Tape deck, mixtapes, walkman, acetona e caneta Bic. Tudo o que você precisa saber sobre fitas cassete
Até os anos 80, tudo o que era lançado em vinil podia ser comprado em fita cassete (ou K-7). Você que não viveu aquela época e tem aí um LP antigo em mãos pode conferir na contracapa do disco a informação “Também em Musicassete” ou “Também em MINI K-7” ou ainda “Também em cassete” ou mesmo um desenho de uma fita cassete e o código do lado.
No decorrer dos anos 90, a fita cassete foi sumindo do mercado e, com o nascimento do CD e a possibilidade de queimar (era assim que a gente falava gravar) CDs em casa, ela sumiu de vez das prateleiras das lojas. Até então, era alto o custo de um CD virgem e ter um gravador de CDs chegava a ser um sonho de consumo.
A forma de trocar músicas, gravar programas de rádio e versões inéditas das músicas tocadas pelos DJs – pra depois tocar no bailinhos de garagem – eram as fitas K-7. Comprava-se uma fita virgem, das diversas marcas que havia no mercado, e voilá! PLAY/ REC/ PAUSE era ação comum na vida de qualquer jovem que colava o ouvido no rádio à espera daquele hit pra soltar então o PAUSE e gravar a tão esperada música.
Até hoje circulam na rede fotos perguntando qual a associação entre uma caneta Bic (ou de um lápis Faber, aquele sextavado) e uma Fita K-7. A resposta? Era a melhor forma de deixar uma fita no ponto, ou mesmo de rebobinar uma fita enquanto tocava outra, se você não tivesse um cobiçado tape deck duplo – tape deck era o nome do tocador de fita K-7.
Muitos recursos foram surgindo pra atender a demanda do sucesso da fita K-7, vamos repassar alguns dos mais legais.
TAPE DECK DUPLO
Com a opção de fazer cópias em velocidade rápida, que permitia a você copiar uma fita original para uma virgem em velocidade mais rápida que em tempo real. Mas não se empolgue, não era nada como as opções que temos hoje em CD, em que podíamos gravar em 48X. Cópias rápidas eram um sonho distante, ou de quem podia desembolsar uma boa quantia solicitando o serviço de algum estúdio profissional.
TAPE DECK AUTOREVERSE
Alternavam do lado A para o lado B da fita quando este chegava ao final. Mas, péra lá, então quer dizer que as fitas tinham lado A e B como os discos de Vinil ? SIM ☺. Com o tempo, os cabeçotes de gravação e reprodução sujavam (quem conheceu o videocassete sabe do que estou falando), e a leitura perdia a fidelidade, deixando a gravação deficiente. A limpeza era feita em casa mesmo, com um cotonete embebido em acetona – que na época era o que as mães usavam tirar o esmalte da unha (risos). O ideal mesmo seria usar álcool isopropílico, que não era tão fácil de encontrar – nem essa informação era tão fácil de se conseguir em tempos sem internet.
MIXTAPES
No Brasil, com a popularização do DJ, a fita K-7 tornou-se essencial material de divulgação de trabalho. Eram as mixtapes, caminho que foi mostrado a nós DJs pelas bandas de rock e suas demos.
Grandes artistas e bandas têm em sua biografia histórias relacionadas com demos e mixtapes. Madonna é uma delas. Com a track Everybody gravada em uma demo tape, ela abordou o DJ Mark Kamins…. e o resto é história.
Mesmo após quase duas décadas da morte da Fita K-7 no mercado, o termo mixtape ainda nos rodeia. A palavra em si vem lá do final da década de 60, e era o nome que se dava às compilações gravadas e vendidas, vamos dizer assim, no mercado alternativo.
E o mercado movimentava uma boa quantidade em dinheiro. Isso pode ser conferido no filme que aborda o assunto no cenário hip hop , chamado Mixtape Inc, The Movie.
Na década de 90, sair na noite com dez fitas K-7 embaixo do braço para divulgar seu trampo, distribuindo para formadores de opinião, amigos, promoters, DJs… era desconfortável pelo volume que ocupavam, mas não era algo incomum de se ver.
E 10 fitas viravam 100, quando rolavam em um chill out certo e outras pessoas pediam emprestadas para fazer uma cópia. O bacana disso era todo o trabalho gráfico/artístico das capas. De norte a sul do Brasil rolava um intercâmbio de mixtapes entre DJs, clubbers, promoters e donos de clubes.
Em São Paulo, um local onde era possível encontrar aquela mixtape que você ouviu numa festa ou na casa de alguém e não conseguiu pegar emprestado, ou mesmo por indicação de algum amigo, era a clássica loja do Hell’s Club, na Galeria Ouro Fino. Muitos DJs deixavam lá suas mixtapes para serem comercializadas.
Outro local bacana onde se encontravam muitas dessas mixtapes, algumas até importadas, era o Mercado Mundo Mix. Muitas revistas gringas faziam qualquer DJ/clubber correr de banca em banca atrás do exemplar que trazia como brinde aquela mixtape absurda e, quando você não conseguia, o jeito era pedir emprestado a alguém para fazer uma cópia.
POSSO TE DAR MINHA DEMO (EM FITA CASSETE)?
