Renato Cohen é de longe um dos maiores nomes da música eletrônica, mas só agora, em 2009, lança seu primeiro álbum – exatos dez anos depois de ter lançado o primeiro single, Funk, em vinil, pelo selo brasileiro Noise Music. O disco Sixteen Billion Drum Kicks (algo como 16 bilhões de bumbos) saiu “lá fora” (essa expressão é muito paga-pau) em junho pelo Sino, selo da reverenciada dupla Technasia, em CD, download digital e vinil triplo.
No começo de outubro, o álbum ganhou lançamento nacional, em CD, numa parceria da gravadora ST2 com o selo da agência de DJs 3 Plus. Da concepção até a finalização, Sixteen Billion Drum Kicks consumiu dois anos e meio, período em que Cohen começou um namoro empolgado com a disco music. “Disco music é o DNA da dance music”, diz o produtor e DJ paulistano, que deve estrear uma noite dedicada ao gênero no clube Hot Hot, nova empreitada que a ex-dona do Lov.e, Flávia Ceccato, inaugura em breve.
Cohen tem aberto seus sets cada vez mais para novas sonoridades, desacelerando batidas e incluindo até hits, como Thriller, do Michael Jackson. Para um cara que ficou conhecido no mundo da eletrônica por um som pesado, com grande enfoque nos graves, como o poderoso hit Pontapé, que fez seu nome famoso no mundo todo, tocar disco music e incluir hits nos sets demonstra uma grande vontade de mudar.
Antes de ir para Berlim, onde toca sábado que vem (7/11) num dos clubes mais fervidos do mundo, o Berghain, Cohen bateu um longo papo com o TDJS, sobre o novo álbum, celebridades que atacam de DJ, trabalhar com músicos pela primeira vez e a obrigação de fazer música para uma vida melhor.
TDJS – Pra começar, da onde vem o nome do disco, Sixteen Billion Drum Kicks?
Renato Cohen – A ideia era conseguir incluir tudo o que eu escuto no disco. Colocar tudo isso de um jeito meio techno, que é o que eu toco na maioria dos lugares. Na verdade, me vem uma imagem, uma constelação de bumbos. O bumbo é sempre um problema pra mim, eu sempre tenho que achar o “kick” certo. É o elemento básico da música eletrônica. Eu imaginei um cosmos musical formado por um conjunto de bumbos.
TDJS – Tem a ver com a capa do disco, meio hippie, né?
Renato Cohen – Não tem nada de hippie, você acha? Ninguém me falou isso, mas na verdade tem a ver. Não hippie, mas uma coisa orgânica. Essa volta do ser humano, de estar conectado com a natureza. Essa volta para nós mesmos, eu acho que é algo que está acontecendo. Tudo é mais orgânico, até o jeito de fazer música. A tecnologia faz parte da nossa vida de um jeito natural. A música eletrônica apareceu com essa coisa de ser estritamente sensorial. Ela não tinha nenhuma ideologia política, nenhum discurso. Era apenas música. Apesar do deslumbre tecnológico do começo, sempre foi uma coisa extremamente sensorial. Qual é a grande surpresa em fazer uma capa hippie, então? Encomendei esse desenho pra um amigo meu, queria que tivesse essa cara de disco dos anos 70, psicodélica, meio cósmica.
TDJS – Você tem tocado disco music por aí, como começou essa paixão?
Renato Cohen – Sempre comprei LPs de disco music, passei uma temporada em Berlim, em 2003, e comprei muitos. Comprava por doença de comprar discos, nunca pensei em tocar. De um ano e meio pra cá, comecei a ficar muito animado. Se você parar pra pensar, lá se vão 40 anos de dance music, é uma visão muito pequena você ficar preso a uma micro ideia. Antigamente, DJ era um cara que mixava muito bem. Hoje, com o suporte técnico que existe, não tem mais tanto valor mixar. Qual seria o único valor que um DJ tem? É a capacidade de mesclar tudo e colocar uma assinatura dele. Você pode ver um cara tocando uma música dos anos 70 numa festa de casamento e achar brega. E essa mesma música pode rolar num clube legal num momento X, e a casa cair. Isso é ser DJ: é saber a hora, o lugar, o momento de tocar cada música. E, se você não souber nem mesmo mexer no Ableton Live (software que permite fazer mixagens), pode contratar o seu “personal DJ”, como fez o Jesus Luz.
TDJS – Falando nisso, o que você acha dessas celebridades que atacam de DJ?
