Sueco Kórnel Kóvacs, um dos nomes que você não deve perder no Dekmantel, diz que a cena da Suécia enfrenta problemas financeiros

Claudia Assef
Por Claudia Assef

O Dekmantel, como você já sabe, rola neste fim de semana em São Paulo com line-up tão rechonchudo de boas atrações que vai ser uma maratona puxada pra quem curte boa música. Se você está perdido com os horários e atrações, se liga aqui no timetable completo.

Entre artistas graúdos como Jeff Mills e Moodyman, ou ainda Nina Kraviz e Nicolas Jaar, isso sem falar nos brasileiros Azymuth, Bixiga 70 e Hermeto Pascoal, alguns nomes menos conhecidos também merece e muito a sua atenção. Um dos preferidos desta casa é o sueco Kórnel Kóvacs, atração do sábado (4), no Jockey.

É dele um dos discos mais bonitos da dance music lançados 2016, The Bells. Sim, o nome parece ser uma homenagem ao nosso mestre alienígena de Detroit, Jeff Mills, mas não é! Quer descobrir de onde veio e também saber como é a cena eletrônica da Suécia, de onde já saíram artistas pop como ABBA, mas também tantos deuses da eletrônica, de Adam Beyer a Jesper Dahlbäck, passando por Axel Boman, parceiro de Kórnel no selo Studio Barnhus? Então dá play no disco aí embaixo e se joga na leitura.

Music Non Stop – A crítica do Pitchfork do seu álbum The Bells termina com a frase “The Bells traz bons momentos de volta à dance music. Está faltando diversão nas pistas de dança nos dias de hoje?

Kórnel Kóvacs – Eu tento não comentar publicamente as críticas das minhas músicas haha… Eu posso dizer que parece que de alguma forma existe uma certa divisão entre dance music “divertida” e “séria” hoje, é como se você tivesse o dever de fazer uma ou a outra. Não é assim que eu ou o meus colegas do Studio Barnhus vemos a situação, eu acho. Um outro jornalista escreveu recentemente, referindo-se ao label, que nós parecemos ser igualmente influenciados por Jeff Mills e Eurovision e isso parece ser verdade. Boa parte das minhas músicas me parecem tristes, porém as pessoas as recebem como leves e divertidas. Isso é totalmente aceitável, só estou dizendo que eu não tenho uma intenção definida de fazer música “divertida”, minha música Pantalón é uma exceção obviamente.

Music Non Stop – Você de certa forma homenageia o clássico álbum do Jeff Mills que tem o mesmo nome?

Kórnel Kóvacs – De certa forma sim. É claro que eu estava ciente da referência quando eu escolhi o título, eu só não esperava tantas perguntas a respeito disso. Eu tenho um grande respeito pelo Jeff Mills como produtor e como DJ, mas eu não passei muito tempo em contato com a música dele, mas eu estou ansioso de adentrar mais profundamente nela no futuro. Eu acho que eu sempre fui mais fanboy de Chicago do que de Detroit! Pra mim, o título do álbum veio da música The Bells of Death, do Augustus Pablo. Além do fato de que soa bem e fica legal no texto, é uma referência a Edgard Allan Poe também!

Music Non Stop – A sua música tem influência de algum artista pop sueco? Cite alguns artistas locais que você gostou (ou tem vergonha de ter gostado) quando estava crescendo, por favor.

Kórnel Kóvacs – Claro, sou um grande fã do pop sueco como Bob Hund, Fattaru e ABBA e todos eles me influenciaram de formas diferente – sem vergonha nenhuma.

O grupo ABBA, talvez o produto de exportação mais famoso da Suécia, serviu como influência para Kórnel. Quem nunca?

Music Non Stop – A Suécia tem uma longa tradição na música eletrônica, indo de grandes nomes do hard techno ao EDM, incluindo uma vasta lista de nomes bastante proeminentes no techno como Axel Boman e você mesmo. Como é realmente o cenário hoje em dia?

Kórnel Kóvacs – É bastante como sempre foi – pequenas, aglutinadas e produtivas em termos de músicas sendo feitas e álbuns sendo lançados. A cena dos clubes e das raves varia entre períodos de força com períodos de seca no intervalo, mas falta o apoio da sociedade, com os promoters encontrando grandes desafios tanto no âmbito financeiro como no âmbito legal.

Eu acho que houve uma mudança no cenário sueco por volta da época que começamos o Studio Barnhus em 2010 – na época que os antigos deuses suecos da rave como Adam Beyer, Jesper Dahlbäck etc e seus labels não estavam realmente ancorados, e uma nova geração começou a se movimentar. Nós começamos nossa operação por volta do mesmo período em que Aniara, Geography Records, Karlovak, Skudge etc começaram a andar. Todos nós nos conhecemos e tocamos nas mesmas festas e assim por diante.

Axel Boman, Petter Nordkvist e Kornél Kovács, do selo Studio Barnhus

Music Non StopThe Bells realmente transpira diversão na pista de dança, talvez por causa de todos os sinos, samples de vocais e por diversas vezes uma sensação de disco music. Você revisitou vários discos vintages procurando referências para o álbum?

Kórnel Kóvacs – Eu não posso dizer que sim, mas eu tomei cuidado ao selecionar os samples – apesar do processo de encontrá-los ser bastante randômico, eu gosto de ver um bom equilíbrio entre diferentes samples num trabalho meu, não somente usando discos antigos, mas também discos novos, gravações de campo, clipes do Youtube…

Music Non Stop – Você viaja bastante a trabalho, então, por favor me diga pra onde você acha que o cenário da música eletrônica está indo agora? Parece que a EDM está cada vez mais perdendo força e as pessoas estão procurando por algo mais underground…

O samba e outros sons brasileiros estão fazendo coisas similares ao que a house e o techno fazem há um bom tempo, acredita Kórnel

Kórnel Kóvacs – Eu acho que de várias formas isso está ficando cada vez menos separado do cenário da música “normal” e isso tem seus prós e contras, é claro. Se ampliar a perspectiva dos músicos e DJs e permitir mais efeitos interculturais, isso é bom. O que pode se perder é o senso de autonomia e urgência que a nossa cultura domina, mas eu não estou preocupado com isso, novas coisas underground e interculturais vão sempre surgir dos lugares mais inesperados. Numa escala mais ampla, falando de música moderna de modo geral, eu acho que vamos ver uma moda de autenticidade nos próximos anos, como uma reação a todos os sons de estádio, horrores de EDM que vêm dominando a música pop ultimamente. Similar a como o movimento grunge surgiu, em contraponto aos pomposos rocks de estádios do final dos anos 80.

Music Non Stop – Você tocou algumas vezes no Brasil, quais são as suas impressões do cenário da música eletrônica no país?

Kórnel Kóvacs – Eu aprendo coisas novas toda vez que venho, principalmente passando tempo com o Gop Tun, que parecem ser os responsáveis por grande parte do que está acontecendo. Parece ser vital. Existe música e dança em todos os lugares do Brasil e, por mais cliché que possa parecer, o samba e várias outras formas de expressão brasileiras estão fazendo coisas similares ao que a house e o techno fazem há um bom tempo, e isso obviamente é uma vantagem.

 

Claudia Assef

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Autora do único livro escrito no Brasil sobre a história do DJ e da cena eletrônica nacional, a jornalista e DJ Claudia Assef tomou contato com a música de pista ainda criança, por influência dos pais, um casal festeiro que não perdia noitadas nas discotecas que fervilhavam na São Paulo dos anos 70.