Outro cenário que abusou do uso das fitas nos anos 90 foi o de bandas independentes. Gravar um CD era caro demais para a maioria dos artistas. Gravar fitinhas na mão e transformá-la em um produto independente era a solução. Algumas bandas chegaram a vender mais de 10 mil cópias de suas “demos “.
Aproveitando o circuito de fanzines, que eram enviadas pelo correio, fitas circulavam por todo o Brasil e copiar era altamente incentivado. Era o jeito de viralizar da época. Artistas como Chico Science, Raimundos, Concreteness e Killing Chainsaw apareceram neste cenário.
O livro de Daniel Juca e Gabriel Thomaz, Magnéticos 90, A Geração do Rock Brasileira Contada em Fitas Cassete (Edições Ideal), é uma divertida referência no tema.
WALKMAN
Não menos importantes, os walkmans nasceram no meio dessa história toda. Sair na rua com aquela “pochete toca-fitas” pendurada na cintura, ouvindo os hits que você acabou de gravar no programa da Manchete era status. Existiam de vários tipos e cores, mas a dona da patente e pioneira foi a Sony.
TOCA-FITA DE GAVETA
E se isso não fez parte do seu universo, pergunte ao seu pai ou avô sobre os toca-fitas para automóveis. Motoradio, Bosh e Roadstar foram marcas que fizeram muito sucesso por aqui. Andar na rua com uma gaveta (que permitia desacoplar o aparelho do carro para evitar roubos) Roadstar modelo Rio De Janeiro e um Equalizador Tojo acoplado pode parecer coisa de outro mundo, mas não era.
Deixar fitas no sol, ou perto de fontes de energia magnéticas, podia decretar a morte do K-7 na certa – ou pelo menos uma avaria no áudio. Não era difícil também a fita enroscar dentro de algum aparelho e você só descobrir depois que o som ia perdendo os agudos, acelerava ou diminuía a velocidade na hora em que estava reproduzindo, o que resultava num barulho bem estranho.
FITA CASSETE, O RETORNO
Agora que você já sabe todas essas manhas do passado, é bom se preparar para a volta da fitinha. A procura pelas fitas tem aumentado, seja pelo saudosismo, pela sonoridade peculiar ou pelo formato e forma de manuseio.
Vários artistas estão incluindo o cassete em sua gama de produtos, desde os independentes até grandes estrelas. Caso da cantora Björk por exemplo, que vende toda sua discografia em fitinhas. Claro, no “padrão Björk de qualidade”.
Na Inglaterra, sempre um mercado ponta-de-lança quando o assunto é a indústria da música, o formato fita cassete cresceu 94% nos primeiros seis meses do ano, representando mais de 35.000 unidades vendidas! Um número gigantesco para um formato que está mais ligado ao universo de Strager Things do que de apps como o Shazam, né?
A Polysom, com sua dupla de consultores João Augusto e Rafael Ramos à frente, vem desenhando uma história interessante na reativação do mercado de fitinhas no Brasil. Nada comparado ao estouro da Inglaterra, mas por aqui também os números mostram um crescimento constante, ainda que lento. “O formato vem sendo cultuado novamente mundo afora. Agora mesmo, estivemos numa das lojas Rough Trade, de Londres, e já há um setor, ainda que pequeno, exclusivo para cassetes. E é interessante ver que alguns artistas já fazem lá o que estamos fazendo com a Pitty no Brasil: lançar todo o seu catálogo em cassetes de cores diferentes. A Björk fez isso, e a coleção é linda”, diz João Augusto.
Agora, se a sua mãe jogou fora sua coleção de fitas K-7 e seu tape deck na última limpeza que fez no porão, senta e chora. As mixtapes dificilmente você vai conseguir de volta. O tape deck? Procure em lojas de equipamentos usados, bazares de caridade ou mesmo em sebos que vendem equipamentos antigos. Você pode dar sorte de encontrar aquele cobiçado TD (Tape Deck) AKAI em perfeitas condições. No site do Museu Virtual Audiorama você encontra diversos modelos e suas especificações técnicas.
Gradiente, Technics, Marantz, Sony e até os CCEs (com face de alumínio) são os mais procurados. O valor pode variar muito, levando em consideração o estado de conservação e funcionamento, além da marca e do modelo. Vale checar o funcionamento e o estado das correias, pois muitas das peças de reposição não existem mais.
Também existem aparelhos novos, a maioria chineses, que têm features bem bacanas, como este da Ion, que reproduz e converte discos de vinil e fitas K-7 em MP3 via USB.
Ou este duplo deck, também da Ion, que grava fitas direto no computador.
No Mercado Livre dá pra comprar um walkman novinho, que reproduz fitas e as converte em MP3.
A oferta de fita cassete está cada vez mais crescente e só deve aumentar. Recomendo uma passadinha em sebos legais pra você recomeçar a sua coleção. Para fitas novas, procure selos nacionais como o MAWW Records, a loja do selo Beatwise Recordings e artistas como Projetonave e o mais recente trabalho da cantora Stela Campos.
Agora, se você for viajar pra gringa, prepara-se pra ver a quantidade de fitas novas e reedições que as lojas de vinil têm botado à venda… e resista se puder.