Enquanto muitos festivais quebram, Way Out West tem recorde de público em 2024
Lalai Persson traz os destaques da edição mais recente do festival indie sueco
Gosto de festivais que pensam além do quadrado onde acontecem. O Way Out West já estende o tapete vermelho na calçada, com a área verde da entrada funcionando como uma área de descanso. Trams (bondes) lotados param enfileirados para deixar uma multidão animada na frente do Slottsskogen. Até aqui, tudo é perfeito, já que o parque onde o festival acontece fica no centro de Gotemburgo. Antes mesmo de cruzar o portão de entrada, nos deparamos com ativações de marcas, música, food trucks e brindes sendo distribuídos ao público.
Uma tensão rolou antes mesmo do evento começar, com muitas reclamações nas redes sociais: a polícia proibiu a entrada de qualquer tipo de bolsa, sacola ou mochila em eventos públicos na Suécia, por conta de preocupações com o terrorismo. No máximo, era possível usar uma pochete pequena de 10 cm x 15 cm. Para contornar o problema, o WOW encheu a área externa do festival com lockers coloridos, deixando a entrada ainda mais bonita.
Apesar de parecer um perrengue inicial, a solução funcionou bem. Era só usar um QR Code impresso em grandes placas espalhadas pela área verde para desbloquear um locker, e pronto — era gratuito. Após atravessar o portão, um estande vendia eco bags do festival a um preço simbólico (3 euros) para quem quisesse ter onde guardar seus pertences. Aqui vale uma ressalva: todo o dinheiro arrecadado com a venda de merchandise é doado para uma instituição. Uma marca de cartão de crédito disponibilizou um grande locker na área interna, que já estava lotado no meio da tarde.
Logo na entrada tem um skate park concorrido e um cinema para quem quer se refugiar do barulho. Uma entrada discreta leva para o palco dedicado à música eletrônica. Eris Drew & Octo Octa fizeram um set animadíssimo para uma plateia lotada que chegou cedo no primeiro dia. O sol estava a pino, o céu azul-piscina. Aparentemente, o tema da pista era espelho. Cabine do DJ espelhada, palcos quadrados espelhados para dançar e bar também espelhado. Banheiros aos fundos, e na lateral, uma ativação de marca criava um dos ambientes mais bonitos: um lounge no meio de uma floresta cheia de globos espelhados de todos os tamanhos com um bar, redes, puffs e tapetes. Deu vontade de ficar por lá.
Para chegar aos dois palcos principais, posicionados um de frente para o outro, é possível escolher entre dois trajetos, mas o mais bonito deles é à beira de um lago, com diversos lugares para sentar e mergulhar na natureza. Afinal, estamos falando da Suécia, onde a natureza faz parte do dia a dia.
No final desse lago, há bares e uma das várias áreas de alimentação, onde as mesas são todas enfeitadas com luzes e flores. À frente, encontram-se bares de drinks, um deles com um club escondido, áreas de descanso, pequenas arenas, muitos espaços espelhados para photo opportunity e um pequeno e concorrido campo de golfe. Um grande bar de cerveja artesanal ostenta diversas torneiras para alegria dos entusiastas.
No último dia, descobri um bar de vinho, onde a bebida era vendida em garrafa e servida em taças de vidro, muito bem-decorado em uma tenda que parecia estar ali há anos. Animado, com música, o bar atraiu a audiência mais velha do festival (como eu), que passou horas por lá, rindo alto e colocando o papo em dia.
Ao longo dos anos, é perceptível o aumento de marcas patrocinadoras. Elas estão por todos os lugares, não necessariamente de maneira discreta. As ativações são, na maioria, simples. Quanto mais simples, mais filas elas atraíam. Eu tratei logo de encarar a fila de uma marca de cosméticos de luxo para ganhar uma bela maquiagem, digna da beleza do Way Out West.
Entre tantas ativações, uma chamou a minha atenção pela simplicidade e eficácia: a empresa sueca de bondes oferecia uma tatuagem temporária de um bonde no cóccix em troca de um bilhete de loteria para concorrer a ingressos para o Way Out West 2025. A fila era imensa!
Muitas marcas ficam dispostas no grande corredor que leva da entrada até o palco principal, e outras ocupam uma grande área atrás de um dos grandes palcos, formando uma área dedicada a experiências. A verdade é: a beleza minimalista de outrora deu lugar a um grande shopping center a céu aberto com tantas marcas enfileiradas disputando o público que passava na frente.
A área de imprensa e a VIP dividem o mesmo espaço. Fica escondido atrás de um segundo lago, à margem do segundo maior palco do festival. Quem não tem acesso não vê nada desse espaço, mas ele esconde um palco médio para shows exclusivos e um lounge com DJs, além de ativação de marca também por lá, como um salão de cabeleireiro de uma das marcas patrocinadoras, bares e um restaurante. No fim do segundo dia, talvez o mais cheio, mesmo a área VIP estava intransitável e com filas de banheiro imensas.
