Entrevistamos Franco Dafon e Lincoln Péricles (LKT) dois jovens diretores que estrearam seus curtas em Tiradentes
A Mostra de Cinema de Tiradentes sempre foi um espaço em que jovens cineastas conseguiram expor seus trabalhos. Pensando nisso, conversamos com dois realizadores para conhecer a experiência deles com o cinema, com a Mostra de Tiradentes e conhecer um pouco de seus métodos de trabalho.
Franco Dafon
Franco Dafon dirigiu o curta Vovó, um suspense e drama familiar, com elenco completamente negro. Apesar de não ser um terror, o filme se passa em um casarão, em meio a árvores e, para aumentar a tensão, com uma morte. Entretanto o dilema discutido em cena são os problemas familiares vividos entre primos. Usando de muita subjetividade em um jogo de gato e rato, o curta nos proporciona tensões, suspeitas e algumas surpresas.
O diretor iniciou no cinema como ator e logo se identificou com a arte. Segubdo ele, “Minha paixão começou desde criança nas idas às locadoras. Então procurei estudar mais e fiz o meu primeiro curso, onde nos dois trabalhos finais, produções de dois curtas, trabalhei como produtor”.
Após concluir o curso, Franco escreveu seu primeiro roteiro, “sendo dirigido e produzido apenas por mulheres, e nesse, fui ator junto à Dora Rosa“, protagonista de Vovó. Dafon seguiu em seus estudos, aprofundando na área de roteiro, conhecendo outros roteiristas e diretores. Com isso, se tornou um apaixonado pelo cinema de Ingmar Bergaman, “o melhor diretor de todos os tempos, digo isso com toda certeza”. Foi assim que ele se apaixonou pela direção.
No ano de 2020, conheceu a roteirista Renata Victoriano, se tornaram amigos e sócios da produtora, Companhia de Cinema LiberArte. “Dirigi dois curtas-metragem com ela, o documentário Ela, Dora!, que conta a trajetória da atriz Dora Rosa, e a ficção Véspera, sobre o Hospital Colônia de Barbacena”.
Experimentando a direção solo
Vovó é sua primeira direção solo. O filme nasceu de uma ideia, em 2019, sobre retratar uma matriarca negra, “uma imagem simbólica para mim, pelo fato de se tratar de minha avó, a Dona Gabriela, citada ao final”. Passado um tempo, Franco começou a desenvolver sua ideia, na qual adicionou símbolos e elementos de reconhecimento para todos os mineiros.
Para não tropeçar em achismos, na pesquisa procurou por uma consultoria étnico-racial. A consultoria foi “feita por duas mulheres pela quais tenho total apreço, Eda Costa e Josi Félix. Pois, por mais que tenha convivido com a minha família preta por toda a minha vida, não sou preto. Dessa maneira, queria auxílio para compreender as visões das personagens, de uma história que é carregada por um elenco preto por completo”.
Mostra de Tiradentes: uma paixão de longa data
O diretor também nos relatou que “Ter o Vovó sendo exibido na 25ª Mostra de Cinema de Tiradentes, significa ter um filme que faz parte de uma vanguarda que cresce e aparece ao meio tanta coisa boa que é produzida nacionalmente e internacionalmente”. Ele nos afirmou que a “Mostra de Tiradentes é um lugar que proporciona um espaço de crescimento para diretores. Sejam eles de todas as idades, gêneros, raças e estéticas”. E compartilhou conosco a euforia de saber que tinha sido selecionado: “Quando recebemos a notícia, ficamos em êxtase. Nosso filme estaria em um dos maiores eventos cinematográficos do Brasil, aquele que abre a temporada de festivais e premiações do cinema”.
Sua relação com a Mostra de Tiradentes vem de longa data. Seu pai trabalha desde a 11ª edição como motorista, “levando e buscando realizadores do Brasil e do mundo. Sempre que acabava o evento, trazia as camisas e mostrava os crachás, eu cresci vendo isso. A mostra é importante sentimentalmente para mim. Ter o meu filme nela, neste momento online, significa que agora o meu pai levaria o seu filho com um filme para lá. Isso significa muito”.
