Sónar 2019: choque de gerações e futuro “trapeiro”
TEXTO: AMANDA FOSCHINI
“Não tem nada para ver agora”
“Mas quem é essa que tá tocando?”
“Nossa, não sei nem dançar essa música”
Essas foram algumas das frases que pipocavam entre o meu grupo (de veteraníssimos da vida e de Sónar) durante a última edição do festival que aconteceu no fim de semana passado em Barcelona. Tudo foi diferente dessa vez: as datas, o clima, o público, a saúde, o lineup. Ser diferente não carrega nenhum juízo de valor em si mesmo. A estranheza deste ano teve a cor que cada um deu para ela: houve quem adorou descobrir um novo espectro musical e houve quem decidiu repensar a relação com os festivais por já não se sentir tão parte desse mundo.
Desde o começo, foi clara a intenção do Sónar de se alinhar com o público da nova geração e conquistar os ingressos de amanhã. A média de idade dos participantes costuma ser um pouco maior que a de outros festivais e, em algum momento, essa turma vai pendurar as chuteiras e abrir espaço para os que vem depois: uma galera jovem e muito conectada com o trap, rap, hip hop e o grime. Sons urbanos que colocaram lá na cabeça do lineup artistas como Bad Bunny e Bad Gyal, protagonistas de alguns dos maiores shows desta edição.
Bad Bunny capitaneou o SonarClub, o maior palco do Sónar Night e coroou o trap no reino da eletrônica. Trouxe também a música latina para o centro da conversa com milhares de pessoas cantando em castelhano, coisa até então impensável em um evento como esse. Bad Gyal comandou o principal palco do Sónar Day no sábado, jogando em casa, e saiu de lá como a rainha europeia do perreo. Quem não conhecia, viu, gostou e entendeu que mi pussy es el poder também na Espanha.
Do outro lado desse rolê, a turma de mais de 30 se viu desorientada no meio de tanto frescor juvenil. “Cadê a melodia? E a música eletrônica? A história de moderninhos curtindo trap não era uma piada?” se perguntava a velha guarda do festival enquanto rodava o recinto em busca de algum canto dançável. A situação, incomum em um festival conhecido por ter um lineup que não dá respiro, possibilitou algumas descobertas agradáveis e outras constatações não tão felizes. A música experimental segue em boas e jovens mãos: K Á R Y Y N tombou um auditório silencioso com sua voz angelical e uma performance de narrativa poderosa; a presença de palco de Deena Abdelwahed (escutem essa mina!!!) convidou o público a mergulhar e se render ao seu techno soturno e fez dela uma dos destaques do festival. Por outro lado, a idade e os ouvidos acomodados aos sons confortáveis, por momentos, não deixaram a velha guarda se encontrar com algumas novidades. Teve gente de ouvido já engessado que não conseguiu pegar no tranco da modernidade.
Foram momentos como o set do Artwork, o pregão de 6h de Floating Points, o live do Underworld e o b2b de Louie Vega e Honey Dijon em que os mais vividos agradeceram o baile alcançado. E foi baile para doer a canela. Artwork amansou a ansiedade do primeiro dia com latinidades e iguarias, Floating Points cozinhou todo mundo deliciosamente no único refúgio do house durante toda a primeira noite, Underworld deu um abraço nostálgico nos muitos jovens dos anos 90 e Louie Vega e Honey Dijon disseram ao povo que o house fica, com direito a Donna Summer já com o dia raiando. Menção honrosa a Daphni que fez um set delícia ainda na quinta-feira, mas que só foi visto por essa jornalista dia depois na transmissão da Culturebox.
Problemas geracionais à parte (cada um que se entenda com seu ano de nascimento), o lineup -ainda que incomum- foi consistente. O Sónar segue em direção ao que considera ser o futuro da “música avançada”, como seu próprio nome diz, independente do saudosismo de uns e do purismo de outros.