NU em foto de Jorge Lepesteur e direção de arte de Alma Negrot

‘Que o patriarcado caia pelo brilho de nossas potências unidas’, diz Ligiana, do NU

Fabiano Alcântara
Por Fabiano Alcântara

O NU (Naked Universe), projeto da cantora e compositora Ligiana Costa e do compositor e produtor musical Edson Secco, lançou recentemente o primeiro single de seu novo disco. DURGA 1 (the call) é uma convocação à deusa indiana invencível que carrega em cada um de seus dez braços uma arma contra as opressões, as injustiças e o egoísmo.

“É Durga que organiza o caos e vem ao mundo, segundo a dupla NU, para convidar a humanidade para uma revolução feminista, consciente e espiritual”, diz texto de divulgação da dupla de pop eletrônico com traços de experimentalismo.

Em seu segundo álbum, o projeto traz participações de Luiza Lian, São Yantó e Nansy Silvvs. O duo foi buscar inspiração na natureza.

Em sete dias de isolamento na Mata Atlântica, Ligiana e Edson repetiram a gênesis e impuseram a si mesmos a criação de uma música por dia.

Das sete faixas, duas tem participações especiais: Luiza Lian e Nansy Silvvs (beatmaker carioca conhecido pelo trabalho com Baco Exu do Blues) em Kyrie e São Yantó em Canción de Amor.

O disco tem mixagem de Iuri Rio Branco e CESRV e foi masterizado por Felipe Tichauer, vencedor do Grammy com um álbum de Christina Aguilera.

O NU lançou seu primeiro disco em 2015, circulou por festivais e salas no Brasil, EUA e Europa e se tornou referência na música produzida nesta década.

Leia nossa ideia com a dupla em que falam sobre referências, processos, retrocessos e outros assuntos:

NU em foto de Jorge Lepesteur e direção de arte de Alma Negrot

Por que quiseram fazer esse disco e em que momento apareceu o conceito?
Ligiana Costa – Nós havíamos decidido nos recolher no meio da mata Atlântica para ter plena concentração na criação de algo novo porque na correria cotidiana não iria rolar, a demanda da vida, as redes sociais, as interferências todas… Nos propusemos, nos 7 dias em que ficamos isolados numa casinha na mata, compor uma música por dia. Acabou sendo quase uma gênesis (“e no primeiro dia…”). Todos os dias eu acordava e ia sozinha na mata pedir intuição e depois eu e Edson trabalhávamos até de madrugada. Tinha um desejo de convocar forças do plano espiritual para nos auxiliar nas revoluções, nas mudanças de paradigma, na fundamental reconexão humanidade-natureza. Depois dos 7 dias criando ainda demoramos mais um ano e meio para finalizar o trabalho, não é um disco da ordem do imediato, é de maturação calma. Somente depois de tudo concluído é que surgiu o nome: Atlântica.

Edson Secco – Esse novo trabalho acabou sendo um processo meio necessário, de exploração de novas sonoridades, que foram surgindo ao longo dos shows do 1o disco, e também algo decorrente da nossa situação socio-politíca, no micro e no macro. Abordar temas sob perspectivas que são, ao mesmo tempo, locais e globais.
 
 A música pop sempre foi gay e sempre será. Você acham que a tentativa de apagar o arco-íris aumentará sua potência?
Edson – Uma ideia, comportamento ou expressão artística só é reprimido quando tem verdadeiro poder de modificação. Quanto mais tentarem apagar o arco-íris, mais ele brilhará. 

Ligiana – A música pop é queer porque é reflexo de luta pela ruptura de barreiras. Meu desejo é que seja queer, ecofeminista, antirracista, e anticapitalista. Eu acredito na união das pautas e das bandeiras. A tentativa, em realidades como a do Brasil atual de outros lugares onde o reacionarismo está a pleno vapor, é de apagar arco-íris, apagar punhos em riste, apagar trabalhadores, apagar mulheres, apagar negros. Só acredito na nossa resistência se ela for de fato unida.

A música tem um grande papel nisso, precisamos ser menos “lacração” e mais união, senão nos perdemos no ego. Enquanto comunidade queer eu desejo muito isso, que as lutas identitárias tenham bandeiras comuns, que a música reflita isso, que o patriarcado caia pelo brilho de nossas potências unidas.

