DJs contam histórias constrangedoras protagonizadas por gente sem noção em cabines de todo o Brasil

Claudia Assef
Por Claudia Assef

Sexta-feira à noite, todo mundo quer dançar. A pista está cheia, a música tá boa, os DJs, animados. Tudo lindo. Até que uma pessoa se aproxima da cabine fazendo um gesto de “preciso falar com você”. Eu chamo pra perto. Ela vem e solta: “a house music que vai tocar hoje é tipo eletrônico?”. Eu digo: “Não entendi”. E ela: “A HOUSE MUSIC QUE VAI TOCAR HOJE É TIPO ELETRÔNICO?”.

Totalmente em choque eu respondo: “Olha, hoje a festa é meio que anos 70 e 80. Vai até o bar, pede um drink bem forte que com certeza você vai entender melhor a música que eu tô tocando”. O que eu estava tocando? Coisas tipo Sheila & B. The Devotion, ESG, Chic… a festa era uma ode à disco music. Ou seja, custava ler o e-flyer ou perguntar pra hostess, filhinha?

Esse foi apenas um exemplo light do que rola de mais sem noção em pistas de dança de norte a sul do Brasil. Lembrei de outro DJ que há pouco tempo reclamou de um fato nas redes sociais, só que no caso dele foi bem pior. Fala, DJ Patife.

Vou reproduzir aqui algumas partes da fala do Patife, porque são muito importantes. A uma certa altura ele fala: “você que tá na minha pista. Eu toquei alguma música que não te agradou? Irmão, irmã, essa é a hora de você ir tomar um drink, ir xavecar alguém, ir comer alguma coisa ou ir no banheiro. Se você vier até mim e eu não conseguir atender o seu pedido, por favor, me respeita. Assim como eu, outros DJs batalharam demais pra conseguir estar nesse palco, nessa cabine”. E ele continua: “Antes de xingar, tacar coisas, garrafa, pedaço de carne que estava comendo, não perca seu tempo. Antes de xingar, de pedir. Olha ao seu redor. E vê se de fato é só você que tá infeliz com o DJ. Não faça isso não… Respeita. Respeita”.

Gente, ENTENDEU? RESPECT THE DJ.

Entre 2003 e 2004, havia no Brasil uma associação que tinha como objetivo fomentar e difundir a cena eletrônica, que naquele momento passava por maus momentos, sofrendo muitos ataques da mídia – segundo matérias do Fantástico, por exemplo, toda semana “DJs eram presos vendendo drogas em raves”. A AME (Associação Amigos da Música Eletrônica) lançou nessa época um programa de redução de danos nas boates de São Paulo, que incluía o personagem Sem Noção. A ideia era difundir conceitos como “respeite o DJ”, “não passe dos seus limites com álcool e drogas” etc.

Tinha até um videozinho que ficava passando nas boates, que era assim.

Campanha Sem Noção, da AME

Mas parece que ninguém lembra mais do Sem Noção e os casos de gente causando nas cabines por aí têm se multiplicado. Pensando nisso, o Music Non Stop foi ouvir DJs de vários estilos pra saber qual foi a coisa mais surreal que já aconteceu enquanto eles estavam tocando. Eis as pérolas.

DJ MARKY

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A falta de noção e de respeito com a gente tá sendo gigantesca. As pessoas não leem o flyer mais. Muitas vezes as pessoas chegam na festa e não sabem que tipo de som vai tocar. Então elas acham que vai tocar, sei lá, funk ou pop… E daí chegou eu. Tá complicado. Tem coisas bizarras que sempre rolam, desde minas querendo subir na cabine pra pegar o teu fone e fingir que estão tocando pra tirar selfie até os sem-noção que não leem o flyer e chegam na noite e acham que a festa é deles. Mas isso estou falando de duas, três pessoas, né? Teve uma cena curiosa que aconteceu uma vez, na minha noite, Influences. O cara chegou e pediu pra tocar deep house. Se eu não me engano era Hot Chip. Eu falei: “amigo, você tá na festa errada, essa festa não tem deep house, aqui eu toco sons que influenciaram minha carreira”. Ele falou: “não tem problema, então, pega meu telefone, pluga aí e dá play”. Eu falei: “amigo, por favor, vamos fazer o seguinte. Quanto você pagou pra entrar?”. Ele falou: “tanto”. Eu tirei aquela quantia de dinheiro da minha carteira, dei pra ele e falei: “tá aqui o dinheiro, ó, pode ir embora”. Mais ou menos isso que aconteceu. O cara foi embora mesmo. E a festa ficou boa. O maior problema agora é que as pessoas vão no lugar da moda e não leem o flyer, então não sabem o que toca. Isso é uma pena.

RENATO RATIER

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Teve várias. Mas uma que foi bem impressionante foi um cara que uma vez puxou o CD de dentro do CD-J enquanto eu estava tocando. Não acreditei. O som começou a sambar, foi horrível. Eu peguei esse cara pela orelha e fui tirando ele pra fora do clube. Daí veio um amigo dele pra defender o cara. E eu falei: sai você também que a minha outra mão tá vazia. O cara foi tirado pra fora do clube e depois ficou morrendo de vergonha. Foi muito bizarro.

