Um dos nomes mais fortes da discotecagem do país, DJ Vadão já viu e fez de (quase) tudo na cena eletrônica. Foi titular da cabine da Toco, um dos clubes mais adorados que o Brasil já teve, teve programa em emissoras como Jovem Pan e Band FM, foi publisher de uma das revistas mais legais do mercado (a finada DJ World), abriu shows gigantescos para nomes pop dos anos 80 (Technotronic, Information Society), bateu perna em Nova York atrás de discos e equipamentos, se apresentou no Brasil todo, além de países como o Japão e os EUA, e só se arrepende de uma coisa: não ter ido morar em Miami, quando teve a oportunidade nos anos 90.
Essa lenda bem viva do DJing nacional está fazendo 35 anos de cabine muito bem aproveitados e o Music Non Stop aproveitou a data para fazer um entrevistão com ele. Aqui, Vadão (ou Osvaldo Fenoglio Vieira no RG), do alto de seus 1.90m de altura e 53 primaveras, revela, entre outras coisas, que só se tornou DJ porque se livrou do alistamento no serviço militar. Perdemos um possível capitão Vadão, mas ganhamos um dos DJs que mais suaram a camisa pela cena eletrônica nacional. Vamos à entrevista.
Music Non Stop – Você completa agora 35 anos de discotecagem. Pode contar como foi a primeira vez que você teve vontade de ser DJ?
Vadão – Comecei em 1981. Sempre gostei de música, desde garoto. Pedia pra minha mãe comprar os compactos e os LPs de novela de sucesso, mas passei a me interessar por esse trabalho no final dos anos 70, mais precisamente em 1978, quando comecei a dançar nas discotecas da época, em especial o Banana Power, casa pela qual tenho um carinho enorme. Já promovi duas edições de um revival, levando até os DJs da época. Eram os caras que eu admirava e adorava ver tocar. A cabine de som era toda aberta e víamos todo aquele equipamento e eles comandando tudo aquilo. Era fascinante ver aquele põe disco e tira disco sem a música parar… Comecei a comprar os LPs com sucessos das discotecas, mas nem sempre eram iguais às versões que tocavam na pista e isso me irritava. Foi
quando um amigo, também frequentador da matinê, me disse que eu tinha que conhecer o Museu do Disco. Foi um paraíso, discos importados e com as versões que tocavam de verdade… Empolgação total, até saber quanto custava cada um. Eram muito caros e tinha um detalhe: você não podia ouvir e escolher os lançamentos; deslacrou, tinha que comprar. Não era fácil a nossa vida, mas, com a ajuda dos meus pais, em pouco tempo eu já tinha um par de toca-discos, mixer, amplificador, equalizador, tape decks nos quais eu gravava fitas k7 pra vender na escola. Com a grana somada ao meu trabalho de auxiliar de escritório passei a comprar discos e mais discos.
Mas nunca imaginei que seria um DJ da noite. Aquilo pra mim era apenas um hobby delicioso. Mas, no alistamento militar, conheci um cara que morava no mesmo bairro que eu, me deu carona e ouvi as fitas no carro dele, músicas boas, mas mixagens ruins. Foi quando disse que iria gravar uma fita pra ele. Gravei e ele pirou. Seus pais tinham um buffet na Zona Leste de São Paulo, onde ele era o DJ. Acabou que ele foi chamado para servir o exército e eu fui dispensado. Ele me pediu pra tocar num aniversário de 15 anos em seu lugar, pois estaria de serviço. Eu nunca tinha tocado ao vivo em festa alguma, só gravava fitas, mas essa micro experiência valeu. Fui pra tocar uma noite e fiquei por cinco anos, de 1981 até 1986.
Music Non Stop – Você foi DJ de um verdadeiro templo da dance music no Brasil, a Toco. Qual foi a principal contribuição da Toco pra cena brasileira?
Vadão – Foram muitas. A preocupação com as novidades musicais, tecnologia de ponta em som e luz, talvez as maiores delas. A Toco tinha um poder muito grande em se antecipar ao que iria acontecer e se tornar comum. Eu viajava a cada 60 dias em média para Nova York pra comprar discos de house music e acid house na época, além dos equipamentos de ponta. Sempre tinha algo novo na cabine depois de cada viagem. Passamos a ser uma grande referência para outras casas e DJs. Éramos visitados por DJs do Brasil inteiro, principalmente depois do lançamento do LP Toco House Hits, que vendeu mais de 100 mil cópias na época, nos dando o Disco de Ouro.
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A concorrência não poderia ficar par atrás e com isso as casas foram melhorando sua qualidade musical e sua tecnologia, além de lançarem seus discos também. Acho que isso deu um boom no final dos anos 80, somado às novas tendências que surgiam, levando muita gente aos clubs, tornando assim a cena muito forte. Em 1994, a Toco saiu na frente de novo, indo buscar na vanguardista Sound Factory um cara que revolucionou a forma de discotecar: DJ Marky, nosso Pelé dos toca-discos, o cara que ditou moda e comportamento e hoje é cidadão do mundo, um dos DJs mais conhecidos e respeitados em todo o Planeta.