Após ler que o Way Out West teve recorde de público somando 70 mil visitantes únicos em três dias de festival, eu me perguntei o que faz dele um sucesso enquanto assistimos a vários festivais consolidados quebrando e anunciando o seu fim, como o Melt!, o maior festival indie da Alemanha, que fez sua última edição no mês passado.
O WOW é um festival com apenas 17 anos de existência. A curadoria sempre é impecável, juntando nomes consagrados e uma lista enorme de artistas emergentes, além de não deixar de fora artistas clássicos da Suécia. Abraça diferentes estilos sem medo e garante aos amantes de música eletrônica um palco só para eles, oferecendo uma curadoria bem diversificada.
O festival continua agradando pessoas de diferentes gerações. Notam-se muitas cabeças com cabelos brancos — e não da loirice sueca —, assim como um público muito jovem. Para ter uma ideia, meus sogros se juntaram a nós no segundo dia.
Além da curadoria musical, a cada ano que vou ao Way Out West eu noto melhora na oferta de comida e bebida. Também tem muitas áreas para relaxar, o que sinto falta em vários outros festivais que frequento, que pecam por exigir que o público não fique parado. Soma-se a isso o fato do festival oferecer boa acessibilidade e ficar num parque no meio da cidade de fácil acesso. Eu, que não estava na região central, pegava dois bondes sem precisar esperar muito e fazia o trajeto completo em 35 minutos.
Uma das ativações mais legais do festival é a possibilidade de se casar nele com toda a infraestrutura necessária. São escolhidos três casais via inscrição para terem seus casórios sacramentados. Cada dia de festival, um casamento, e cada selecionado ganha cerimônia, fotos e mais dez ingressos no total para celebrar a data.
Os preços são preços de festival. Dos tickets a tudo que é vendido por lá, nada é barato, afinal estamos falando da Suécia, onde a bebida alcóolica é controlada pelo governo. Uma cerveja comum custava cerca de 8 euros, enquanto uma taça de vinho custava entre 8 e 15 euros. A comida tem preço médio de 14 euros, é sempre bem-servida e de ótima qualidade, além de ser vegetariana. Este ano, alguns funcionários do festival reclamaram que foram proibidos de levar carne em suas marmitas. O que você acha disso?
A qualidade de som também é impecável. Enquanto no Sónar sofremos um pouco com o som baixo no show do Air tocando Moon Safari, que me fez largar os amigos e ir para a frente, no WOW o som estava perfeito. Abri mão de ficar na grade e fui ver de trás, que oferece uma visão mais completa e bonita do palco. Foram duas músicas a menos no setlist em relação ao festival catalão — Venus e Electronic Performers —, mas que não impactou na entrega primorosa da banda.
Uma boa surpresa no primeiro dia foi o show do James Blake, substituto do The Smile, que cancelou a turnê. Eu, que já fui grande fã do produtor britânico, andei torcendo o nariz por sua incursão pela música pop, mas o show provou sua grandiosidade ao vivo. O brinde foi um cover de No Surprises, do Radiohead.
Revi o Yves Tumor pela terceira vez, e foi a primeira que gostei mais ao vivo do que no estúdio. Com banda de apoio, o músico americano cresceu no palco. Fez um show curto bem enérgico em que tocou músicas do último álbum e seus hits Kerosene!, Echolalia e Gospel for a New Century, mas deixou a esperada Limerence de fora.
PJ Harvey também não decepcionou, mesmo com cara de poucos amigos. Estava vestida com um dos meus figurinos favoritos de todo o festival. Diferentemente do show solo que tem feito, apresentou diversas músicas do último álbum Inside the Old Year Dying, mas várias de seus trabalhos dos anos 1990, como Angelene e Dress. Para fechar o show, nos presenteou com uma sequência de canções do álbum To Bring You My Love (1995), evocando seu lado mais rock’n roll.
Jack White foi confirmado de última hora ao substituir o Queens of the Stone Age, que também cancelou a turnê. Apesar de adorar a banda, gostei da troca. White tocou 6 músicas do novo álbum No Name, que, ao vivo, soa muito como White Stripes. Tocou diversas da banda formada com Meg White, me fez cantar junto com Steady, as She Goes, da sua fase com o The Racounteurs, e levou a plateia ao delírio ao fechar o show com Seven Nation Army.
Quando os portões fecharam e a muvuca se formou para tentar entrar num bonde, a fila já virava o quarteirão para quem se aventurou em ir conferir o show do Thurston Moore na edição noturna do festival. Não conseguimos entrar, claro!
