Era final de 2012, e estava organizando uma Disco Baby (festa infantil com DJs e circo) beneficente no bairro do Capão Redondo, que seria o evento de encerramento do ano para as crianças da região, realizado em conjunto com a ONG Capão Cidadão.
No line-up, colocamos juntos o ídolo-mor da área, Mano Brown, cantando, enquanto outro ídolo, DJ Marky, este nascido em Cangaíba, na Zona Leste, soltaria as bases. Atração digna de ser headliner de qualquer festival. Para a criançada que estava ali, porém, o importante era a diversão, o legal era ter uma festa planejada pra alegria delas, mesmo que fosse num campinho de futebol de terra batida.
Brown chegou com um trupe de rappers, que iriam cantar com ele. “Preciso de seis microfones”, ele disse. Pensei: “lascou”. A gente não tinha. Falei: “calma, a gente arruma”. E começamos uma varredura por igrejas, lojas e bingos da área atrás de mics.
Ele, um tanto contrariado, era orientado por uma mulher negra, alta, de fala firme. “Mesmo se não arrumarem os microfones, vocês vão dar um jeito de cantar. As crianças vieram aqui pra ver o show”, disse Eliane Dias, que, só depois vim a saber, era esposa de Brown e manager dos Racionais MCs.
Corta para março de 2017. A mesma Eliane Dias brilha no palco do Women’s Music Event, evento criado para aumentar o protagonismo da mulher na música, num painel com outras figuras femininas chave para o rap nacional: “O rap pode ser um meio masculino, mas a mulher trouxe a organização que faltava a esse meio”.
Mano Brown não estava na plateia, mas sabe da firmeza de sua mulher. E não só dela. “Quem tá fazendo a maior mudança são as mulheres. As coisas mais surpreendentes, as mais agradáveis na música, não digo só no rap, são as mulheres. São as mulheres inseridas, né, meu. Elas tão puxando o bonde de todos os argumentos, não estão sendo puxadas”, diz o rapper mais adorado do Brasil em entrevista exclusiva ao Music Non Stop, pouco antes de estrear show de seu primeiro álbum solo, o maravilhoso Boogie Naipe, lançado no fim de 2016.
Esta será a primeira vez que Brown mostra ao vivo as músicas do disco, que tem alma funk, soul e disco. Ao lado do cantor Lino Krizz, um dos destaques do álbum, Mano Brown sobe ao palco do Citibank na sexta (12) com uma banda formada por sete músicos, além do experiente DJ Dri.
Nesta entrevista, Brown também fala de política, assunto que ele sempre abraçou, da relação com os fãs, dos 20 anos de Sobrevivendo no Inferno (“acho um disco clichê”), redes sociais e do fato de agora ter se revelado cantor (“não era uma coisa que eu queria muito”). Sua clareza de ideias é tão brutal quanto este novo disco, concebido por um rapaz latino-americano, apoiado por mais de 50 mil manos.
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Music Non Stop – Boogie Naipe traz anos de influências de soul, disco e funk. Como o público dos Racionais recebeu o disco?
Mano Brown – Eu já tinha avisado antes. Eu não ia avisar, ia ser supresa. Mas eu fui instruído a avisar pra não sofrer uma rejeição muito alta logo de cara, que ia ser fatal. Mesmo que o disco depois fosse entendido, eu precisava avisar antes. Fiz alguns shows de demonstração, então, quando o disco saiu, o pessoal já tava preparado.
Amor Distante – Mano Brown
Music Non Stop – Mas quem te acompanha desde o começo já sabia das tuas influências, né?
Mano Brown – Mas, então, quem acompanha os Racionais é um povo muito grande. Tem quem nem goste de música, goste só do lado político do grupo. Tem quem goste só da música, e não da ideia. Tem quem se apegue à parte do rap e só… o público é muito grande…
Music Non Stop – Você gravou com Naldo Benny no disco dele. É uma espécie de recado pros rappers se libertarem de amarras? Pra ousarem mais?
Mano Brown – Isso também, pode ser visto assim. Mas eu fiz pra afrontar, pra irritar mesmo. Eu não sigo modinha, não vou alimentar preconceito velho. Tô aqui pra fazer diferença, entendeu?
Music Non Stop – O mercado da música está bem mudado. Hoje em dia você tem artistas como MC Linn da Quebrada, que fala abertamente sobre o universo dos travestis e gays. O que você acha desse momento?
Mano Brown – Eu acho que toda luta é válida. Toda reivindicação através da arte, se ela for real, toda necessidade real é válida. De qualquer tribo, de qualquer gênero.
Music Non Stop – Recentemente você falou que o mundo vai ser das mulheres. Isso vindo de você, que é patrão de um universo tão machista, é muito impactante. Pode comentar essa frase?
