Scarlett Johansson Scarlett Johansson. Foto: Reprodução

Isso é muito ‘Black Mirror’: Scarlett Johansson vira vítima da própria personagem

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Em 2013, no filme Her, atriz emprestou sua voz a um programa de Inteligência Artificial

O conhecido clichê “a vida imita a arte” acertou em cheio a atriz estadunidense Scarlett Johansson na última semana. A artista ficou chocada quando amigos lhe avisaram que a nova versão do software ChatGPT, o GPT-4o, lançado pela empresa Open AI, vinha com uma interface de respostas em áudio cuja voz era exageradamente parecida com a sua.

No programa, perguntas podem ser feitas ao seu sistema de chat nativo, e as respostas podem ser recebidas em áudio, em tempo real, simulando uma conversa com um robô. Cinco opções de vozes estão disponíveis aos usuários, e uma delas, chamada Sky, lembra muito a voz de Johansson. A semelhança não foi mera coincidência. Sam Altman, chefão da Open AI, havia procurado a atriz quase um ano antes, propondo um contrato de licenciamento de sua voz. Alegando “motivos pessoais”, a artista declinou.

A facada final veio com uma postagem de Altman nas redes sociais compartilhando a notícia da atualização do ChatGPT. No texto, apenas a palavra “her”. Em uma cena digna de um filme, ou de seriado aos moldes de Black Mirror, Scarlett Johansson viu uma de suas personagens ser abduzida para a vida real.

Em Her (no Brasil, Ela, lançado em 2013), a atriz divide com Joaquin Phoenix a história de um solitário que se apaixona por um sistema de computador — uma espécie de Alexa turbinada. Aos poucos, o personagem de Phoenix vai se confundindo sobre o quão real é a sua assistente virtual. A voz, como dissemos, é de Scarlett Johansson.

Para a atriz, o peso de perder a propriedade de sua própria voz para a companhia que tenta recriar uma interação homem-máquina é ainda mais funesto justamente por ter cantado a bola, com dez anos de antecedência, para uma tecnologia que tinha o potencial de bagunçar a sanidade mental de um ser humano, principalmente daqueles com certas lacunas sociais, como a dificuldade em interagir com outras pessoas.

Situações de confusão como a de Theodore Twombly, interpretado por Phoenix, têm sido denunciadas frequentemente, tanto nos cinemas e séries, como na vida real. Quando uma rede de lojas de varejo brasileira lançou sua assistente virtual para ajudar nas vendas, chamada “Lu“, coisas estranhas começaram a aparecer nas conversas. A empresa precisou expor algumas situações vexatórias encontradas na plataforma, como forma de denúncia de machismo. Clientes enviam cantadas grosseiras, declarações de amor e até convites para sair ao avatar, mesmo tendo a empresa deixado bastante claro que se tratava de um personagem virtual.

Por mais que Spike Jonze, diretor de Her, tenha avisado há dez anos, dá para ver que não foi suficiente para que o mundo se preparasse para a tecnologia que está chegando. Nem os usuários da internet e, pelo jeito, muito menos os cientistas e empresários do setor. Afinal, Altman não pensou duas vezes em reproduzir a voz da atriz mesmo sem sua autorização. A mídia espontânea causada pela polêmica trouxe à sua empresa uma exposição muito rentável. Após as reclamações de Johansson, o empresário tirou a voz de Sky do ar.

“Quando eu escutei a demonstração divulgada, fiquei chocada, brava e descrente que o senhor Altman buscasse uma voz que soasse tão estranhamente com a minha, que meus amigos mais próximos e veículos de mídia não pudessem notar a diferença”, disse a atriz em comunicado enviado à imprensa.

Artistas estão em meio a uma luta para regulamentar o uso deste tipo de tecnologia, principalmente na questão de identificar a quem pertencem as fontes originais do que é usado para “ensinar” máquinas a elaborarem vozes, músicas, desenhos e textos. O avanço do poder de convencimento dos softwares tem sido mais rápido do que o dos legisladores.

Se você ainda não assistiu a Her, o filme vale pela diversão. Como aviso sobre os perigos da tecnologia, já é tarde demais!

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.

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