Próximos projetos
Ao perguntarmos sobre planos futuros ele admitiu “respiro cinema all the time“. Ele nos contou que submeteu dois projetos de curta metragens a editais e aguarda os resultado. Um deles se passa quase inteiramente na cidade de Tiradentes, com roteiro da Lucélia Benvinda, intérprete de Magdalena em Vovó e meu. O outro é um drama em que temos uma grande atriz mineira no corpo de elenco. Além disso, estou na pesquisa e escrita do meu primeiro longa-metragem. Contarei a história de uma mulher que veio do interior e se estabeleceu em uma ocupação urbana em Belo Horizonte”.
Lincoln Péricles (LKT)
O curta Mutirão: O Filme, de Lincoln Péricles detem a sensibilidade da memória de grandes feitos em sua comunidade. No caso, as construções das moradias feita pela Associação Povo Em Ação. A história desse espaço é narrada por crianças, motadoras da região e ilustrada por fotografias que registram o processo de ocupação e construção das casas.
Lincoln mora no Capão Redondo, em São Paulo e nos contou que sua relação com o Cinema nasceu “a partir de ver making of de filmes nos DVD pirata que nóis pegava na feira. Isso me despertou a curiosidade de saber que pessoas faziam filmes, assim fiquei louco de saber como seria trampar com isso”. O diretor já tinha relação com Artes há mais tempo, pois “Escrevia poesia desde moleque”, ao mesmo tempo que praticava esportes em uma ONG da região. Se formou em Montagem e Manutenção de micro e outros cursos técnicos de trabalho braçal, pois era o que restava pra dar um sustento pra mim e minha família.
A vida pela lente das câmeras
Entretanto o cinema ainda pulsava em si. Ele nos contou sobre suas primeiras experiências em gravar filmes: “Comecei a fazer filmes com um celular que o patrão da minha mãe me deu, que tinha câmera. Gravava com meus amigos aqui na quebrada vários tipos de situações, desde as mais banais às mais elaboradas com roteiros coletivos. Ao ter essa ferramenta na mão, consegui colocar em prática essa vontade de fazer poesia unida aos conhecimentos técnicos tecnológicos e treinos de repetição que tive no esporte”.
Péricles apontou a importância de se ter contato com materias que o levou ao aprendizado, “ter a ferramenta na mão me fez aprender a ler de fato, deixar de ser analfabeto e passar a ler memo, mas também ler o mundo, refletir sobre as coisas. Posteriormente comecei a usar vídeo nos corres de militância que nóis tinha na época, junto a movimentos de moradia e outros movimentos de ação direta que eu fazia parte. Como consequência, ele passou a ver o cinema como algo para além do entretenimento: “Foi assim que passei a entender essa história de cinema como algo político, ainda mais quando fui ter contato com o dito cinema brasileiro e percebi a imensa ausência de pessoas parecidas comigo ou com meus”.
Uma maneira de preservar a memória
Todo esse caminho levou-o à realização de Mutirão. Segundo Lincoln era um filme que a muito tempo queria realizar, pois “parte de um planejamento de anos que é de organizar e preservar a memória do levante e criação da minha quebrada, a Cohab Adventista, localizada no Capão Redondo, e o seu entorno, e de como isso influencia meu fazer cinematográfico e diz sobre as raízes da nossa existência”.
Esses registros estavam sendo feitos há muitos anos, por ele. Entretanto, “sempre tive dificuldade de achar imagens em movimento do momento em que os tijolos começaram a virar casas. Havia ouvido muitas histórias dos mais velhos e já sabia que esse local era e é construído pela luta. Esses mais velhos nossos lutaram para termos o mínimo de dignidade, e em algum momento registraram-se, principalmente quando equipamentos de foto e audiovisual ficaram mais possíveis”.