Renato Cohen – Eles estão mais é certos de fazer isso. O patético é o que acontece em volta deles. Dos anos 50 aos 90, o legal era ser cantor de uma banda. Se você não soubesse cantar, ia ter que desistir da carreira. No caso do DJ, é bem mais fácil. No máximo, o que você pode fazer de errado, é sambar [mixar errado] um pouco, quando você tenta passar de uma música pra outra. Esse Jesus não tem nem o que falar. Outros têm muito mais pretensão ainda. O problema não está com eles. Se o cara pagou pra ver aquilo, todos se merecem. Só não me convida, né? Em arte tem sempre uma discussão que diz “isso não é arte”. Em música, não, né, tudo é música. O cara faz uma música que é ruim, as pessoas falam que é ruim. Com o DJ isso funciona igual. O cara é ou não é DJ, não importa. Ou ele é bom ou não é.
TDJS – Voltando ao álbum, achei bem verão, brasileiro…
Renato Cohen – Acho que a característica de ser brasileiro está em receber informação de todos os lados, não ter um parâmetro. O brasileiro pega essa baderna toda e faz uma coisa com outra cara. Acho que a música tem que fazer a vida das pessoas melhor, a realidade já é dura demais. Como brasileiro, eu tenho obrigação de levar isso em consideração. Em países ricos, a música é só um adereço ou pode até funcionar pra criar um problema pro cara. No Brasil, já temos problemas demais.
TDJS – Você se cobrou pra fazer um álbum?
Renato Cohen – Sim, teve isso. E também a vontade de fazer uma coisa abrangente. Acho que o álbum é o jeito que você coloca isso dentro de um contexto que funciona.
TDJS – Ainda rola essa preocupação com o conceito de um disco?
Renato Cohen – Acho que fazer um disco como o Sixteen Billion… dez anos atrás teria sido loucura. Não ia funcionar um disco que fosse do techno ao samba-jazz. Hoje, acho que, como a música vem fácil, ninguém paga mesmo, a pessoa se arrisca muito mais. As pessoas têm um gosto mais aberto. Por que tem tanto valor um DJ que toca de tudo, que conhece tudo tão bem? As pessoas querem variar. Antes tinha essa limitação da grana, do cara não poder comprar de tudo, hoje, não. Mas isso ainda acontece com a massa, né, que foi treinada pra isso. Se você olhar a gravadora como um negócio, o interesse deles mesmo é ter aquele som genérico, igual a tudo. Manter uma mega corporação que dependa de cinco gênios, não é viável. O Brasil é o único lugar no mundo, que eu saiba, em que existem bandas que são lideradas por empresários. A mesma banda, com formações diferentes, faz três shows na mesma noite. É absurdo!
TDJS – Quais as principais influências identificáveis no disco?
Renato Cohen – Os elementos principais de dance music: disco, house, techno e até samba-jazz.
TDJS – Como foi trabalhar com músicos pela primeira vez?
Renato Cohen – Foi bem estranho. Estou acostumado com máquinas: você manda, elas obedecem. Mas, principalmente com o Marco Ribas, foi muito legal. Os músicos sempre vinham com coisas deles, idéias… Às vezes eram legais, às vezes, não. Eu não escrevo música, já eles escrevem as músicas no papel. Música eletrônica é muito mais sobre sonoridade do que harmonia. Não é uma coisa que você põe no papel.
TDJS – Você já é muito conhecido por seus lançamentos fora do país, como foi a recepção ao disco?
Renato Cohen – Foi legal, mas hoje é muito diferente. Não existe um lugar onde as pessoas vão pra conhecer música nova. Falta aquele conceito de loja, do cara te mostrar as coisas que estão saindo. Não existe mais esse centro. Essas lojas na internet não têm isso. Já reparei que toda vez que eu lançava um disco, o [DJ e produtor americano] Green Velvet tocava. Certamente ele ficava conhecendo numa loja. Hoje em dia ele não vai ficar sabendo do meu disco.
TDJS – Como as pessoas reagem quando você toca alguma faixa diferente no seu set, tipo Thriller?
Renato Cohen – Acho que faz parte você surpreender as pessoas. Sempre tem que ter alguma coisa inesperada que vai ser legal. Acho tudo tão previsível, me esforço pra levar essa coisa de tocar, fazer música, mexer com a atenção da pessoa. O jeito mais óbvio é tocar as “dez mais”, que elas já reconhecem. Sempre tive a teoria de que as pessoas querem ouvir o que elas já conhecem. O ser humano é totalmente baseado em reconhecimento. Antes eu achava que era uma coisa ruim, mas esse reconhecimento tem vários níveis, dá pra usar de uma forma boa.
PARA OUVIR
Ouça Sixteen Billion Drum Kicks no MySpace de Renato Cohen
PARA VER
Noite Fuego!
Sábado, 31/10, a partir da meia-noite
Line-up: Cristian Labra, Marcelo VOR e Renato Cohen
Endereço: r. Barra Funda, 969, tel. 0/xx/11/3661-1500
Preço: de R$ 45 a R$ 60