Um passo atrás. Alemanha reverte abertura de bares e clubes para conter pandemia.
Em Berlim nós tememos o fim do verão por ele ser o prenúncio de dias mais difíceis. Olhar pela janela e ver dias semelhantes aos que tivemos em março nos evoca um momento que não queremos relembrar, porque sabemos que ele pode voltar.
A situação da Covid na Europa, incluindo a Alemanha, está descendo ladeira abaixo com vários novos protocolos e outros por vir. Os dias vibrantes foram trocados por dias quietos. Berlim repousa e ao engavetar sua primeira campanha pró-máscara mostra que o bom humor não sobreviveu ao verão.
Os bares e restaurantes, já bem mais vazios, são obrigados a fecharem suas portas às 23h, a venda de álcool após esse horário é proibida, reuniões em casa só para grupos de até 5 pessoas que moram em 2 casas diferentes. A vizinha Brandemburgo, onde muita gente tem casa de férias, fechou a “fronteira” para os berlinenses que queiram pernoitar lá. O prefeito de Pankow, o bairro mais populoso de Berlim, sugeriu um lockdown de 15 dias em toda a Alemanha em novembro antes da chegada dos mercados de Natal, um dos eventos mais concorridos do ano. Já o prefeito da cidade rejeita a ideia. Os números não param de subir e os novos casos diários batem recordes desde o início da pandemia. Na última quarta-feira tivemos 971 novos casos registrados em 24 horas, marcando uma incidência de infecção maior que 100 para cada 100 mil habitantes.
Agora somos a zona de risco. O papel higiênico já começou a sumir das prateleiras. Mas, ainda assim as festas continuam acontecendo, as legais e as ilegais (a segunda talvez agora com mais dificuldade, já que Brandemburgo não quer saber de berlinenses por lá e a reunião de grupos maiores que 5 pessoas está vetado). Clubs como o Revier Südost (Griessmuehle), Else, Golden Gate, entre outros, anunciam line-ups irresistíveis contando com artistas como Seth Troxler, Dixon, Dr. Rubinstein, entre outros e outras. Já a concorrida festa Pornceptual ocupa a área aberta do Alte Münze neste sábado com o DSV1 no line-up. Ou seja, a agenda está bem concorrida e não sabemos até quando ela seguirá existindo.
Mas como o mundo não é só notícia ruim, eu recorro à música que sempre me salva. Entre as belezas que me encantaram recentemente está o “O bom mesmo é estar debaixo d’água”, o novo álbum visual da Luedji Luna que proporciona uma viagem gostosa por Madagascar, Quênia, Burundi e Brasil:
“Hoje vou me fingir de morta
Não vou tirar retrato
Não vou lavar o prato
Nem procurar ninguém
Vou dormir sem roupa
Sonhar com a sua boca”
A genial Letrux deu uma verdadeira aula de criatividade nesse podcast do Programa Coquetel Molotov. Cheio de insights e dicas para uma vida mais criativa. Eu me identifiquei porque parece que pelo menos no caos, somos parecidas. O podcast 451 MHz também fez um ótimo podcast onde ela fala sobre Patti Smith, escrita, composição, política, família e, claro, rock and roll. Aproveito pra deixar a dica de seu último álbum “Letrux aos Prantos”, que tem uma edição comentada aqui.
A Rolling Stone lançou uma lista com os “500 melhores discos de todos os tempos”. Claro que há controvérsia, mas eu criei um projeto (amo criar projetos) para ouvir todos eles, mas isso será assunto pra depois. Ouvi 7 discos álbuns até o momento. Spoiler: parar e ouvir e cantar um disco na íntegra pode trazer boas surpresas. Corre lá porque são várias as obras maravilhosas para ouvir de novo (ou pela primeira vez).
Um dia desses estava eu com a minha amiga Lorena conversando sobre os shows que eu ainda não vi que estão no topo da minha lista: Bob Dylan e Neil Young. Comentei que uma amiga que viu ambos disse que preferiu o show do Neil Young. Ela, que viu Dylan, fez um comentário que eu achei pertinente: “As pessoas esperam que os artistas façam cover deles mesmos como o Rolling Stones faz. O Bob Dylan continua o artista foda e criativo que sempre foi. Seus shows apresentam releituras do seu próprio trabalho que é muito mais pertinente ao seu momento do que fazer cover de si mesmo”. Eu nunca tinha pensado por esse viés e ele faz todo o sentido. Lembrei desse papo ao ler sobre o dia em que Bob Dylan e Leonardo Cohen se encontraram pela primeira vez e os encontros que sucederam depois. Aqui tem uma versão em português bem-humorada sobre o encontro desses dois mitos.
O Flaming Lips surgiu no início da pandemia no Late Show tocando dentro de uma bolha de plástico, um fato nada novo da banda. Em 2005 a banda tocou no saudoso Claro que é Rock, em São Paulo. Wayne Coyne entrou no palco dentro de uma bolha e saiu rolando sobre nossas cabeças antes de abrir o show com “Race for the Prize”. Na semana passada eles fizeram um novo show para 100 pessoas em Oklahoma com todo mundo dentro das bolhas. Aparentemente é a única banda que chegou preparada em 2020. A Larissa (do Vibra) fez ótimos questionamentos sobre o assunto: “Quanto tempo dá pra ficar lá dentro? Como faz pra ir no banheiro? E para pegar bebida?” Fiquei curiosa também.
