SP na Rua 2017: enquanto tem gente falando que a noite acabou, a rua mostrou que o rolê tá só começando

Jota Wagner
Por Jota Wagner

E rolou! O SP na Rua – que você pode também chamar de “A Virada Cultural que deu certo” – mais uma vez transformou o Centro de São Paulo num grande festival de música reunindo coletivos dos mais diversos e atuantes da cidade e muita, muita gente a fim de dançar.

Apesar da previsão de chuva para a noite toda, parece que São Pedro não só lê o Music Non Stop como interpretou direitinho nossa indireta na matéria da semana passada sobre o evento. Noite quente do começo à aurora, sem um pingo d´água caindo do céu.

O Centro de São Paulo se comporta como um belo anfitrião para o SP na Rua, recebendo bem todas as tribos da festa

Talvez a maior diferença entre a Virada Cultura e o SP na Rua, dois eventos interessantíssimos para a cultura e para a revitalização do sentimento de amor e posse do Centro da cidade, seja a megalomania. A Virada se mostra sempre algo muito maior do que a Prefeitura é capaz de gerenciar. Apesar de ter o tamanho de São Paulo, a magnitude do line-up, na prática, acaba atraindo erros. Descentralizar o evento, como aconteceu este ano, só aumentou o problema.

Além disso, o público que precisa correr atrás de um determinado evento geralmente o trata com mais carinho. Entende-o com mais valor. Afinal, com exceção dos núcleos de festas que tinham seu público seguidor, se somando e se misturando lindamente no SP na Rua, não havia nenhuma super-estrela, nenhuma incrível banda dos anos 70 retornando exclusivamente para o evento ou uma celebridade do techno mundial. O “time sem estrelas joga mais no coletivo”, com o perdão da metáfora futeboleira.

Praça do Patriarca lotada pra ver os DJs da ODD tocando junto com o núcleo Metanol

A percepção dos coletivos que trabalharam nas duas edições é de que o público aumentou ligeiramente. “Sim, houve um aumento de público. Pelo menos do meu ponto de vista e meu roteiro deste ano e do ano passado. Além de não ter visto nenhum problema de violência, nenhum. Se houve, não vi e não fiquei sabendo. O SP na Rua é bem tranquilo quanto a essa questão, mas este ano se superou!”, conta Bruna Borges, produtora do coletivo Trance de Rua, que ocupou o Boulevard São João até as oito da manhã do domingo.

Segundo a produtora do Trance na Rua, o evento deste ano foi ainda mais pacífico do que o do ano passado

Distribuir o evento a um povo acostumado a ocupar locais públicos na raça, e fornecendo alguma estrutura e um dinheirinho, também transforma o SP na Rua em algo mais especial. Afinal, foi deles a responsa por entregar uma pista de dança mais caprichada ao público. O DJ Puppa Nasty, do Favela Sound System, tocou no palco Reunion Of Dub e depois circulou pelo festival todo. Puppa destacou o “o esforço dos coletivos em trazer artistas jamaicanos pro Brasil, e a humildade desses artistas, que estavam circulando pelo SP na Rua e se apresentando de graça, no melhor estilo “diversom” em diversos palcos, dando suas palinhas. Esse corre todo escancara o cuidado com que os coletivos cuidaram de seus palcos. Alô, Prefeitura, atenção para a riqueza que esta rapaziada pode dar à cidade também no resto do ano!

Acostumados a tirar leite de pedra, os coletivos tiveram que relevar alguns descuidos da Prefeitura ao exaltar o SP na Rua. O público sentiu dificuldade na sinalização do evento, e os banheiros não estavam necessariamente nos locais indicados pelo mapinha. Além disso, houve queda de energia num dos palcos mais bombados, Dando/Dûsk por uma falha no gerador que durou quase uma hora. “A quantidade de banheiros era pouca, não tinha sinalização dos palcos e não tinha polícia”, ressalta o artista plástico XTO. A falta de sinalização incomodou mais gente ouvida pelo MNS. “Não dava pra saber em qual palco você tava especificamente, se não fosse por uma organização pessoal da galera que constrói a festa”, conta Paloma Cassari, que passeou por todas as locações.

O mar de gente que foi dançar ao som do coletivo Batata Eletrônica!

“Pisei na rua meia-noite com essa turminha da foto e nosso roteiro foi coisa de 500 metros; da Mamba/Coletividade Namínia até a ODD/Metanol e a Dûsk/Dando. A festa distribuia água grátis, era a única com fumaça (ajudou no clima) e o DJ Matlchique arrebentou como sempre. Na ODD peguei o final do live com o Marcio Vermelho e como canta bem a Ivana Wonder, hein?! A Mamba tinha uns platôs em níveis e foi bom para reencontrar a turma, já de final. Eu adoro aquelas malucas que dançam em cima das caixas de som, que bom essa moda-performance nas festas, que colou e ficou. Mas os trombadinhas de bicicleta na Praça do Patriarca tava chato”, diz Danilo Poveza, redator publicitário e clubber.

A turma de Danilo Poveza circulou pela Mamba/Namíbia, Dûsk/Dando e ODD/Metanol. Tudo ótimo, mas faltou policiamento

Quando o assunto sai da infra e entra na expressão artística, dá pra notar que o envolvimento é o novo preto. Paloma nos conta que “deu pra dar um rolê por quase todas o que foi muito massa. Para mim estava diverso, o som estava surpreendendo em quase todos os lugares por onde passava”. “Vi mais libertação da galera da forma como eles se vestiam. Roupas mais agressivas como que para demonstrar seu descontentamento (com a forma com que a sociedade lida) com a sua manifestação de sexualidade”, diz XTO. A gerente de marketing Renata Gomes também notou essa atitude de pertencimento e ocupação: “Em grupos, casais ou mesmo sozinhos, ocupamos o centro de São Paulo como se estivéssemos em nosso clube preferido”.

A diversidade também saltou aos olhos neste SP na Rua. Eram muitas mulheres, trans e negros em posições de destaque, em tempos em que não basta falar, é preciso dar espaço e voz às minorias. Graças à produtora Mariana Boaventura, que calculou a equidade entre mulheres e homens no evento, soubemos que, dos 20 palcos do SP na Rua, apenas três tinham menos de 10% do line-up composto por mulheres. Segundo as contas de Mariana, o SP na Rua tinha um line-up composto 38% por mulheres, um número a ser comemorado quando comparado a tantos festivais e festas que parecem esquecer das mulheres DJs e produtoras. Ponto pro SP na Rua!

Cashu (esq.) e Amanda Mussi, duas minas fortes à frente de palcos. Na foto, as duas aparecem no after, após o evento. Foto: Caio Calejon

Ou seja, a “conspiração” para fazer com que o paulistano enxergue e se apaixone pela beleza do seu Centro está dando certo. No caso do SP na Rua, o combo ainda inclui o reconhecimento ao pessoal que faz este trabalho por toda a cidade na unha, seja com festas de rua, com raves urbanas, com ações inclusivas e tudo o que possa passar a mensagem de que é preciso dar vida às ruas justamente vivendo-a.

Rodrigo Bento, da Pilantragi: a cidade precisa de ações que integrem pessoas de diferentes regiões, e o SP na Rua tem esse papel

Rodrigo Bento, do coletivo Pilantragi e conhecedor da coisa, crava: “A integração entre pessoas de diferentes regiões interagindo no Centro com seus moradores e lugares históricos promove uma vivência única. O SP Na Rua é prova de que a cultura e a arte sempre serão catalizadores de mudanças positivas. A cidade precisa de ações assim.” Lacrou.

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.

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