Senzala Hi-Tech por José de Holanda

Senzala Hi-Tech: ‘Vivemos um tempo onde se posicionar é cada vez mais importante’

Fabiano Alcântara
Por Fabiano Alcântara

Com uma década de carreira, a banda afrofuturista Senzala Hi-Tech reforça a união do rap com a cultura afro-brasileira em seu segundo disco, Represença, que sai nesta sexta (9). Com forte questionamento político e social, a liberdade sonora na construção musical e o tom crítico e de contestação nas letras são as principais marcas do novo projeto do grupo formado por Diogo Silva (vocalista e compositor), MC Sombra (vocalista e compositor), Minari (produtor musical) e Junião (percussionista).

Com bases no rap futurista mescladas ao dub, samba, reggae e sons da África às Américas, o disco traz as influências musicais e culturais ainda mais condensadas com o objetivo de trazer uma música brasileira mais leve e dançante.

“A ideia é unir esses ritmos e trazer um som novo, sem deixar de lado as nossas ideias e o que acreditamos. Vejo o Senzala não só como uma banda, mas como um instrumento de luta e comunicação em busca de equidade em um mundo cada vez mais injusto”, comenta Minari. “Tentamos trazer pra discussão não só a luta do povo preto, mas de todas as minorias que juntas se tornam maioria. Essa busca por união e vontade de quebrar paradigmas me mantém instigado a fazer parte desse projeto”, complementa o produtor.

Represença tem oito faixas, sendo quadro delas inéditas e as demais já antecipadas ao público desde 2018 (Chá das Cinco, Bozolândia, Mercadores da Meia Noite e Terra da Pilantragem). O disco tem como objetivo transmitir ao público a seguinte mensagem: “Desconfiem de soluções fáceis. Primeiro questione, depois reflita e depois questione novamente”. As músicas, escritas por Diogo Silva e MC Sombra, abordam a violência como geração de lucro, os mercados proibidos que socialmente são legais, a conjuntura política nacional e a liberdade do corpo.

“As letras nos remetem a como agimos a determinadas informações e como somos frágeis para interpretá-las. Entender que a corrupção é ambidestra, não tem lado e é mais antiga que o Brasil. É necessário que o país seja violento para que alguém possa vender segurança e é sobre isso que falamos: práticas antigas que ganham novas roupagens com novo personagens”, diz Diogo.

“O Senzala é o resgate dos valores do homem negro com menos acesso dentro da sociedade, como a falta de acesso a formação educacional e adentrar ao ramo de trabalho mesmo depois de uma formação acadêmica. É a continuidade das nossas ancestralidades nas músicas afroculturalmente falando”, comenta MC Sombra.

Definida como uma grande mistura de tecnologia avançada nas produções musicais com o toque ancestral do tambor – cultura que faz parte de matrizes africanas – a banda Senzala Hi-Tech é fortemente influenciada pela música e pelas artes visuais da África às Américas. Na linha de frente com a percussão, mas também responsável pelas artes do grupo, Junião conta que o grupo vai além da mistura das batidas do hip hop aos diversos ritmos herdados de todos esses povos.

“Queremos unir afrobrasilidades e afrolatinidades, somar a sonoridade e a história do jongo, do coco e do maracatu às sonoridades da salsa, do dub, do funk, da música árabe, do samba e do que mais tiver a ver com a gente. Sempre absorvendo influências desse caldeirão de culturas que é a cidade de São Paulo”, afirma.

O disco conta com diversas participações como Duani (baixo e cavaco), Renata Jambeiro (voz), Raphael Gomes (violão), Didi (percussão), Daví Índio (baixo), Conrado Bruno (trombone de vara), Rodrigo Bento (sax barítono), Paulo Kishimoto (teclados), Natan Oliveira (trompete), Emílio Mizão (guitarra), Toca Ogan (percussão). No dia 10 de agosto o Senzala Hi-Tech se apresenta no Festival DeMo Sul, no palco AlmA, em Londrina.

O Senzala Hi Tech

A formação da banda faz parte de sua essência de misturas e ideais. Há 10 anos, depois de levar a medalha de ouro no Taekwondo pelos jogos Panamericanos em 2007, Diogo Silva une a paixão pelos esporte com a música ao criar o Senzala ao lado de MC Sombra, Minari e Junião. “É muito comum os atletas terem uma ligação forte com a música. Elas nos acalmam, concentram, dão força. Eu escutava muito “Se Tu Lutas, Tu Conquistas”, do SNJ (lendário grupo de rap do MC Sombra) e quando o conheci tivemos a ideia de fazer esse som, trazer isso à tona”, conta Diogo. “No início eu tinha pouco tempo para ficar no Brasil. Em 2017 fui morar na África do Sul, a influência negra ficou ainda amais latente e, foi nesse momento, que compus parte do single Na Terra da Pilantragem”, complementa.

Da zona norte de São Paulo, MC Sombra trabalha sua carreira com três frentes: solo, grupo SNJ (Somos Nós a Justiça) e Senzala Hi Tech. Entregue à música, o denominador comum é levar entretenimento e cultura sempre na luta pelas identidades e contra os desequilíbrios sociais e raciais. “O Senzala é uma grande diversidade musical que traz culturas embasadas nas letras e que busca despertar a autoestima da população. Nossa música é a afirmação de homens e mulheres negras na sociedade”, explica o MC.

À frente da produção musical do grupo, Minari também faz parte do SNJ desde 2010 e tem longa história em eventos pela cidade de São Paulo, onde conheceu Sombra e Diogo. “Temos 10 anos de caminhada, é um casamento que deu certo, temos muito respeito um pelo outro e antes da ligação profissional somos amigos e isso torna tudo mais fácil”, reflete. “É o nosso primeiro disco e nasceu em uma época em que não podemos nos dar ao luxo de ignorar as questões políticas e sociais do Brasil, vivemos um tempo onde se posicionar é cada vez mais importante e isso reflete muito no nosso trabalho”, diz o produtor.

O percussionista Junião também é cartunista e responsável pelas artes da banda. “Arte para mim, é de onde tudo começa. É como eu raciocino, e como eu enxergo o mundo a minha volta”, conta ele. Com referências que começam a arte europeia do começo do século XX, pintores cubistas, faustas e surrealistas, passando pela arte africana, pelos muralistas mexicanos e chegando até ícones da resistência e luta antirracista como Emory Douglas, ilustrador e designer dos Panteras Negras, Junião declara: “Para o disco, pensei no começo, na origem, na raiz das coisas todas, o que nos faz presentes e o que nos conecta”.

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