SONIA ABREU

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Sempre tem um ou outro que pede uma música fora de hora. Já me pediram pra tocar Fagner com a pista bombando! E também tem aquelas festas que muita gente cheirando, e o povo fica querendo que você vá pro banheiro acompanhar (risos) ou também eles pedem música e nem esperam ela terminar pra pedir outra. Isso porque esse povo fica muito ansioso, né? E é muito chato!

CINARA MARTINS

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No meio do meu set, uma pessoa pediu pra eu tocar banda Carrapicho e cantou: “bate forte o tambor, eu quero é tictictictictac” hahahaha.

PAULO TESSUTO

A coisa mais estapafúrdia que eu já ouvi de um pista people foi numa [festa] Capslock. Eu estava tocando e uma pessoa DJ chegou no after com os equipamentos de som (computador, etc) e disse: “Oi vou tocar agora depois de você”. E já foi montando os lances. Por sorte o Laércinho estava bem atrás de mim e fez a linha segurança de cabine.

ANDERSON NOISE

Uma vez um político me pediu para anunciá-lo na festa com um texto em mãos. Ele colocou o texto sobre o toca-discos e me disse que, em troca, tocaria minha música no carro de som dele (risos, muitos risos).

RENATO COHEN

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Banhos de drinks e garrafadas à parte. Acho que são as que eu mais lembro. Fora isso tem a célebre frase: “tem alguma outra música além disso aí que você toca? Ou a variação: “Você vai tocar essa mesma música a noite toda? Acho que essas são as campeãs.

DJ MAGOO

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E eu tocando Pato Banton e me perguntaram se eu ia tocar reggae!

BENJAMIM FERREIRA

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Te mostro minha calcinha se você tocar Mr. Jones, do Counting Crows!

GLAUCIA MAIS MAIS

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Estava tocando deep lounge em um museu em Pinheiros em um lançamento de roupas de cama de linho e bordadas à mão por uma comunidade ribeirinha. Daí uma criatura veio e pediu pra eu tocar Victor & Leo.

FERNANDO MORENO

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Olha, já me esticaram o cartão de consumo e pediram drink uma vez no Lions (risos). E músicas nada a ver com o set que estou tocando isso tem direto. Pedem axé, funk… Uma vez chegou um bilhetinho pedindo ‘toca sia’ e no fim do set chegou outro ‘ poxa, você nao tocou sea’, já baleado haha.

PATIFE

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Coisa mais insana que passei num palco até hoje foi uma vez que um indivíduo começou a fazer gestos pra cada música que eu tocava, tipo “tira isso”. E ele foi se aproximando até que ele chegou bem rente à mesa de som. Depois de uns 20, 30 minutos de insistência. Até que eu toquei Tem que Valer, do Kaleidoscópio, na época era o maior hit nacional, tocava em todas as rádios. Daí esse cara subiu na ponta dos pés e colocou o dedo na garganta como se fosse vomitar, manja? Eu só sei que eu ceguei. Quando eu me dei conta eu tava em cima do cara, três seguranças tentando me tirar dali, e o (DJ) Julio Torres me puxando pra longe. Pra mim foi a coisa mais escrota que já aconteceu. De ambas as partes, inclusive da minha.

ANDY

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Nesses anos de cabine já aconteceu muita coisa inusitada, como as frases campeãs “toca funk”, “muda a música” e fazer sinais com as mãos. Mas a que destaco foi uma vez tocando num clube, pista bombando, tinha algumas pessoas próximas da cabine e atrás de mim, quando do nada surge um ser colado em mim, pedindo pra eu tocar a música X. Falei que depois tocaria, e o cara tão sem noção e bêbado que, quando abaixei para pegar o disco do case, o indivíduo atacou o mixer e ficou mexendo na equalização, fazendo toda a pose de DJ. Minha atitude? Só dei um belo jogo de corpo e ele não voltou mais.

MAU MAU

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Quando fui residente na noite Technova, que rolava às sextas no Lov.e, uma frequentadora muito entusiasmada resolveu se aproximar e observar meu trabalho, até aí tudo bem. Alguns minutos depois, em pleno momento de explosão musical, essa pessoa simplesmente tirou a agulha do vinil que estava tocando, proporcionando um silêncio assustador por alguns segundos.

E aí, vocês também têm histórias pra compartilhar? Mandem bala aí nos comentários!

 

 

Claudia Assef

https://www.musicnonstop.com.br

Autora do único livro escrito no Brasil sobre a história do DJ e da cena eletrônica nacional, a jornalista e DJ Claudia Assef tomou contato com a música de pista ainda criança, por influência dos pais, um casal festeiro que não perdia noitadas nas discotecas que fervilhavam na São Paulo dos anos 70.

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