Tomorroland: o festival que o underground adora odiar é mais legal que você imagina; aqui estão 10 provas
Fotos: Flávio Florido e oficiais do evento.
Gastamos muita sandália pelos palcos, trilhas, quiosques, pistas e no backstage do segundo Tomorrowland Brasil, que aconteceu no tórrido feriado de Tiradentes agora em abril de 2016, levando cerca de 50 mil “People of Tomorrow” em cada dos seus 3 dias de festa, nas colinas e na poeira da Maeda, a mais famosa fazenda raver do Brasil, lá em Itu (SP).
Torcer o nariz para a chacota do EDM e seu grandioso palco colorido e lúdico (quase ingênuo) é uma visão mais que clichê sobre o Tomorrowland, mas simplista também. Tendo em mente que esse não é um evento para diggers dos vinis mais obscuros dos subgêneros underground da dance music, mas aceitando o fato de que esse festival é mais uma Disneylândia clubber, dá para se divertir, e muito. E foi com esse espírito anti-gongo gratuito ao povo EDM e à grandiosidade do evento que trazemos agora algumas observações positivas da coisa toda.
O FESTIVAL AINDA EXISTIR, MESMO COM CRISE
Com sua empresa proprietária (a SFX) em estado de falência e com uma crise brasileira que você está cansado de lamentar, principalmente no que tange o real ultradesvalorizado, é de celebrar que o Tomorrowland Brasil tenha acontecido uma segunda vez, mesmo que com 1 palco e 35 menos atrações do que em 2015 (43% das atrações de 2016 dos tocaram em 2015), além de cerca de 15% menos público que o ano passado (os ingressos não esgotaram, ao contrário da primeira edição).
Isso é prova de um fato irrefutável: mesmo com preços caros e instabilidade econômica, sobra mercado de música eletrônica no Brasil. Internacional como só ele, o Tomorrowland Brasil atrai gente do mundo todo, e sedimenta a ideia de São Paulo como um grande foco da eletrônica global e é um evento que emprega de maneira direta e indireta quase 10 mil pessoas. E isso não só é saudável, como deve ser celebrado e destacado.
EDM CAN BE COOL
É do serrotão que o povo gosta, e a música emanada no Mainstage do Tomorrowland, entre “chaves da felicidade”, dançarinos e todo uma aura Cirque du Soleil serve para adornar a dance music mais pop e global que há. Basicamente, aquela música radiofônica, que transpassa o gueto intelectualizado das formas e do hedonismo “de classe” do underground, convenhamos. É no Mainstage também que você vai ouvir remixes bombardeantes das músicas mais presentes no top 40 atual (“Hello” da Adele, foi das mais reprocessadas esse ano; em 2015 foi “Wrecking Ball”, da Miley Cyrus).
As bolhas de sabão, os canhões de fumaça que soam como os pistões dos fade outs da dance music no geral, fogos e todos os outros artifícios criam no Tomorrowland a casa ideal da dance music mais exacerbada e barulhenta que existe, com dezenas de milhares de pessoas cantando músicas que você nem sabia que eram famosas. O foco não é só o drop ou o serrote, há muita melodia, tendo em vista as origens europop dessa música, e dispersado o cinismo é divertido pular com a geral no vale do Mainstage, enquanto os DJs se esforçam para atuarem como estrelas salvadoras do mundo. Se o underground preza pela discrição e a inteligência, a EDM e sua baba são uma injeção de adrenalina, exagero e escracho no meio da aorta pulsante da moçada, que tem lá sua faixa etária entre 19-26 anos. Entregar-se ou não a essa fanfarra depende da sua pré-disposição à diversão, e para quem reclama muito, fica o recado: você pode não gostar, mas sua filha e seus irmãos mais novos amam. E o TML segue a bíblia das raves grandes nacionais, onde o palco principal é para os sons mais babas, e quem busca novas formas deve passear pelas tendinhas.
EDM CAN BE HOUSE
Num extremo da EDM está o vulgar e bandoleiro recorte de qualquer drop e bass estourados promovidos por DJs como Afrojack, mas ideia vulgarizada que é, muitos dos artistas da EDM mostram “autenticidade” rumando para gêneros mais estabelecidos, menos conflituosos, como prog, trance 90s e ela, a boa e velha house music. Não faltaram atrações, incluindo no Mainstage, que poliram o groove houseiro em sua versão big room, que no Tomorrowland traduzia-se numa versão atualizada e muito potente do tribal house percussivo, hipnótico (um shout out para as monas, que representaram o chamado tribal e lotaram os palcos todos).