Music Non Stop – Como era ser DJ no seu início de carreira? Como fazia pra comprar equipamentos, discos, se informar…
Vadão – Nossa vida nunca foi fácil. Eu tive muito cedo meus equipamentos, mas não as Technics de hoje, tinha que me virar com dois toca-discos Polyvox, mas me virava bem, obrigado (rs). Lojas como Bruno Blois e Breno Rossi no centro da cidade e a Áudio na Rua Estados Unidos eram as tops. Na Santa Efigênia já existiam também, mas nada parecido com o mercado de hoje. As referências musicais eram alguns programas de rádio como o The Big Apple Show com Julinho Mazzei ou Jovem Pan Disco Dance. Lá ouvíamos os lançamentos dos EUA e da Europa, além de uma loja ou outra que já tinha discos importados, como o Museu do Disco, que já citei. Os comissários de bordo também sempre foram boas opções pra trazer as novidades. No início a coisa acontecia muito mais no Rio de Janeiro, mas com o tempo São Paulo passou a frente nesse mercado, quando os próprios DJs começaram a viajar por conta própria ou bancados pelos clubes em que trabalhavam. A partir disso houve o surgimento de várias lojas especializadas com discos, equipamentos e acessórios para DJs. As gerações seguintes se deram muito bem (rs).
Music Non Stop – Como fazia pra selecionar as músicas dos discos da Toco? Elas eram licenciadas ou nem rolava isso?
Vadão – Fui responsável pelo repertório de três dos oito LPs lançados pela Toco. No primeiro deles, em 1989, quem me deu todas as coordenadas, na época trabalhando pela Warner, foi o Gregão, com os créditos no disco também. Tudo licenciado e com pagamento de editora e royalties. Não existia a possibilidade de um disco sair por uma major se não estivesse 100% licenciado.
Music Non Stop – O rádio teve um papel muito importante para a formação dos DJs a partir dos anos 70. Você foi responsável pelas mixagens e repertório do programa Clássicos da Pan. Qual o maior aprendizado dessa época?
Vadão – Na verdade o mais marcante dos Clássicos da Pan foi o fato de ser o primeiro programa via satélite para todo o Brasil, pela Rede Jovem Pan Sat, que havia acabado de ser formada. Eu recebia cartas de várias capitais pedindo desde o track list até convites para sonorizar desfiles e tocar em clubes. Em 1995, quando fui tocar no Japão pela primeira vez, trouxe um acervo enorme com tudo o que eu tocava em vinil em CD, com versões 12” exclusivas. Queria fazer um programa 100% digital. Foi uma época boa, mas não durou muito. Logo a grade de programação foi alterada e o programa também. Passou a se chamar Jurassic Pan, mas com uma proposta muito diferente e acabei saindo.
Music Non Stop – Você abriu para vários shows internacionais que rolaram nos anos 90 no Brasil. Como era tocar pra essas multidões enlouquecidas, abrindo para Technonotronic, Snap e outros?
Vadão – Muita adrenalina. Os shows do Information Society e Technotronic foram verdadeiras loucuras. Ambos no aniversário da Toco, em 1989 e 1990, respectivamente. Uma vibe que não dá pra mensurar. Estavam estourados aqui no Brasil, e era uma coisa pop, todo mundo gostava, até tema de novela foram. Casa cheia em todas as capitais encerrando aqui em SP no Ginásio do Ibirapuera pra mais de 15 mil pessoas. Foi muito bom mesmo. Eu já tinha portas abertas em todo o Brasil por causa do LP Toco House Hits, mas a tour com essas bandas me deu um status diferenciado, rendendo festas e mais festas pelos quatro cantos do País.
Music Non Stop – Você foi um dos criadores da revista DJ World nos anos 90. Como rolou essa ideia de se jogar no jornalismo e se tornar um publisher?
Vadão – Foi a convite de um amigo que já tinha uma editora, mas com publicações voltadas para outros segmentos. Aceitei, mesmo não sendo jornalista, porque sentia uma carência enorme de informação e achava que o crescimento da música eletrônica nos anos 90 merecia destaque. Na época, tínhamos apenas uma revista especializada, mas que não se atentava em buscar o novo, o diferente. Estavam acomodados naquele mundinho mainstream, até porque não tinham concorrente. O surgimento da DJ World, revista de música, moda e comportamento clubber foi marcante na cena, porque, além de cobrir as novas tendências, a revista era bonita, diagramação moderna, 100% colorida e com o bônus de um CD encartado. Muita novidade junta, com matérias assinadas por nomes como Camilo Rocha, correspondentes na Europa e EUA, além dos DJs de destaque na época tendo seu espaço pra escrever suas notas dentro da publicação. Depois de algumas edições, o CD encartado passou a ser com faixas produzidas por DJs brazucas, caras novas se lançando dentro dos estúdios e procurando seu espaço, que encontraram na DJ World todo o apoio para publicar seus experimentos musicais. O crescimento bombástico da internet fez com que as revistas da editora perdessem força de venda nas bancas, além do que o investimento era muito alto. A revista teve sua ultima edição publicada em 2001, já com um projeto de uma revista virtual, o que acabou não acontecendo por falta de gente especializada na época. Mas com certeza deixou saudades pra quem conheceu.
