Papatinho - MPC (Música Popular Carioca)

MPC (Música Popular Carioca)

Papatinho

Funk brasileiro | 2025

9/10

Jota Wagner
Por Jota Wagner

 

Aos 38 anos — 18 após estrear oficialmente no mundo da música com o álbum Ataque Lírico ao lado do ConeCrewDiretoria —, Tiago da Cal Alves, o Papatinho, crava o definitivo ponto final nas discussões sobre o funk brasileiro. Em MPC (Música Popular Carioca), o produtor apresenta um documentário em formato de música, apresentando, ao mesmo tempo, uma linha do tempo do gênero musical e apontando seu horizonte.

MPC é um álbum emocionante. Inteligentíssimo, o artista teve diversas sacadas simultâneas em relação ao movimento cultural que o alimenta, e teve a manha de botar tudo em um álbum só. Honrou a história do funk, algo que acontecia de forma pulverizada aqui e a ali, muitas vezes contada por acadêmicos de universidades falando em nome do povo da quebrada. Resgatou a sonoridade de um equipamento fundamental na produção funkeira, a bateria e sampleadora Akai MPC, e por tabela ainda trabalhou para o definitivo encafonamento da misoginia, praga no gênero que alguns ainda insistem em perpetuar.

No que diz respeito ao referido documentário entregue pelo cara, o álbum é emocionante. Papatinho reunião um baita bonde, com nomes de várias gerações, para colaborar em suas 11 músicas. E o time é de respeito. A introdução já começa com uma homenagem às vinhetas da Furacão 2000, equipe de baile que virou um verdadeiro conglomerado econômico que envolvia gravadora, produtora de TV e, de forma bem carioca, plataforma política que elegeu vereadores, além de produzir incontáveis eventos pela cidade. O cartão de visita está bem claro. A partir dali, a história do funk, inclusive em suas técnicas de produção (viva a MPC!) são revisitadas pelo artista. Seguindo a audição do disco, um desfile de talentos novos e antigos, underground ou superpop, como Anitta, Fernanda Abreu e Kevin O Chris, por exemplo. Um festão.

A chegada de MC Cidinho na terceira música (SOLTA O PANCADÃO), é de chorar. Ao pagar tributo ao funk melody, o produtor carioca começa uma jornada que acompanhará toda a obra: lembrar a todos que suas letras podem fazer muito mais do que exaltar o comportamento de “tomar tapa na cara de bandido”, da “novinha” que quer se inserir socialmente no ambiente dos bailes. Cidinho canta sobre a angústia em encontrar a ex no meio da pista de dança. MPC, mais do que tudo, humaniza a cena funk. Abre portas, por exemplo, para uma cantora de repercussão mundial se despir da personagem sensualizadora e se apresentar como uma mulher como qualquer outra. Em CONJUNTÃO DE TIME, Anitta fala sobre amor e primeiro beijo, enquanto admite que a “gostosa, malandra” é, na verdade, “uma menina carente”.

Exatamente no meio do álbum, Papatinho cola em Fernanda Abreu, Naldo Benny, BK’ e Chernobyl para mandar o seguinte recado: PASSE A RESPEITAR. Desembrulha-se aqui o ponto final. O funk é a música eletrônica brasileira, reconhecida intencionalmente (já que brasileiro é doido por uma validação gringa), produzida com competência por uma batelada de talentos de estúdio. Se alguém ainda tinha uma dúvida sobre isso, basta ouvir a bateria e os baixo sintetizados de MPC, um disco que se equipara a trabalhos da era de ouro de gravadoras cult, como Astralwerks e Ninja Tune.

Mas há componente extra: os caras do The Future Sound of London ou do Coldcut não precisavam cozinhar horas em ônibus da Linha Amarela ou nos calhambeques da Auto Viação Suzano, onde Papatinho cresceu após deixar Tijuca com a família. Não precisavam, tampouco, lidar com uma câmbio de uma moeda cinco para um na hora de tentar comprar uma MPC que, usada, podia ser adquirida em Londres a preço de uma semana fritando hamburgueres. Por isso e tantas outras diferenças, o funk sempre foi furioso, agora servido para modernetes curiosos do primeiro mundo com o rótulo de exótico.

Do começo ao fim, MPC é ao mesmo tempo aula, celebração e constituinte da música popular carioca. Uma linha de trem urbana que finalmente faz a ligação entre a Miami de Battery Brain e a Cidade de Deus de MC Cidinho & Doca. Trens que foram fundamentais para a articulação do movimento negro no Rio de Janeiro, desde os tempos da Banda Black Rio. Curiosamente, a penúltima música se chama MELÔ DO TRENZÃO.

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.