Existe algo na sua música que seja típico de seu lugar de origem?
Edson –
Acho que São Paulo sempre foi esse caldeirão enlouquecido de coisas, pro bem e pro mal. Meu lado de família nordestina me conectou muito aos ritmos, às melodias cíclicas, o lado paulistano às maquinas e aos ruídos da metrópole. Isso está, sem dúvidas, no som.
 

Ligiana – Eu sou de Brasilia, que já é uma confluência de vários Brasis. Sou muito nordestina e muito mineira. Acho que este disco tem uma força ancestral que reconheço em meus avós de ambos os lados e a contemporaneidade do lugar onde cresci, da arquitetura modernista, dos espaços amplos de Brasília. Na minha cidade estamos sempre esperando disco voador. Acho que o NU é música pra esperar disco voador ou para dançar na mata, então eu diria que sim, tem a ver com meu lugar de origem.

Quais são suas principais referências estéticas fora da música?
Ligiana – Sou cria de teatro, meu pai é homem de teatro e jornalista cultural, passei minha infância indo ao teatro toda semana, dormia no carpete do chão do Teatro Nacional de Brasilia quando não conseguia acompanhar. Eu, assim como Edson, vejo a música como dramaturgia. Acho que isso fica muito claro no NU. Também amo muito o teatro da vida, observar a rua, os passantes, as situações comuns.

Edson – O cinema/audiovisual, com certeza. Eu costumo ouvir imagens e ver sons, em todos os lugares.

Quais são suas maiores influências?
Edson – 
Já foram muitas, dependendo da época, mas alguns que ficaram até hoje são, dos gringos, Stockhausen, John Cage, Aphex Twin, Depeche Mode. Dos brasileiros, Milton Nascimento, Luiz Gonzaga  

Ligiana – Sempre invoco a música barroca, pq foi por ela que comecei, Bach, Monteverdi… Amo vozes em geral, sotaques, línguas: Mamani Keita, MIA, Camille, Bethania, Mina Mazzini…  Nos últimos tempos uma das coisas que mais me tocou em termos musicais foram os trabalhos da Anohni.

Quais são seus valores essenciais?
Edson –
O respeito à natureza e as diversas formas de vida desse nosso planeta (incluindo a nossa). Um pouco mais disso resolveria muitos problemas. 

Ligiana – Neste momento eu diria que o valor que mais sinto necessidade de evocar é a união, a noção de pertencimento e de responsabilidade com o planeta e com toda forma de vida deste lugar. Se, enquanto seres vivos, circulássemos pelo planeta com essa humildade, com esse cuidado, as coisas seriam diferentes. Não teríamos gente homenageando torturador que mata gente, não teríamos gente envenenando a alimentação de outras gentes, não teríamos rios sendo assassinados pela ganância. Se trata de consciência, né? Eu estou aqui, nós estamos aqui, nós temos responsabilidade por esse lugar.

Em que aspectos o machismo na música é mais evidente?
Ligiana – É importante dizer que o meio em que circulamos, o independente, tem feito grandes conquistas e repensado a presença da mulher em termos de discurso e atuação. Temos ações afirmativas potentes por parte das mulheres (festivais, prêmias, selas, coletivas…) e muitas artistas que são tocadas pela nova onda do feminismo e que se posicionam de forma muito coerente, exigindo que seus nomes apareçam como criadoras, colocando um discurso pungente nas letras, se posicionando em cena de forma mais combativa e cada vez menos figurinha do patriarcado.

No mainstream eu diria que a coisa parece ainda atrasada, mas sinto que algo está se movendo. Tenho convicção de que, se há saída para nossa permanência nesse planeta, ela será através do ecofeminismo, nós artistas mulheres somos parte fundamental desta virada e sabemos disso.

Prefiro dar cartaz para o que estamos realizando do que falar das feridas expostas do machismo. Elas que sejam expurgadas, porque nós estamos em luta, e Durga veio conosco.

Edson – Acho que em muitos. Da técnica/produção até a própria formação das bandas, falando apenas de “cargos”. Quantas técnicas de masterização/mixadoras a gente conhece? E das que estão em atividade, quantas são igualmente reconhecidas? Felizmente as coisas estão mudando.

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