Mano Brown – Eu tenho percebido que o universo do hip hop tá muito mais feminino do que masculino. Eu acompanho as redes sociais, certo? Quem tá fazendo a maior mudança são as mulheres. As coisas mais surpreendentes, as mais agradáveis na música, não digo só no rap, são as mulheres. São as mulheres inseridas, né, meu. Elas tão puxando o bonde de todos os argumentos, não estão sendo puxadas. O melhor disco do ano de 2016 [Prêmio Multishow] foi da Céu. É o que tá surgindo de mais relevante.
Music Non Stop – Quem são as mulheres que têm te impressionado?
Mano Brown – Tem muitas, né? Tássia Reis, Flora Matos, Karol Conka, que é ícone, Karol de Souza, Lourdez da Luz, uma outra menina de Pernambuco, rapper, letrista foda. Vejo o movimento evoluindo pra esse lado. No quesito dos homens, a coisa estagnou. Estagnou o argumento, estagnou a musicalidade, estagnaram as motivações. O homem tá meio perdido nos ideais.
Music Non Stop – Em março, sua esposa participou do Women’s Music Event, uma plataforma de música voltada para mulheres. Falou do machismo no rap e como ela sempre o enfrentou. Como é ter esta força feminina dentro de casa?
Mano Brown – Em casa eu sou discreto. Ela e a minha filha estão engajadas nessa luta. Estão bem envolvidas, estão bastante contundentes nas ideias. Enquanto eu e meu filho, a parte masculina, a gente observa, questiona um pouco alguns exageros. Mas o momento é delas mesmo. Os homens nesse momento estão um pouco perdidos. Devido até à facilidade que eles encontraram ao longo dos anos, eles não têm muito o que falar no momento. O discurso masculino tá meio esvaziado.
Music Non Stop – Este ano se completam 20 anos de Sobrevivendo no Inferno. Quando você ouve ou pensa no disco hoje, como o enxerga?
Sobrevivendo No Inferno – Racionais MCs (álbum completo)
Mano Brown – Então, este disco pra mim não foi tudo isso que falam. Eu considero o disco mais clichê, com certeza. Na época eu já achava. A gente começou a fazer o disco em 96 e terminamos no meio de 97. Quando o disco saiu, em 98, eu já tava achando as ideias meio clichê. Tanto que no disco seguinte a gente partiu para um movimento totalmente diferente. Foi pra uma capa com um céu azul, foi totalmente pro lado oposto.
Music Non Stop – Você tá com 46 anos, e no Boogie Naipe você canta. Como foi esse processo?
Mano Brown – Canto um pouco. Na verdade eu canto um pouco e os próprios caras que trabalham comigo no disco acharam por bem eu cantar, mas não era uma coisa que eu queria muito. Eu tive que dar um direcionamento pros cantores, então isso me obrigou a cantar, mas não é alguma coisa que eu tenha como meta.
Music Non Stop – Politicamente, estamos vivendo um momento bem estranho, pra não dizer sinistro, no Brasil. Como tá a sua cabeça com relação a esses acontecimentos?
Mano Brown – Eu sigo um ditado que é “a voz do povo é a voz de Deus”. Se todos querem assim, assim será. Eu sempre fui a favor de ouvir o que o povo quer. Quando o povo quis o Lula, foi o Lula. Quiseram derrubar a Dilma, derrubaram. Agora vão ter que lidar com as consequências. Eu não vou sofrer com isso. Vou continuar lutando. Durante o processo tive raiva, perdi muitos fãs. Muita gente ficou contra mim porque eu me posicionei. Muita gente me ofendeu. Jurava amor aos Racionais e de repente começou a xingar a minha mãe, me chamar de lixo, de verme, de maconheiro, de vendido pro Lula, de filho da puta. Descobri que tinha muitos fãs de extrema direita. E tem também aqueles caras que são tão extrema esquerda que já virou direita, nazi. Tava tudo dentro do público dos Racionais. Bastou a Rede Globo lavar a mente deles, que eles abraçaram a ideia com as 10. A gente não pode se iludir com nada, nem com fã.
Music Non Stop – Como você se relaciona com as redes sociais?
Mano Brown – A gente é ser humano, a gente fica chateado. Na medida do possível eu interajo. Se me xingar, eu xingo de volta, não tenho sangue de barata.
Music Non Stop – O que você quer passar pras pessoas com esse show?
Mano Brown – A minha ideia é mais música e menos pereco, menos conversa fiada. Minha parte é fazer esse som aí, fazer música é meu ofício. Quero trabalhar e viver minha vida. Tranquilamente é difícil. Neguinho diz pra mim que eu tumultuei pra 200 anos, agora como eu quero ter paz? É mais ou menos por aí.
SHOW DE LANÇAMENTO BOOGIE NAIPE – MANO BROWN E CONVIDADOS
Sexta, 12 de maio, 23h30
Citibank Hall
Avenida das Nacões Unidas, 17955, Vila Almeida, São Paulo
Shows de abertura: Rael e Rincón Sapiência
Participações: Ed Motta, Hyldon, Carlos Dafé, Max de Castro, Ellen Oléria, Seu Jorge e Wilson Simoninha
Preços: de R$ 40 (meia-entrada plateia setor 3) até R$ 200 (camarote setor 1)
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