Pianista encontrou no jazz a salvação para as tragédias da Segunda Guerra Mundial, tornando-se pioneira do gênero no país
O amor que os japoneses cultivam pela música gerou belas histórias, que aos poucos vêm sendo descobertas ou revisitadas, para deleite dos ocidentais. Uma delas é a vida de Toshiko Akiyoshi, a mulher que encontrou no jazz a salvação para as tragédias da Segunda Guerra Mundial, e se tornou a pioneira do gênero no país, gravando seu primeiro álbum como pianista em 1953.
A própria relação dos japoneses com o o jazz já rende uma bela história. Após o final da Primeira Guerra, os apaixonados por música em Tóquio se enfiavam em pequenos becos onde se podia encontrar um Jazzu Kissa — pequeno espaço dedicados a ouvir jazz importado dos Estados Unidos com o melhor sistema de som que se podia encontra entre os anos 1920 e 1930: gramofones em pequenas salas onde se servia café e bebida alcoólica. Os vovôs cool dos Listening Bars, conceito criado no Japão décadas mais tarde e que se alastrou por cidades de todo mundo, incluindo São Paulo.
Foi nesses bares secretos do underground que Akiyoshi começou a descobrir o jazz. A Segunda Grande Guerra, no entanto, acabou com a diversão dos japoneses e também com a família da pianista. Nascida na Manchúria, Akiyoshi perdeu suas três irmãs e o restante da família no conflito. Curou o que pôde de suas dores na música após o fim da guerra, em 1945, resultando na rendição total do Japão e colocando um ponto final em seus insistentes delírios imperialistas.
A partir dali, os Jazzu Kissa se multiplicaram, tornando-se um movimento cultural muito mais forte. Foi então que a garota mergulhou e abriu espaço para algo completamente novo no país: apresentações ao vivo, com músicos japoneses tocando pedradas do jazz. Akiyoshi e seu piano estavam lá, no começo de tudo. Até que um certo Oscar Peterson a viu tocando em um boteco no bairro de Ginza e implorou a seu produtor para gravar, em 1953, um disco com a jovem prodígio.
Sua destreza era tanta que Akiyoshi foi convidada para assinar um contrato com a icônica gravadora Verve, em meados dos anos 50, quando se mudou para os Estados Unidos motivada por um curso na escola de música Berklee, em Boston, por onde lançou os álbuns The Many Sides of Toshiko e Miwaku No Jazz. Os discos a levaram a tocar no lendário Festival de Jazz de Newport, em 1957.
Mas o sucesso nos EUA ainda não era capaz de fazer com que Akiyoshi pagasse as contas. A garota também se encantava com computadores e pensava seriamente em desistir do piano para se dedicar à programação, uma profissão “do futuro”. O casamento com o saxofonista Lew Tabackin, no entanto, ajudou-a a permanecer na música (ufa!). Akyoshi voltou ao Japão e, ao lado do marido, excursionou com uma big band com 16 músicos, plantou de vez o jazz no país e ainda beliscou um Grammy com o álbum Kogun, de 1974.
O ano de 1974, aliás, foi um marco na carreira da pianista, e também (graças a ela) na cena jazzística japonesa. A artista decidiu fundir o som que a amava com os instrumentos tradicionais de seu país, como o kotsuzumi, o kakko e o utai. E tudo graças ao compositor americano Duke Ellington.
“Quando Duke morreu, eu li que ele tinha muita consciência sobre sua raça, e eu pensei que talvez essa seria minha missão. Representar minha herança japonesa e usá-la no jazz. Foi provavelmente minha mais importante descoberta”, contou em entrevista ao Los Angeles Times [via Far Out Magazine].
Uma de suas mais dilacerantes heranças, no entanto, foi a guerra. E a artista também não a renegou. Praticante do budismo, convidou o monge Kyudo Nakagawa para colaborar com um álbum dedicado ao massacre nuclear de Hiroshima, após visitar uma exposição de fotos feitas com vítimas do bombardeio, lançado em 2001.
Toshiko Akiyoshi está hoje com 95 anos e nunca largou a música. Seu último álbum de estúdio, My Long Yellow Road, foi lançado em 2017. Um talento que nem duas bombas atômicas conseguiram sublimar.