O filme nasce de uma incômodo, pois “quem detém a maioria das imagens fixas ou em movimento da minha quebrada, ainda são pessoas de fora, e isso me incomoda. Precisava ter um processo de tomada e preservação através da nossa ótica com nossa história. Desse incômodo nasceu esse e nascerão outros, pois o mutirão que levantou casas e nos deu um teto é um exemplo de forma política que nosso fazer cinematográfico tem que olhar com carinho e aprendizado”.
Território, memória e as novas gerações do Capão
A maneira encontrada de financiar o projeto foi inscrevê-lo “num edital e conseguir recursos pra me debruçar na pesquisa junto aos meus. Além disso, pagar uma equipe e, de uma forma poética, acessar esses arquivos da Associação Povo em Ação, que foi parte essencial da organização de luta por moradia aqui na quebrada”. Dessa maneira, “com os materiais em mãos, fui construindo um roteiro. Algo que pudesse mostrar pra minha sobrinha, cuja a mãe luta atualmente para ter sua digna moradia. Principalmente por que ela não fazia ideia de como o bairro em que ela mora havia surgido”.
E a Duda é uma das narradoras do curta, mostrando que as gerações mais novas do Capão estão aprendendo sobre sua história. O processo de criação de Lincoln promove o conhecimento, pois foi “mostrando esses arquivos para a Dudinha que pude ver o poder do registro para a continuidade das nossas lutas. No meio da demonstração de fotos ela descobriu que aquilo se tratava de uma luta por moradia, por conta de sua vivência com a mãe e com nóis e nosso fazer cinematográfico”.
Inegavelmente, a garota influenciou todo o roteiro e forma do documentário, o que dá à ele uma delicadeza e sensibilidade únicas. O diretor completa contando que “o roteiro foi se adaptando as vontades dela, ou seja, virou uma espécie de ‘react’ como esses vídeos populares na internet. E isso mostra que as crianças de quebrada dominam a linguagem e experimentam a forma do fazer arte através de qualquer aparelho audiovisual que seja.”
Gritando pro mundo
Questionado sobre a importância de festivais como a Mostra de Tiradentes exibirem filmes de cineastas iniciantes, nos contou que vê “os festivais de cinema, e esse incluso, como uma das alternativas de se mostrar o filme para os nossos, e também para públicos que não conseguiriam acessar nosso trampo por não temos recurso financeiro ou estrutura para gritar ao mundo nossas ideias e lutas da forma como queremos”. E completou, aliás que “Passar por olhares curadores, não deve ser de forma alguma um desestimulo ou ilusão de que somos mais ou menos. Mas termos nossos trampos reconhecidos por pessoas sérias que desenvolvem um trampo comprometido com as lutas sociais, é uma forma de entender que entre nossos filmes e quem os vê, não existe distância.”
Pericles reforça que de maneira alguma acha que é a única forma de se exibir os trabalhos. Ele citou, por exemplo, “exibições comunitárias, cineclubes e festivais de cinema produzido pela classe trabalhadora ou artistas e produtores que pertencem a nossa classe”, como meio de difusão das suas obras e de outros realizadores.
Projetos futuros
LKT está em processo de montagem de Filme sem Querer junto à montadora Priscila Nascimento dirigido no fim do ano passado, assim como em processo de finalização de Filme Policial que vem gravando há muitos anos. “Estou nesse momento também terminando as filmagens dum trampo dirigido junto ao meu mano André Novais, de Contagem, Minas Gerais. Outro projeto importante que tenho, é a continuidade da digitalização do acervo de imagens e sons da minha quebrada”, que vem fazendo por conta própria. Mas no momento está buscando financiamento e conhecimento para prosseguir. Aida sobre o projeto de digitalização, “Passei com ele para segunda fase de uma bolsa na UCLA. Mas no momento encontro dificuldade para arrumar uma instituição para apoiar, pois não possuímos CNPJ e não tenho formação universitária para que alguma universidade possa entrar no projeto.”