Os bumbos-bomba batem no peito como um pega de banza forte. Bum, bum, bum, bum. Luzes laser, luzes de neon. Na fila do brinquedo, daqueles que te botam de ponta cabeça, os dois caras atrás de mim urram de empolgação em direção ao palco (o palco a uns bons 300 metros dali): “Uhuuul! U-huuuul!”. Logo menos, estou a 20 metros do chão, vendo o show das meninas do NERVO, e girando, girando, girando (tal como Berenice, segura!). O evento é o Electric Daisy Carnival (EDC), um dos maiores festivais de música eletrônica no mundo, em sua primeira edição em São Paulo e no Brasil, dias 5 e 6 de dezembro. Eu era virgem em festival de música eletrônica. Fui ver qual era. Curti.
Antes de continuar, explico. Este repórter curte som e é guitarrista de uma banda de rock. Rock é aquele gênero musical cujos fãs mais fundamentalistas são um troço chato demais. Eles escolhem uma banda preferida aos 13 anos e morrem achando que aquilo é a melhor coisa ever. Eles vão a festivais de música para prestigiar bandas gringas moribundas que vivem de glórias do passado (Smashing Pumpkins etc.) e ficam frustrados por “não ser a mesma coisa que antes”.
A última vez que estive no Autódromo de Interlagos (ah, o EDC aconteceu no Autódromo, a propósito) foi para ver Jack White e Robert Plant no Lollapalooza 2015. Queria poder dizer que foi do caralho, mesmo porque os ingressos custaram uma bica. Mas não. Há um tempo, o estilo vem se repetindo, inofensivo, meio estéril.
“Cara, você veio para ver quais DJs?”, perguntei a um maluco, no meio de um show no EDC de Martin Garrix, um EDM-sei-lá-o-quê. “Eu vim para ver o Tiësto e o NERVO… na verdade, eu vim para dançar, não importa o quê!”.
Genial: “Eu vim para dançar”. Enquanto o público do Lolla gasta energia para decorar o nome de suas novas bandas preferidas no dia anterior ao festival (BitComet/ search/ discografia completa), a galera aqui dedica fôlego para dançar. Mais honesto. “Me arranja um cigarro? Valeu, vamos dançar!”. Dançar com o corpo todo, não só balangando a cabeça.
Nenhum dos dois dias lotou (foram cerca de 40 mil pessoas por dia). Você circulava entre os três palcos sossegado, entre estátuas de cogumelo fluorescentes, seguindo um trio elétrico em formato de PacMan, parando para descansar ao pé de árvores cheias de luzinhas.
No segundo dia, caiu uma baita chuva no meio do set do Steve Aoki. Ninguém se importou tanto, além de mim (Allstar-aquaplay) e dos meus parças fotógrafos, que tiveram de proteger o equipamento da água. Um deles ficou revoltado ao ouvir de um maluco, “Essa chuva deu uma vibe muito foda pro EDC. Que lindo!”. Foi um lamaçal.
Uma garota australiana, linda e loira, em intercâmbio no Brasil, carregava o chinelo na mão. Lama no corpo inteiro, parecia saída do mangue: “Eu estava damçamdo muito forrrte na show de Skrillex. Está sendo muuuito bom!”.
Skrillex. O cara mandou bem. Tocou com a camisa do Corinthians e meteu sertanejo universitário (Eu Quero Tchu) e funk (Bololo Haha) para se aproximar do público. Esperto. Beats sujões. Foi uma das coisas que se salvou no palco principal, mais focado na farofada do EDM. No mais, pirei no som do Dubfire, um maluco estadunidense com ascendência iraniana, influenciado por Kraftwerk e Depeche Mode. Os dois palcos secundários tinham coisas interessantes: dub, house, drum and bass.
Fez frio nos dois dias. Ainda assim, uma boa proporção da população masculina circulava sem camisa. E de óculos escuros. Era como se os alunos mais campeões da Smart Fit tivessem se trombado na festa de fim de ano da Chilli Beans. Pessoas se fantasiaram como bichinhos, anjinhos, fadas, power rangers, abraçando o conceito carnavalesco do EDC. Gente se abraçando. Gente dançando como se não houvesse amanhã, como se não houvesse lama.
Uma das coisas mais bonitas da música é a capacidade de unir pessoas por meio de sentimentos comuns. Há música cabeçuda para fazer pensar, música de amor para fazer sofrência, música de viagem para transcender. No EDC, havia uma variedade de estilos dentro da música eletrônica, mas, no fim, as pessoas queriam mesmo era música para se divertir, e o festival se manteve fiel à proposta (o mundo anda um tanto feio aqui fora, e um escapismo, de vez em quando, é necessário). Esperamos uma nova edição em 2016.