
A misteriosa banda de nu metal que fez show anti-Trump
Grupo de mascarados, PRESIDENT chamou a atenção no britânico Download Festival 2025, realizado neste final de semana
Antes da banda entrar no palco do último Download Festival 2025, realizado neste final de semana em Leicestershire, na Inglaterra, um tema instrumental sombrio é tocada para o público curioso. A figura do vocalista é estranha. Vestido com smoking e oculto sob uma máscara de borracha sorridente e cínica, o band leader conclama seus colegas para os primeiros acordes da música Fearless, um nu metal furioso. No lugar do pedestal de microfone, bem na frente do palco, há um púlpito, desses que se usam para discursos oficiais (ou cerimônias religiosas), ornamentado como um símbolo: uma cruz dupla, também chamada de Cruz Patriarcal ou Cruz de Caravaca.
Parece cena de um filme distópico mas, na verdade, trata-se do show de estreia do misterioso PRESIDENT, um grupo escalado em fevereiro para o palco do festival britânico. O estranho time de mascarados chamou a atenção por não ter nenhum vídeo ou música lançada antes de aparecer no cartaz do evento, dedicado a grandes do rock pesado como Black Sabbath, Slipknot, Metallica, Linkin Park e muitos outros titãs do gênero.
O recado era de fácil assimilação. A incômoda praga neofascista que insiste em nos assolar, diretamente ligada aos protestos No King, atualmente arrastando milhões para as ruas nos Estados Unidos, levantando placas com frases como “A América não é uma monarquia”, e se levantando contra o comportamento absolutista de seu presidente, Donald Trump. A cruz ostentada no púlpito, por sinal, refere-se ao “milagre de Caravaca”, quando um anjo enviado por Deus desceu à terra para converter um rei mouro em cristão. Touché!
Do outro lado do atlântico, a então maior potência econômica e militar do planeta está tomada por protestos contra o presidente. E dentre as poucas características que unem franceses e estadunidenses, a mais importante é a capacidade do seu povo em ir para as ruas e, quase literalmente botar fogo no parquinho quando estão revoltados. Gigantes da cultura pop como Olivia Rodrigo e Mark Ruffalo, por exemplo, compareceram pessoalmente aos protestos de rua após a violenta ação contra imigrantes ocorrida em Los Angeles, sob a batuta do pretenso rei.
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Não bastasse o teatral tapa na capa proferido na performance do PRESIDENT, o Green Day, cujo vocalista, Billy Joel, já declarou publicamente ter desistido de sua cidadania estadunidense, mandou o verbo de forma direta, sem metáforas ou simbologias, como bem sabe um artista forjado na cultura punk: “Estamos escorregando para o fascismo. Cabe a nós lutar contra isso”, saudando quem está nas ruas de seu país natal e espetando quem ainda não o fez.
Em diversos momentos recentes de nossa história, o transatlântico humano deriva perigosamente para o abismo, inspirando uma espécie de produção artística de alerta, caso de milhares de obras descrevendo um sombrio mundo distópico que vão desde o definitivo livro 1984, de George Orwell, a séries como The Handmaid’s Tale, ambas de enorme sucesso entre o público. Em outros casos, projetos artísticos transmitem o sentimento geral de medo, insegurança e tensão vividos de forma tão intensa que o futuro sombrio fictício se torna presente sombrio real. Infelizmente, a coisa anda feia nos anos 2020. Se na virada do milênio tivemos Gorillaz anunciando a “cultura fake”, misturando real e virtual, hoje temos PRESIDENT, mostrando que aqueles que detêm o poder da imagem chegaram ao poder.