Enquanto o primeiro dia foi ensolarado e perfeito, o segundo amanheceu anunciando uma tempestade que duraria até o fim da tarde, mas mesmo a chuva intensa não fez o público desistir. Foi o dia mais cheio, afinal, era quando se apresentaria a grande atração desta edição, Fred Again. Ver o Way Out West saltar de 50 mil para 70 mil pessoas em uma edição foi um sufoco. Apesar de ampliarem uma área para dar conta de 20 mil pessoas a mais, o gargalo ficou nos corredores que conectam todos os palcos, já que não tinha para onde aumentar o espaço nessas áreas. Foi um perrengue e, talvez a minha idade já avançada me fez ficar irritada com o empurra-empurra no fim do dia.
Foram vários os destaques do segundo dia, começando pelo grande baile disco promovido pela diva Jessie Ware. É fantástico acompanhar a sua evolução ao vivo. Enquanto num Primavera Sound distante ela se apresentava sozinha num palco, que parecia improvisado com uma decoração cafona, neste ela entrou acompanhada por banda e muitos dançarinos. Para a nossa sorte, a chuva deu trégua e o sol saiu para fazê-la brilhar naquele palco imenso. No Linée, o segundo maior palco, tocava o L’Imperatrice para uma audiência abarrotada, em um show com uma vibe muito similar à da Jessie.
National of Language foi a surpresa do dia com sua aura anos 198o, quando seus integrantes sequer tinham nascido, com muito sintetizadores e o vocalista carismático Richard Devaney. O trio, formado no Brooklyn em 2016, é muito bom ao vivo. Como já li, The Wall & I é a melhor música do LCD Soundsystem que não foi escrita e nem produzida pelo LCD Soundsystem. Se a banda passar pelo Brasil ou por qualquer cidade que esteja no seu radar, não deixe de vê-la.
Eu perdi, mas o meu marido e os sogros assistiram o show da sueca Ellen Krauss e afirmaram ter sido um dos melhores do dia. Nascida no ano 2000, Krauss é hoje uma das maiores cantoras pop da Suécia. Fica na lista para conhecer.
Com dois palcos principais, raramente há gap entre um show e outro. Enquanto um está terminando, o outro está começando no palco em frente. No entanto, o cantor de hip-hop sueco Oskar Linnros não cumpriu o combinado e atrasou sua apresentação em dez minutos, prejudicando a entrada do Pulp. O resultado foi uma performance mais curta e muita reclamação nas redes sociais. Ainda assim, a banda de Jarvis Cocker, que fez questão de reclamar também do mal-educado do Linnros, foi um dos pontos altos do WOW, e o mais bonito do segundo dia.
Eu começava a dar adeus ao Way Out West 2024, já que o dia seguinte não estava na minha programação. Lamentei perder o novo momento do André 3000, mas escolhas. Como fã que eu não era, fiquei prostrada por quase uma hora para ver a entrada do Fred Again. Quis entender o hype em cima do produtor britânico, que começou sua carreira em 2020 gravando diários musicais durante a pandemia, explodiu, gravou seu grande hit Marea (We’ve Lost Dancing) ao lado da Blessed Madonna e tem todas as suas gigs esgotadas.
Arrepio só de lembrar da sua entrada linda, a mesma que tem feito em todos os seus shows, abrindo com uma versão intimista de Kyle (I Found You), tocando-a num solo de piano. Todo mundo ao redor parece prender a respiração, aguardando o momento em que o show explodirá na sua frente.
O show é um constante crescendo, com Fred conversando e rindo com o público, fazendo nos sentirmos cada vez mais próximos a ele. É em Danielle e em adore you que o público explode! Antes de começar esta, ele conta que a música é uma homenagem à sua irmã. Já percebo pessoas enxugando as lágrimas, cantando juntas e soltando gritos histéricos.
A grande beleza do espetáculo, e provavelmente de todo o hype em cima do artista, está em como ele nos faz sentir como se estivéssemos em sua casa. Eu, que tinha planejado ficar por meia hora, não consegui me mexer. A produção é megalomaníaca ao mesmo tempo que é intimista. As projeções de seus amigos cantando ou conversando no telão nos fundos do palco nos fazem sentir ainda mais perto de Fred Again, que conta muitas histórias entre uma canção e outra.
Continuo não sendo fã de suas músicas, mas a forma como ele nos faz pensar em nossos amigos, família e na nossa casa é o que faz o seu show ser tão especial. Ele nos conecta com tudo ao nosso redor e nos faz sentir presentes. Cafona, eu sei, mas foi a apresentação que mais me emocionou de todo o Way Out West. Entendi sua grandeza e o hype merecido. Ele é o verdadeiro Simpaticão da Boate. Não vejo a hora de vê-lo ao vivo again, again, and again!