Sunnery James & Ryan Marciano, malandros, foram os tribalistas mais nervosos do TML, misturando “in da ghetto” com outros remixes houseiros que, na internet, é rotulada como “trance“. Vai entender. Talvez acentuar o viés houseiro, junto com um bumbo e percussividade de techno reto e algum tempero prog seja uma espécie de rumo ao “low BPM” que a EDM possa estar tomando, justamente por ser tão criticada.
Outros momentos bem houseiros: Chris Lake fechando o palco Brazilian Bass by Alok até com M83, e Arno Cost, o DJ mais suingado da turma de Nicky Romero (eles chamam o que tocam de “hardstyle”, mas é basicamente um enfoque tranceiro na EDM).
GRINGOS, MUITOS GRINGOS
É divertida e impressionante a internacionalização do Tomorrowland Brasil. Acreditamos não haver festival tão global em nossas terras, daqueles que são um desfile de bandeiras de tudo quanto é lugar, de todos os continentes. O camping e as pistas são uma babel de gente de diferentes terras e procedências não só se cruzando e se conhecendo, mas dançando juntos sob um único sol, coisa tão comum na integrada Europa, e não por aqui.
É bonito de ver as hordas animadas de argentinos, os belgas e holandeses orgulhosos de seu festival conterrâneo, os ingleses queimados de sol de sempre e gente de países tão peculiares quanto Moçambique, Israel, Mauritânia e Nova Zelândia, só para citar algumas turmas que cruzamos. Mais do que música, festa, EDM ou qualquer outra coisa, imagine os tipos de encontros e interações que isso proporciona, e as bandeiras voando orgulhosas no Mainstage só adornam ainda mais o já ultradecorado palco.
PSICODELIA NO TALO
O clubber que vai considerar uma visita ao Tomorrowland Brasil pode considerar tirar da gavetinha aquele seu quartinho de doce, pois o Tomorrowland estatela as vistas com um colorido sem fim. É uma versão hiper da psicodelia de Alice já apresentada em raves como a Avonts por aqui, e toda a mágica e mística do “key to the happiness” do palco principal são um convite à vista e à diluição das fronteiras do cérebro, esteja você sob efeito de algo ou não. Este não é um festival de “música pela música”, e todos seus artífices são um apelo inegável, principalmente aos pós-adolescentes. Muitos cogumelos de decoração, um monjolo gigante, palcos com espelhos mágicos, pessoas fantasiadas, tendas circenses e tudo mais que o manual psicodélico-festivo possa oferecer estavam montados no Tomorrowland Brasil – haja selfie!
Some a isso uma lua cheia promíscua que enfeitou o céu de Itu, junto de planetas visíveis a olhos nu, chuvas de meteoro e diversas sessões de fogos de artifício, alguns deles até que formavam o smile raver no céu!
ESTRELAS NACIONAIS
2016 foi o ano que todo mundo notou como o Tomorrowland quer ajudar a já bem articulada e marketeada carreira do brasileiro Alok rumo ao estrelato. Ele tocou no palco principal no horário dos headliners e teve uma tenda só sua, a “Brazilian Bass”, onde colocou para tocar seus brothers e pupilos como Illusionize e ajudou a sedimentar seus subgêneros próprios (no caso, a tal “tropical house”, “brazilian bass” e “new design”, que são um mix meio vazio de termos para uma house big room com pitadas de techno e drops da EDM).
Ftampa foi outro que desceu o cacete no Mainstage e Volkoder, talentoso e dinâmico produtor que é de Salto, cidade vizinha à Itu, colocou a região no mapa também em termos musicais. Todos ficaram ainda mais conhecidos do público brasileiro e internacional por causa do Tomorrowland, e só devem ter louros a colher com isso. Marky é outra estrela nacional que segue firme e forte na aposta do TML, e um panorama dos destaques atuais da dance music brasileira bem sucedida do momento teria sido melhor pintado se artistas como Vintage Culture e Victor Ruiz se apresentassem. Mas eles são da Entourage, e não da Plus Talent, que é a agência nacional de DJs que domina o line-up do festival, fato já motivo de controvérsias por aí.
