Frankie Knuckles estava lá quando a “bebê” house music nasceu

Se o eletrônico morreu? Há controvérsias

Claudia Assef
Por Claudia Assef

Neste 2011 que está para acabar, muito se falou, inclusive neste espaço, sobre o fim da música eletrônica, ou melhor, de sua transmutação para o pop a ponto de afastá-la totalmente de suas raízes.

Imbuída de um espírito investigador, esta coluna foi atrás de entrevistar dois nomes que ajudaram a construir os alicerces da dance music – cada um à sua maneira, ambos com muita popularidade. O primeiro, o DJ Frankie Knuckles, esteve no Brasil durante o festival SWU, e o outro, Liam Howlett, fará por aqui, dia 10/12, show com sua banda, Prodigy. Vamos às conversas.

Um dos criadores da house music, o americano Frankie Knuckles estava lá quando toda essa história de discotecagem e de sair para dançar começou. Ele foi parceiro do finado Larry Levan, considerado por muitos o DJ dos DJs de todos os tempos. Portanto, Knuckles, mais do que ninguém, viu modinhas nascerem e morrerem, novatos virarem estrelas e agora acompanha a tecnologia mudar completamente o jeito de se fazer e consumir música. Por e-mail, ele falou à coluna.

Frankie Knuckles estava lá quando a “bebê” house music nasceu

TECNOLOGIA E DISCOTECAGEM

“Acho que a tecnologia facilitou o serviço para que qualquer pessoa consiga, por exemplo, unir as batidas de duas músicas sem fazer nenhum esforço. Mas uma coisa que ela não te ensina é a habilidade de contar uma história com a música que você toca. Um set sem alma, por mais bem mixado que seja, pode se tornar uma chatice sem fim. Sem as mudanças necessárias, feitas no tempo certo, se torna muito monótono ouvir um DJ, vira um barulho contínuo que ninguém aguenta – a não ser que se esteja doidão, é claro.”

INSPIRAÇÃO NO PASSADO

“É um movimento natural. Há um interesse enorme em torno do som que se fazia no começo da house. A nova geração de DJs e produtores tem buscado inspiração na ‘velha guarda’ para trazer um novo fôlego às produções atuais. Acho saudável.” Entre os nomes da nova geração que ele recomenda ir atrás estão os DJs Dimitri From Paris, o carioca Memê, o inglês Grant Nelson, e as duplas K.O.T. (Kings of Tomorrow) e The Shapeshifters.

SUPERAÇÃO DE LIMITES

Não é exagero dizer que Knuckles teve que se reinventar ao longo da carreira. Em 2008, ele teve um dos pés amputados por conta de complicações relacionadas à diabete: “Tive que me adaptar para continuar tocando, mas agora está tudo certo. Acho que a maior dificuldade foi lidar com a maneira como as pessoas passaram a me ver desde o que aconteceu. Dei duro para retornar o mais perto da normalidade possível sem fazer com que as pessoas em minha volta se sentissem desconfortáveis com minha situação. Mas, acredite, estou bem melhor assim do que estava antes”.

PARA ONDE VAI A MÚSICA ELETRÔNICA?
“Não tenho a menor ideia. Mas só posso esperar que ela melhore. A tecnologia trouxe coisas maravilhosas. Agora, cabe a todos os DJs e produtores que estão fazendo música em seus quartos darem um passo adiante. É preciso criar mais músicas memoráveis”, finalizou. Está dado o toque.

Liam Howlett prefere não ter artistas fake como Britney no dubstep

EFEITO PRODIGY

Não resta dúvida de que o Prodigy tem uma química forte com o Brasil. Basta lembrar o que aconteceu no Skol Beats de 2006, quando o grupo foi o maior responsável por arrastar quase 60 mil pessoas ao evento, gerando correria, tumulto e confusão momentos antes de subirem ao palco. Pelas minhas contas, o Prodigy já esteve no País pelo menos quatro vezes. A primeira apresentação, em 98, teve que ser cancelada por conta do desmoronamento do palco do festival – o Close Up Planet – e eles só voltaram no ano seguinte. De lá pra cá, os shows do Prodigy por aqui sempre tiveram um efeito avassalador. Com a palavra, Liam Howlett, do trio fundador deste grupo formado em 1990 em Essex (Inglaterra), que se tornou sinônimo de música de rave. Brasil & Prodigy.

“Acho que o brasileiro é muito festeiro e consegue extravasar sua energia, por isso combina muito com a gente. Nossos shows aí são sempre muito caóticos, as pessoas gostam mesmo de dançar, e acho que isso tem tudo a ver com a gente. Em alguns países, o Prodigy não vai tão bem, se as pessoas são mais contidas, não entendem o nosso som. Mas esse com certeza não é o caso do Brasil. Estamos fazendo bem menos shows do que fazíamos antes, pra poder nos concentrar na gravação do próximo disco, mas um convite pra tocar no Brasil é muito difícil de recusar”, disse o tecladista, na entrevista que fizemos por telefone. O Prodigy toca dia 10, na festa de 15 anos da rave XXXperience, na Fazenda Maeda, em Itu (mais informações em www.xxxperience.com.br).

DUBSTEP É VIDA
“Para mim, a música eletrônica está superviva, e muito disso graças ao dubstep. É isso que considero uma das coisas mais legais da música eletrônica; ela está sempre mudando. O dubstep represent uma nova fase. Acho que o gênero trouxe uma energia nova para a dance music. Eu ficaria muito atento ao (americano) Skrillex, que está fazendo coisas bem interessantes. Por exemplo, está produzindo o novo disco do Korn, e certamente sairá alguma coisa bacana dessa parceria. Pode ser que o dubstep não dure muito tempo, mas será importante para promover uma transmutação na música eletrônica. Não precisamos de artistas ‘fake’ como Britney Spears ou Christina Aguilera fazendo dubstep pra provar que ele é relevante.”
NOVOS RUMOS

“Não pensamos muito em fazer coisas que quebrem paradigmas, queremos fazer nossas músicas, sabe. Sempre quisemos ficar o mais longe possível das fórmulas da dancemusic. Claro que é legal soar atual, mas não nos impomos essa obrigação. Não queremos pertencer a uma nova cena, nem mesmo criar uma. Para o Prodigy, o importante é fazer nossa música soar bem nos shows ao vivo e, claro, manter viva a chama do underground, porque é lá que gostamos de estar.”

SANGUE NOVO

“Acho fundamental trazer gente nova para a música eletrônica. Não acho que rock esteja cumprindo esse papel, então cabe aos artistas de dance music atrair a atenção da molecada. Uma coisa é certa, as pessoas sempre vão querer sair pra dançar em festas em clubes e ouvir música alta. Portanto, sempre haverá espaço para a música eletrônica evoluir. Mesmo que hoje o espaço esteja sendo ocupado por artistas mais pop, o fundamental é saber que há público. Agora é preciso que mais gente interessante bote a cabeça para funcionar para criar coisas boas e relevantes.”

TEXTO ORIGINALMENTE PUBLICADO NO ESTADÃO DE SÁBADO, 26 DE NOVEMBRO DE 2011

Claudia Assef

https://www.musicnonstop.com.br

Autora do único livro escrito no Brasil sobre a história do DJ e da cena eletrônica nacional, a jornalista e DJ Claudia Assef tomou contato com a música de pista ainda criança, por influência dos pais, um casal festeiro que não perdia noitadas nas discotecas que fervilhavam na São Paulo dos anos 70.