Texto: Gustavo Tata, especial para o Music Non Stop
Fotos: I Hate Flash e divulgação
Todo mundo já sabe que o Rio é uma cidade maravilhosa, de encantos mil, com paisagens absurdas e que tem muitos rolês-dia-praia-água-de-coco. É fácil desfrutar de tudo que Ele deu pra gente: basta sair de casa, catar uma “eco bike” e sair por aí. O que talvez as pessoas ainda não saibam é o quanto a cena de música eletrônica cresceu e vem crescendo nos últimos, digamos, 20 anos. Quando eu penso no que se passou nesse período, me vem muita coisa bacana à cabeça.
O grande start na concepção desse novo cenário, que continua sendo construído por um monte de gente bacana que dá o sangue para oferecer diversão de qualidade (entenda por qualidade atrações com um mínimo de conceito, de “alma”), foram as saudosas festas Delírio, que aconteceram, inicialmente, no Clube Mourisco, em Botafogo, e depois subiram o Morro da Urca, povoando um dos cartões-postais mais importantes da cidade, com uma mistura classuda de techno e house da melhor qualidade.
Apesar da cidade ter sido o cenário das icônicas festas Val-Demente (um marco na cena eletrônica da cidade nos anos 90) e algumas outras não tão famosas mas também memoráreis, como a que teve ninguém menos que Ru Paul no line-up, produzidas pelo superclubber visionário Jeff Neale (ele foi o responsável pela vinda de Madonna pela primeira vez ao Brasil), era a primeira vez que o techno ganhava maior dimensão, elevando as festas ao nível “big event”.
Muita gente de peso passou pelas pompudas festas do Mr. Shai, um israelense que caiu de paraquedas em um belo sábado de Carnaval, se apaixonou pela cidade e resolveu fincar suas raízes aqui por essas bandas. Estiveram nos decks da Delírio: Derrick Carter, Sterac, Ritchie Hawtin, Ricardo Villalobos, só para citar alguns.
Nessa mesma época, nascia uma das festas que, mais tarde, tomaria conta da cidade: a MOO. Oriunda das profundezas da pistinha mais underground do Rio de Janeiro, o Dama de Ferro, a empreitada do querido trio Bruno Guinle, Eduardo Christoph e Diogo Reis rapidamente caiu nas graças da galera que curtia um som diferente daqueles que estavam sendo tocados nos outros lugares. Em pouco tempo o clubinho de Ipanema, onde o Dama (como chamavam os íntimos) ficava, ficou pequeno e a MOO, após algumas edições interativas, aportou nas Casas Franklin, onde permeneceu durante um longo tempo. Foi uma época maravilhosa, onde o público teve acesso aos artistas mais legais daquele momento, isso inclui: toda a leva de artistas do minimal – Ritchie Hawtin (tá em todas!), Magda, Hearthrob, Konrad Black, Steve Bug, Luomo etc. E ainda a turma da, então recém-chegada, space disco (ou nu disco): James Murphy, Who Made Who, Juan McLean e o casting dos selos DFA e Gomma em peso.
De lá pra cá, muita coisa aconteceu: antigas festas morreram e muitas outras nasceram. A nova geração colocou a mão na massa e a cidade passa por um momento muito interessante, onde vários núcleos de produção de festas coabitam o cenário atual, produzindo eventos, trazendo um monte de DJ gringo bacana, oferecendo música de primeira para o público. A grande novidade do momento é o surgimento do núcleo de festas RARA. Com flyers maravilhosos, locações absurdas — uma das edições foi no gramado do Maracanã! — a festa dos queridos Francisco Frondizi e Filipe Raposo é o suprasumo do mundinho clubber carioca e vem reunindo uma galera bonita, jovem e, principalmente, interessada na música que toca em suas caixas de som. A primeira edição contou com ninguém menos que o bombástico Derrick Carter, seguido pelos lendários Derrick May e Carl Craig.
A Noon, festa vespertina mensal da turma do selo Tropical Beats, que acontece no clube mais charmoso do balneário, o 00 (lê-se zero zero), arrasta uma multidão de jovens que vão atrás do deep house classudo que habita seus decks. Nessa mesma onda, a Rio Me também leva uma massa que está a fim de dançar até o sol raiar — e às vezes até muito depois disso — até o MAM, para curtir, além do som funkeado, uma das vistas mais bonitas da cidade, a da Baía de Guanabara.
Também tem opção para quem prefere o calor e o escurinho das pistas dos clubes. Nesse quesito, o Fosfobox se mantém firme como o principal reduto do underground, recebendo algumas das festas conceituais mais legais do momento. Dois dos pricipais núcleos do techno carioca nasceram por lá: a 4Finest Ears e a Just Follow. O release da 4Finest enfatiza o fato do “soundsystem decente” ser um fator primordial na realização dos eventos. De fato, isso já foi um problema por aqui. Já a Just Follow tem sempre uma estética apurada na concepção de todo seu visual e das locações das festas. Ambas buscam trazer em seus line-ups nomes conhecidos do underground.
Na ala “disco music e afins”, a Rebu chegou de mansinho, na extinta Casa Daros, e aos poucos se firmou com um dos nomes fortes da cena e vem investindo pesado não só em seus line-ups, mas também nas locações, como a que rolou em um enorme estúdio fotográfico no Cais do Porto. Nesta edição-mini-festival rolaram três pistas e vários live acts, dentre eles o comentado Tinta Preta, projeto paralelo da eterna musa do eletroclash Liana Padilha. Teve também a apresentação do classudo Gilb-r, uma metade do duo francês Chateau Flight. Ainda falando de disco music, a MOO, agora reduzida, vem prodizindo edições gratuitas no Aterro do Flamengo, arrastando uma multidão para os jardins do parque projetado por Burle Marx. Se você estiver pela cidade quando for rolar alguma, não perca!
Como não poderia faltar, as batidas quebradas também continuam em alta na cidade do funk carioca e do Miami Bass. É inegável a influência que esses estilos exercem na música eletrônica feita e tocada por essas bandas. São três núcleos locais nessa área: a Wobble é a casa do trap, enquanto a Brazilian Wax e a Breaks misturam os beats quebrados com tudo que tenha suingue e DNA black. Elas são, de longe, as que reúnem frequentadores mais jovens, que estão atrás do som pesado tocado pelos DJs residentes. As locações variam entre os clubes, ruas e praias — definitivamente as festas gratuitas tomaram conta dos parques e ruas. Nada mais compreensível em uma cidade que dispõe de tantas locações naturais como o Rio.
Ainda nessa onda, outra festa que vem criando um buxixo enorme é a Rebola, com seu som afro-electrotribal, misturado a referencias da música brasileira, candomblé e música latina. O produtor João Penoni vem arrastando uma penca de gente descolada, despretenciosa, que tá a fim de dançar um bate-tambor.
Seria impossível falar de todas as festas e eventos em um único post, existem ainda festivais, shows e outras festas. Mas acredito que esse seja uma visão geral do que vem rolando por aqui. Ainda tem muita coisa para melhorar e é bem claro que o amadurecimento da cena ainda está distante. O caminho a ser percorrido é longo mas a cada produtor que aparece trazendo novas ideias essa distância diminui. Agora basta escolher a sua balada e se jogar.