Music Non Stop – Por quais rádios você passou? Qual foi a mais emblemática na sua opinião?
Vadão – Bandeirantes FM, Jovem Pan 2, Rádio Cidade, Transamérica, Nova FM Record, Rádio Manchete FM e Energia 97. Acho que a maior grife de rádio ainda é a Jovem Pan, até por conta da rede que se espalha pelo Brasil, com certeza é a que pode lhe dar maior visibilidade. Meio paradoxo, visibilidade no rádio, mas vc entendeu (rs). Pra mim, a Bandeirantes FM em 1984 foi a mais marcante, talvez por ser a primeira e da forma que aconteceu. Participei de um concurso de DJs promovido pela emissora. Acabei ficando em segundo lugar e ganhei um lugar entre os Top DJs da rádio fazendo um programa quinzenal. Foi marcante demais.
Music Non Stop – Do que você mais tem saudade dos tempos de Toco?
Vadão – A Vibe era sensacional, mas o carinho que aquele público tinha comigo era uma coisa impressionante. E isso existe até hoje. Ando pela Zona Leste e sempre sou reconhecido no banco, restaurante, supermercado etc… Fazemos duas ou três vezes por ano uma festa chamada Mega Revival Toco, Overnight e Contramão, três casas fortíssimas da Zona Leste de SP. O tempo passou, as pessoas mudaram, mas o carinho com as casas e com quem trabalhou nelas é o mesmo, parece até maior porque hoje vivemos o momento selfie, todos querem tiram a sua…
Music Non Stop – O que a tecnologia te trouxe de legal?
Vadão – A tecnologia existe para estreitar o espaço entre o desejo e a sua realização. Sendo bem usada será sempre uma ferramenta importantíssima. Mesmo assim precisará de criatividade e talento para aplicá-la. Sendo usada de maneira oportunista, surgirão nomes com Jesus Luz, alguns ex-Big Brothers e celebridades falidas que acham que ser DJ é colocar um headphone igual ao do Neymar no pescoço, rebolar e tirar selfie na cabine, já que a controladora ou os equipamentos usados, por conta da alta tecnologia, fazem tudo pra eles. Isso é péssimo.
CONHEÇA OS MAIORES FAKE DJS DA CENA ELETRÔNICA
Music Non Stop – Você viu ao longo desses anos muitos amigos DJs partirem (Grego, Guedes RIP). Você acha que no passado o DJ se entregava mais de corpo e alma à noite, inclusive com o lado mais dark dela (álcool, drogas etc) do que hoje em dia?
Vadão – As drogas sempre existiram, em qualquer segmento, mas para quem é da noite as coisas acontecem com mais facilidade, mais frequência, logo se tornando um vício. Aos nomes que citou incluo o Don Lula, que também nos deixou numa intervalo impressionante de quatro meses. O vazio da perda desses três profissionais é enorme. Uma vida desregrada, stress do mundo moderno, com pouco descanso, má alimentação e muitas vezes encontrando no álcool e nas drogas uma fuga ou solução para problemas particulares que todos nós temos. Hoje em dias as drogas do passado continuam, mas existem as novas e mais perigosas. Aparentemente a coisa está mais light, mas não se iluda. Hoje tem muita gente geração saúde por fora, mas que usam as sintéticas, que se misturam aos combos de vodca e energético, são verdadeiras bombas para o nosso organismo. Por isso, cuidado, nossa vida é como um cartão de crédito, você usa, usa, mas uma hora a fatura chega…
A MÚSICA ELETRÔNICA DEVE MUITO A RICARDO GUEDES
Music Non Stop – Quem foram os melhores DJs que vc já viu tocar?
Vadão – Tecnicamente o Ricardo Guedes, Alain Rouge, e o Sylvio Muller foram monstros. No quesito vanguarda, o Marquinhos MS era imbatível, sempre surpreendente. E tem o maior de todos pra mim que é o Marky. Conhecimento, técnica, carisma, timing de pista e outras qualidades que eu ficaria aqui horas, mas esse não vale… Ele é de outro planeta (rs).
Assista à entrevista do DJ Marky no programa Todo Mundo É DJ
Music Non Stop – Que música é capaz de te fazer dançar sempre, instantaneamente?
Vadão – Dance Across The Floor do Jimmy Bo Horne. Já tentei (não dançar), mas não consigo. Tocou, dancei (rs).
Jimmy Bo Horne – Dance Across The Floor
Music Non Stop – Você se arrepende de alguma coisa que não fez?
Vadão – Sim, tive chance de me mudar para Miami em 1993. Tinha todo um esquema preparado. Apartamento, carro, escritório equipado e um mercado superaquecido de venda de discos e equipamentos. Com contato diário com lojas e distribuidoras, com certeza conheceria vários DJs e fatalmente eu entraria para a noite também e, modéstia à parte, eu faria sucesso lá. Vi poucos caras tocando que me surpreenderam.
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