Pupillo por Céu

Pupillo, ex Nação Zumbi, recria temas de novelas dos anos 70 em disco antológico. Leia a entrevista

Jota Wagner
Por Jota Wagner

O renomado produtor musical Pupillo, ex baterista do Nação Zumbi, lança hoje o primeiro disco do projeto Sonorado, revisitando os poderosíssimos temas de novelas dos anos 70 em versões altuamente influenciadas pela cultura hip hop e os breakbeats. O Music Non Stop conversou com Pupillo sobre Sonorado Apresenta Novelas

Pupillo, batizado Romário Menezes de Oliveira Jr., entrega hoje ao planeta o disco Sonorado Apresenta Novelas, trabalho em que recria temas clássicos de novelas dos anos 70, hoje cultuados pela riqueza em seus arranjos, feitos em um tempo em que a indústria musical brasileira mantinha uma régua de qualidade bastante alta para lançamentos, ainda que destinado às massas.

O projeto Sonorado, que conta com Pupillo capitaneando os músicos Thomas Harres (percussão e voz), Marcio Arantes (baixo e voz), Zé Ruivo (teclados, sintetizadores e voz), Guri (guitarra e voz) e Ângelo Medrado (caxixi e voz) surgiu de uma ideia para um show no Sesc:

“Com este convite para fazer o show, eu não tinha um trabalho autoral meu e nem tenho essa vontade de partir pra algo do tipo agora. Então eu queria bolar algo diferente, que fosse dançante e não fosse apenas um show de música instrumental onde os músicos mostrassem seu virtuosismo e tal. Eu queria fazer algo dentro deste conceito de discotecagem mesmo. De as pessoas irem assistir à discotecagem de um DJ, mas com a possibilidade de ter músicos fazendo um som que tivesse uma proposta mais dançante do que nas habilidades individuais de cada um em seu instrumento. E como eu curto muito esta fase, curto a cultura do DJ e tenho a influência forte do hip hop na minha história, eu acho que casou bem essa ideia com os temas de novela, que tem arranjadores incríveis e um prato cheio de grooves batidas. O baterista Mamão por exemplo, do Azymuth, tocou em muitas destas trilhas originais. Então é também uma especie de homenagem a estes bateristas brasileiros que criaram uma escola que é muito admirada la fora” explica Pupillo, que falou com o Music Non Stop na noite desta quinta feira.

Sonorado Apresenta Novelas já chega como um clássico. Um disco que certamente vai passear pelos cases de uma porção de DJs, brasileiros e gringos, chegados no tal “rare groove”.   As puxadas de bateria são sim raras. Nota-se claramente a orientação para a pista de dança e a influência do hip hop na concepção toda. Alem disso, temas de novelas como O Bem Amado, Irene, Mentira e Pela Cidade caem como chuva no imaginário coletivo de toda uma geração que, criança, viu seus pais vidrados nestas novelas antes de a família ir para cama se preparar para a batalha de um novo dia num Brasil assolado pela ditadura militar.

Pupillo nasceu em 75 e moleque já tocava em várias bandas de Recife. Foi de Chico Science o convite para integrar a Nação Zumbi, onde batucou por vinte anos.  A banda ajudou a formar a cabeça do hoje renovado produtor musical, que já trabalho com gente do naipe de Gal Costa e Erasmo Carlos.

“O trabalho de elaboração da bateria junto com os tambores e a percussão era um trabalho forte de pesquisa, difícil. Um trabalho diário onde a gente buscava o tempo inteiro tocar juntos e achar células rítmicas que funcionassem como uma só. Então toda esta proposição de Chico em unir os instrumentos do Maracatu com a música pop foi pra mim extremamente enriquecedora, porque eu pude a partir daí criar uma estética própria na hora de tocar, tanto que com a Nação Zumbi eu não usava tom tons de bateria. Foi um período que me ajudou a resolver muito essa relação, e inclusive a produzir porque é uma forma de você observar outros instrumentos e levar a uma forma de se encaixarem como se fossem um só. Isso é uma coisa que vou levar pra tudo. Minha história com a Nação, alem disso, tem muitas outras questões positivas da minha vida que são parte fundamental do que eu me transformei como músico e como produtor”.

Apesar do sucesso no trabalho em estúdio, Pupillo quer sim botar a Sonorado para rodar os palcos. “O trabalho de produtor não apaga o de músico. São duas possibilidades artísticas que eu tenho”.  Logo (logo?) que os shows voltarei, fique atento para o groove da banda soltando suas reinterpretações em casas de shows por aí. Por enquanto, vale conferir o álbum em sua plataforma de streaming predileta.

Perguntamos ao mestre Pupillo (sim, esta foi de propósito) porque é que as trilhas televisivas não são mais de qualidade tão ricas quanto nos anos 70, perda artística que não ocorreu, por exemplo, nas trilhas dos filmes.

“Isso se perdeu por conta do jabá. Ficou óbvio que no início dos 80 as gravadora entraram em ação e ficou caro para as emissoras manterem as orquestras e arranjadores. Virou um negócio, uma indústria onde as gravadoras colocaram seus artistas e como todo mundo sabe fazendo acordos onde a rádio falasse mais alto. A indústria mudando de uma maneira geral. Na minha opinião este foi o motivo principal da quebra desse controle de qualidade, vamos dizer assim”.

Se depender da Sonorado esta era de ouro não será esquecida. Arranjadores e músicos de ponta  escreviam obras com o capricho técnico e artístico de quem estava criando para si, elevando o padrão a cada nova trilha e enchendo os lares das famílias brasileiras de uma informação musical que reverberava na cabeça de quem tocava um instrumento.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.

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