Não sou uma grande entendedora do universo de blockchain, mas ando fascinada com o movimento de música digital vendida como exclusiva via blockchain. A Cherie Hu escreveu o ótimo texto “Digital music’s new drop culture” sobre assunto. Nele, ela analisa obras produzidas por músicos & artistas visuais onde uma obra como Star Crossed, criada por Andrés Reisinger e RAC, foi vendida por cerca de US$ 26 mil num leilão no SuperRare. Para entender um pouco: esse vídeo que está no link é o mesmo pelo qual pagaram os US$ 26 mil. Ou seja, qualquer pessoa tem acesso a obra. A diferença é que o comprador tem um “certificado digital” que garante a ele a obra original. É mais ou menos como eu ter uma réplica perfeita de um Van Gogh em casa, mas sei que ele não é o original. O DJ 3LAU, que anda fazendo uma pequena fortuna em blockchain, respondeu que se trata do “orgulho e a credibilidade de possui algo real e exclusivo”. Quem quiser discutir mais a respeito, me dá alô, pois adoraria entender melhor esse universo.
Agora para tudo e leia essa história maravilhosa que faz o Brasil ser tão especial: Na contramão da tecnologia de ponta temos uma cena super vibrante de paredões de caixa de som no Brasil, que move toda uma cadeia produtiva, revoluciona a indústria da música nacional, cria novas indústrias como a de alto-falantes que conta hoje com 300 fábricas espalhadas pelo país, gira núcleos sociais diversos, lança novos artistas e movimenta um comércio intenso de pendrives. É fascinante demais. Para complementar com outro artigo excelente, o Embrazado escreveu sobre a história da pirataria que foi responsável pela ascensão de diversos ritmos brasileiros e hoje se mantém ativa no mercado informal de pendrives. Tudo interligado!
Mas a pergunta que não quer calar é: Qual é o futuro dos festivais de música? Só temos especulações, porque a resposta ninguém tem. O Reino Unido, um dos lugares do mundo com mais festivais de música, tem apostado no retorno em formato híbrido. O físico chega com teste rápido de Corona (como planejam ter em breve na entrada das festas em Berlim custando cerca de 8 euros e resultado em 15 minutos), pulseiras que vibram quando as pessoas estão mais próximas do que deveriam, medição de temperatura, etc. Os festivais podem ser boas oportunidades para governos testarem certos produtos e/ou procedimentos de segurança, já que na prática são cidades temporárias. Agora o momento é apostar em talentos nacionais, pois por algum tempo artistas internacionais serão mais difíceis ter no line-up. Ainda assim, tem gente otimista, tanto que três novos festivais foram anunciados para 2021 na Inglaterra.
Quem quiser mergulhar na cena musical islandesa além da Björk e do Sigur Rós, o Iceland Airwaves fará sua edição 2020 totalmente digital com ingressos à venda e shows exclusivos. Os destaques são Ólafur Arnalds, Ásgeir e Daði Freyr. Falando em Ólafur, você já assistiu o clipe maravilhoso feito pra Loom, música produzida em parceria com o Bonobo? É belíssimo e pura potência feminina.
Andam rolando várias discussões sobre a ajuda de £750 mil que o site Resident Advisor recebeu do governo britânico. O valor é muito superior à ajuda dada às instituições culturais como MK Gallery (£250.000), Almeida Theatre (£574.000) e o Bristol Old Vic (£610.466). As críticas, além do valor alto que muitos não veem justificativa, é o fato do RA ser hoje também uma ticketeira de festas e shows da cena de música eletrônica e ter muitos de seus colaboradores trabalhando em países fora do Reino Unido. Independente de toda a discussão, eu acho incrível um site de música eletrônica receber uma ajuda deste porte. É realmente ver importância cultural nessa cena.
O jornalista Shaw Reynaldo publicou um artigo bem aprofundado sobre o impacto da Covid na cena da música eletrônica. Vale muito a pena ler a primeira publicação que ele fez em março e comparar como as coisas se desenrolaram de lá pra cá. A Rolling Stone também discutiu sobre o terror que a chegada do inverno está trazendo para a música. É, aqui em Berlim já estamos sentindo na pele.
Lembra do Billy McFarland, o criador do Fyre Festival? Ele está preso em Ohio e continua criando projetos. O mais recente é seu podcast “Dumpster Fyre”, gravado direto da prisão, para contar a sua própria versão da história. Todo dinheiro arrecadado com o podcast irá para pagar os US$ 26 milhões que ele deve de restituição pra galera. O primeiro episódio abre com um McFarland extremamente arrependido pedindo desculpas pelos erros e danos cometidos. Aham!
*Esse texto é um extrato da minha newsletter semanal Espiral. Para assiná-la é só acessa lalai.substack.com.