
A primeira mulher trans com quem me tornei amiga é brasileira e ela é uma pessoa muito importante para mim. Toda vez que chego em casa do Brasil, tenho uma enorme explosão de criatividade. Quando eu toquei no evento Me Chama Pelo Meu Nome, organizado pela Revolta da Lâmpada, me conectei com muitas outras pessoas como Malka e algumas das artistas do Trava Bizness. Essa foi uma experiência muito significativa para mim. Sinto uma forte ligação com elas que me inspira.
O que está deixando você animada?
Rayna – Eu tenho feito muitas músicas que estou animada para lançar. Comecei um grupo de leitura para ler literatura radical e está indo muito bem. Foi maravilhoso exibir meu filme No More White Presidents e trazer ativistas e artistas para falar sobre isso. Estou muito empolgada para ir ao Brasil, tocar no Mamba e trabalhar com Malka em seu estúdio e estou adorando os movimentos de clubes de Nova York e espaços de DIY (faça você mesmo) que estão se tornando cada vez mais ativados em torno da resistência genuína. Eventos organizados por grupos como Melting Point e Sermon são o que eu sempre esperava encontrar. Eu amo trazer minha energia para esses espaços de qualquer maneira. Estou empolgada em construir recursos para a comunidade de modo que nos ajude a sobreviver ao presente e ao futuro.
SERVIÇO
Festa Mamba Negra
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