Só há duas certezas na vida: todo mundo vai morrer um dia e a disco music nunca vai sair de moda
Vamos falar de disco music, essa coroa enxuta que está na casa dos 40 e poucos (e, como toda coroa, não tem idade muito bem definida) e continua ditando moda. Não fosse pela disco, certamente a música eletrônica e e o universo dos DJs não teriam razão de existir. Pois foi a partir desse movimento musical e estético que se criaram conceitos que depois seriam usados para formatar a música eletrônica e o hip hop.
Para quem gosta de dance music (o termo costuma ser usado como sinônimo de música eletrônica farofa, mas quero dizer música pra dançar mesmo), conhecer a disco music é obrigatório. Do mesmo jeito que antes de saber fazer uma conta de divisão você precisa aprender a subtrair, não dá pra entrar de cabeça na música eletrônica sem passar pelos anos dourados da disco. Ou sempre ficará faltando uma peça.
Nascida na porção gay, negra e latina de Nova York no final dos anos 60, a disco saltou do underground para todos os cantos do mundo, envelopada de diversas formas, na segunda metade da década de 70. Talvez seu ícone mais conhecido até hoje seja Tony Manero, personagem de John Travolta em Os Embalos de Sábado, filme que, em 2017, completa 40 anos (!!!). Lançado no final de 1977, o longa virou marco da geração que, pela primeira vez na história, levava o hedonismo para a pista de dança e fazia da discoteca a sua igreja. Retratava na telona o nascimento da cultura de clubes, ou seja, do hábito de sair de casa para dançar, um dos vícios mundanos mais deliciosos já criados pelo ser humano.
Antes que venham à sua mente os hinos mais manjados da disco music, sons que viraram trilha sonora de casamento e povoam compilações das mais trash, é bom que se diga que foi durante esse período que se produziram músicas das mais sofisticadas da história da música pop.
Se Nova York foi o palco de experimentações de DJs pioneiros como David Mancuso e Nicky Siano e suas noitadas exclusivas (The Loft e The Gallery, respectivamente), na Filadélfia foi que se produziram os grandes temas dessa geração. A cidade entrou para a história como a principal produtora de som de qualidade, o tal “Philly Sound”, um som classudo, sofisticado, produzido por orquestras compostas por músicos extraordinários, como a MFSB e a Salsoul Orchestra.
A música que foi criada para as pistas suarentas dos anos 70 está mais presente do que nunca no nosso zeitgeist. Não apenas no trabalho de DJs que carregam há anos a bandeira da disco music, mas também no som de artistas muito mais pop.
DISCO MUSIC NA BBC
Para entender melhor como se formou esse movimento, o canal inglês BBC-4 nos presenteou com um documentário simplesmente imperdível. The Joy of Disco resume, em seus 60 minutos, como foram fecundadas as sementes dessa cena, focando no período de 1969 a 1979.
Lá estão imagens de arquivo de arrepiar, como as cenas de bacanas dançando no lendário Studio 54, o clube de Steve Rubell que botou em prática pela primeira vez a política de selecionar na porta quem tinha o direito de entrar ou não na discoteca. Também há imagens raras dos frequentadores do Gallery, explicando que ali “todo mundo pode tudo e todo mundo é igual”.
The Joy of Disco, documentário da BBC lançado em 2012
Mas a maior riqueza do documentário da BBC para mim são as entrevistas. Estão lá caras que podem ser considerados os verdadeiros pais da disco music, como os já citados DJs Nicky Siano e David Mancuso, além do italiano Giorgio Moroder, figura importantíssima na criação da sonoridade mais eletrônica do movimento.
Foi ele quem introduziu sintetizadores no som de Donna Summer, transformando a música I Feel Love no primeiro hino eletrônico do mundo – a música funciona bem em qualquer pista de dança até hoje, da festa do peão de Barretos até o clube mais descolado de Berlim. Usando as cordas do “som da Filadélfia” e adicionando batidas e linhas de baixo eletrônicas ao som da diva Donna Summer, Moroder criou uma versão mais europeia da disco music.
The Joy of Disco também escancara a malícia por trás de hinos que o planeta inteiro já dançou achando que eram músicas bobinhas, como o superhit gay YMCA, do Village People. Dificilmente as milhares (ou seriam milhões?) de pessoas que já dançaram essa manjada coreografia com os bracinhos formando letras do alfabeto tenham se dado conta de que a música fala, basicamente, da pegação gay no banheiro da ACM de Nova York.
Outro momento emocionante é quando o baterista Earl Young, da banda MFSB, mostra, tocando, como criou a batida clássica da disco music. Um bumbo aqui, uma caixa ali, um prato acolá e, voilá, fez-se a cadência que mexeu e ainda mexe até o mais enferrujado dos esqueletos.
Como o documentário é inglês, também ficamos sabendo como foi a evolução da disco music na terra da Rainha. Incríveis as cenas de arquivo mostrando jovens fazendo os passos super elaborados da Northern Soul, uma cena musical que assolou o norte da Inglaterra no final dos anos 60, início dos 70, e que esquentou a galera para a chegada da disco music por lá.
Está em The Joy of Disco também a improvável história da atriz pornô que virou rainha das pistas, Andrea True (falecida em 2011), que entrou para a história com a literal More, More, More. Claro que resumir 10 anos de história em uma hora de documentário não é das tarefas mais fáceis. Muita coisa ficou de fora. Mas se eu pudesse indicar uma maneira de entender a disco music com o melhor custo-benefício de tempo da história recente, seria indicando este The Joy of Disco. Vale cada minuto.
Andrea True Connection – More More More