Tom Bloch, banda gaúcha que marcou a cena independente no começo dos anos 2000, ganha tributo com 12 artistas de todo o país
Entrevistamos Pedro Veríssimo (Tom Bloch) e Leonardo Vinhas, curador do disco.
De quantas maneiras é possível contar a mesma história? Com quantas narrativas se faz uma memória?
Buscar outras vozes para narrar uma história é, sobretudo, um exercício de reencontro (e reencanto) com o mundo. Ultimamente, isso também tem sido feito como um ato político: é preciso contar a história a partir das margens. E, para além; é preciso quebrar essa dicotomia centro-margem, abrindo um espaço polifônico para as narrativas.
Felizmente, há pessoas dispostas para tal. Às vezes, o deslocamento do olhar vem quando menos se espera. Uma conversa no bar, por exemplo, pode pôr em xeque toda uma ideia pré-concebida sobre quem está no centro contando uma história. Foi exatamente assim que nasceu o projeto (cabe assim chamá-lo pois “álbum” não daria conta) Sob a Influência, que resgatou a história do rock brasileiro dos anos 2000 pelo olhar da banda gaúcha Tom Bloch.
A história da banda
Ao sentar – virtualmente, é óbvio – com Leonardo Vinhas (idealizador, produtor e catalisador do projeto) e Pedro Verissimo (vocalista e compositor da banda) em uma tarde de sábado, a primeira pergunta que veio à mente é: por que um tributo à Tom Bloch? Ao contrário do que se podia imaginar, – uma resposta um pouco amarga envolvendo adjetivos como “injustiçada” e “esquecida” – Leonardo disse simplesmente: “porque a Tom Bloch foi a última grande banda”.
A última grande banda é quase uma banda de garagem: nasceu no fim dos anos 90, mas, em vez de uma garagem, os amigos se reuniam para tocar em uma fábrica de doce de leite em Porto Alegre. “Eu gostava muito mais de entrar para ver os tonéis de doce de leite do que pra tocar”, relembra Pedro.
O embrião adocicado da Tom Bloch era apenas uma brincadeira entre amigos que tocavam covers de músicas da época. Mas a coisa começou a ficar séria em 1999, quando um outro amigo musical, Charles di Pinto, voltou dos Estados Unidos com algo que ninguém tinha: um estúdio dentro de um computador – o tal do Logic. O rascunho da canção Nossa Senhora foi o ponto de partida para que eles começassem a desvendar o universo musical digital. “Nós não tínhamos nenhum objetivo concreto com aquela gravação, era apenas para testar o equipamento. Era eu e Charles gravando o que viria a ser Nossa Senhora”, conta Pedro. Aos poucos, ele foi chamando os outros amigos – o baixista Guilherme ‘Sapo’ Dable, o guitarrista Gustavo Mini e o baterista Iuri Freiberger – para criar e gravar os outros instrumentos. E assim nasceu a Demo Deluxe, lançada no final de 1999.
Essa inocência e curiosidade diante da novidade tecnológica foram decisivas para o som da Tom Bloch. O caráter experimental da banda veio de um lugar instintivo, da descoberta; de uma vontade de futuro. Por isso eles não cabem no que ficou conhecido por rock gaúcho: enquanto as outras bandas buscavam no passado a sonoridade para o presente, a Tom Bloch olhava sempre adiante. Pedro conta que eles foram comparados ao Radiohead. “Na época, nós não entendemos muito bem o porquê. Hoje em dia eu vejo que há muitas coisas parecidas nos conceitos e nas experimentações”.
Sob a Influência: O tributo
Em dez anos de atividade, a Tom Bloch deixou 22 canções ao todo, divididas em dois álbuns homônimos. Mas, para além da obra, o que constituiu a essência da banda foram os shows. “Conheço gente de todo o país que viu a Tom Bloch ao vivo, e o show ficou muito marcado na memória de todo mundo”, conta Leonardo, que (ainda) não foi uma das pessoas agraciadas por essa experiência. “Você pode até não se lembrar das músicas de cabeça, mas certamente lembra do show”.
Curiosamente, foi em 2020 – momento extremo oposto aos shows – que o tributo à banda, batizado de Sob a Influência, tomou corpo. No ano anterior, Leonardo havia proclamado que “a Tom Bloch foi a última grande banda de rock brasileiro” em uma mesa num bar em São Paulo, ao lado de Iuri Freiberger e Fernando Rosa (organizador de um festival que sediou um dos shows inesquecíveis da banda). E ali Leonardo se deu conta de que precisava começar a contar a história da década decisiva para a música independente brasileira sob o olhar da Tom Bloch.
Para isso, ele fez uma minuciosa seleção de artistas de todo o país, levando em consideração quem já era fã da banda e quem não tinha tanta intimidade com ela. “Alguns artistas, como a Érika Martins e Ana Clara, já conheciam muito bem a trajetória da banda. Mas outros não conheciam e foi uma oportunidade para eles estudarem e explorarem as músicas”, explica Leonardo.
A produção se desenvolveu ao longo de 2020 e, coincidência ou não, se assemelha muito ao processo criativo da própria Tom Bloch. “Procurei convidar artistas que eu sabia que conseguiriam gravar em casa, e isso deu liberdade para que pudessem experimentar muitas coisas”, diz o produtor. Pedro conta que só soube do tributo quando estava prestes a ser lançado. “E foi uma ótima surpresa ver as pessoas reinterpretando as canções de uma maneira muito própria, mas sem perder o que a Tom Bloch tinha”, conta.
O resultado são 12 canções, reinventadas por artistas de diversos estados brasileiros, com lançamento do selo Scream&Yell no primeiro dia de abril. A masterização ficou por conta de Rodrigo Stradiotto (exceto em “Sob a Influência”, por andre L.R. mendes) e a arte da capa é de Pedro Bopp.
Participam do tributo: Érika Martins, O Fio (R. Stradiotto & L. Pellanda), Albaca, Meio Amargo, Kassin, Ana Clara, Beto Só, Fábio Cardelli, Filipe Vianna, andre L.R. mendes, Vivian Benford, Andrio Maquenzi e Animal Interior.
“Thalassocracy”: A faixa bônus
Além das reinterpretações, Sob a Influência conta com uma faixa inédita da banda, disponível apenas para quem fizer o download gratuito do álbum. Thalassocracy, canção de Black Francis do Pixies, foi gravada pela Tom Bloch em 2004 para o que viria a ser um disco em homenagem ao músico. A gravação barulhenta aconteceu na casa de Michel Vontobel madrugada adentro, com um colchão na porta do quarto para isolar o som. Só mais tarde a banda descobriu que os pais de Michel dormiam no quarto ao lado. A versão definitivamente não entrou para o álbum na época e acabou sendo engavetada. Quando Leonardo soube da história, imediatamente decidiu inclui-la no tributo.
Sob a Influência não é simplesmente um álbum que resgata a história de uma banda que ficou no lado B da década passada. É um convite à criação e recriação de uma narrativa sob um olhar que ainda não conhecíamos bem o suficiente. E só através de um trabalho como esse é capaz de nos trazer lentes tão potentes para que enxerguemos a grandeza das histórias não-contadas.