O ÚLTIMO FIM DE SEMANA DO VERÃO
A poeira adentrou a alma dos frequentadores do Tomorrowland Brasil 2016, com um calor de 35 graus em todos os dias do evento. Abril teve um veranico cruel, às vésperas de uma queda abrupta de temperatura do outono, o que caracterizou o feriado do evento como o último momento desse verão. Não à toa, a pista da piscina foi a mais disputada (esse ano aberta ao público geral, e não só aos relacionados ao patrocinador, como em 2015), e muita gente desfilou seminua ou descamisada, aumentando a libido geral.
Infelizmente, foi registrada uma morte este ano no festival, de um mineiro de 32 anos que passou mal e faleceu a caminho do hospital de Itu. É de se pensar se o calor insano, aliado ao desgaste físico de se curtir festival por 3 dias, não contribuiu para essa fatalidade. Havia pontos de água gratuita perto dos banheiros, mas muito pequenos e mal sinalizados. Faz-se mais que urgente que festivais como o TML Brasil tenham fontes gigantescas de água potável para o público, bem sinalizadas e divulgadas. Pois senão as pessoas continuarão a passar mal, e morrer.
O CAMPING
O Tomorrowland Brasil é o único festival grande do país onde o camping funciona e é uma realidade, parte da vivência do evento. As pessoas podem chegar um dia antes do início, há uma festa (a “Gathering”) num palco montado só para eles e a divisão entre as “classes” de camping (das normais pra geral e as cabanas de R$ 5.000) eram bem montadas e permitiram uma interação particular entre essas parcelas do público.
Muitos festejavam e curtiam a preguiça no camping, tanto quanto as pistas, e muitas amizades, transas e outras bagunças aconteceram no Magnificent Green, a área de acampamento que esse ano foi posta em uma área com mais sombras de árvores, ao lado de um “market place” que vendia de tudo, desde doces de padaria a repelente. Os banheiros eram amplos e práticos, e o banho era caro e durava só 4 minutos, e não faltavam turmas com seus soundsystem próprios criando pistinhas particulares e animadas. Mérito para os organizadores que permitiram a entrada de bastante comida e até bebida alcóolica de fora para quem foi morar 4 dias no Tomorrowland.
OS MCs
Um fenômeno do Tomorrowland é o microfone ligado. Desde as introduções e odes de MC Stretch aos convidados do Mainstage, até inúmeros DJs sempre gritando “make some noise” e “Braziil”, a figura e o ato do MC são uma característica particular do festival, sempre a levantar o público – e também a torcer o nariz de quem não quer ouvir falação, mas sim o som e a música. E como sempre, a Internet não perdoa.
Stamina, figura heróica e tradicional do drum’n’bass, empunhou seu microfone em vários sets da tenda de Marky, e um dos DJs mais falantes era David Guetta, que prestou uma homenagem ao Prince em seu set, tocando “Kiss” para uma moçada que parece não conhecer muito o legado do artista sem nome, e não deu muita bola para a música…
MELHOR ACESSIBILIDADE
Em 2015 a saída do público do Tomorrowland Brasil se deu por poucas áreas da Fazenda Maeda, e o que aconteceu foi a fatalidade das pessoas levarem até 3, 4 horas para retornarem aos seus hotéis na região de Itu, destruindo o pique e o humor de quem queria curtir o festival. Esse ano os organizadores ampliaram o número de rotas, estacionamentos e pontos de entrada e saídas, o que facilitou o trânsito no festival. O tal sistema “cashless” de recarga de créditos para compras também esvaziou as filas do caixa, e de modo geral o TML 2016 foi mais bem montado e o público transitava com mais facilidade, também pela repetição de espaços, pontos, palcos e rotas do ano passado.
Tudo isso para dizer que festival bom é aquele que adquire know-how e, ano após ano, cresce e melhora com as lições que aprende. Nesse sentido e por suas hipérboles, o Tomorrowland Brasil é um estudo de case de festival muito bem sucedido, e só tem a agregar positivamente a cena de festivais e da dance music nacional, de modo geral.