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43 anos de “Planet Rock”: a música que mudou tudo

Planet Rock

Afrika Bambaataa. Foto: Reprodução

Criação de Afrika Bambaataa com o Soul Sonic Force foi revolucionária para o rap, deu origem ao electro e inspirou até o funk carioca

Party people… party people… can you get funky?“, pergunta Afrika Bambaataa, com um efeito ligeiramente metalizado na introdução da música Planet Rock, lançada em abril de 1982 pela Tommy Boy Records. A resposta à inquirição de Bambaataa, acompanhado de seu coletivo Soul Sonic Force, é respondida com alguns “yeahs” infantis, gravados no estúdio pelos colegas em falsete tentando simular uma apresentação ao vivo.

Convencido de que a “plateia” está pronta, Afrika manda um “just hit me!”, e um explosão simulada em um sintetizador marca o início da música que mudaria tudo. Simplesmente tudo, não só no país onde foi lançada, os Estados Unidos, mas também no Brasil. Inspirado na estética e nas ideias do mestre Sun Ra, tanto nas indumentárias afrofuturistas (movimento que ajudou a inventar) quanto em sua letras, conectando as ruas do Bronx à África e ao Espaço Sideral ao mesmo tempo, o compositor foi profético. A explosão da primeira batida simbolizou um meteoro musical caído no planeta terra: “Planet Rock, non stop!”.

A música que se inicia após a queda do meteoro — e que daria origem ao electro — é pura revolução. Sob a batida irresistível copiada de Numbers, do quarteto alemão pioneiro da música eletrônica Kraftwerk, não tem quem não levante da cadeira e comece a “ficar funky”. Até mesmo para o rap, Planet Rock é revolucionária. Os versos são minimalistas. Se o gênero musical criado em Nova Iorque começou como uma metralhadora de palavras, para o Soul Sonic Force pendia mais para uma pescaria de rimas, bastante influenciada pelo spoken word vindo dos clubes de leitura de poesia de São Francisco, na era beatnik. E então, já logo no primeiro pedaço da música, mais Kraftwerk: desta vez reproduzindo a melodia de Trans-Europe Express, momento em que uma sensação de ficção científica toma conta da faixa. Afrika Bambaataa e o Soul Sonic Force determinam que o futuro do Bronx, dos bailes e do mundo estão na música negra feita eletronicamente. E acertou em cheio.

Ao contrário do que muita gente pensa, Afrika e o produtor Arthur Baker não samplearam a batida de Numbers e a melodia de Trans-Europe Express. Baker, na verdade, as copiou, tocando-as e gravando novamente usando sua bateria eletrônica Roland TR-808 e em um sintetizador Prophet-5 (mais um profeta no time). A influência do produtor foi grande para que Planet Rock se tornasse uma ponte de ligação entre a música feita em Nova Iorque e a feita na Europa. Baker havia acabado de trabalhar com o New Order e conhecia muito do synth-pop britânico, uma novidade amada pelos DJs nova-iorquinos.

Mas a homenagem a Kraftwerk, no entanto, era algo que já ricochetava na mente de Afrika Bambaataa. O grupo alemão, mesmo fazendo “música de branco”, era amado na cidade graças à inventividade no uso de instrumentos eletrônicos e sua imagem distópica. É como se dissessem que, naquele mundo distante de brancos futuristas e robóticos, a diferença entre raças não mais existisse.

“Para muitos de nós, a influência de Kraftwerk chegou antes mesmo que tivéssemos percebido”, contou Pharrell Williams durante o discurso de apresentação do grupo alemão ao Rock & Roll Hall of Fame, em 2021. “Estes quatro branquinhos estavam no coração da black music”, completou Darry McDaniels, do Run-D.M.C., no mesmo evento.

Afrika Bambaataa havia sentido isso na pele e conhecia, a fundo, o poder dos alemães em sua comunidade. Quando Trans-Europe Express, o disco, chegou na mãos dos DJs em Nova Iorque em 1981, foi uma catarse. Em várias entrevistas que deu, Bambaataa conta que a faixa era tão revolucionária que os DJs não a mixavam e nem faziam scratch enquanto ela estava tocando. Eles paravam o som, colocavam a agulha no disco e a deixavam tocar, sem interrupção, do primeiro ao último segundo, como se estivessem escutando um movimento de uma sinfonia.

Planet Rock também foi corresponsável para levar os alemães para o cinema estadunidense. Em 1983, chegava às telonas do país o filme Breaking. Em uma de suas mais belas cenas, o personagem Turbo Broom (Michael Chambers) protagoniza um número de dança ao som da música Tour de France, ao lado de uma boombox, enquanto varre a calçada do mercadinho onde trabalha. Icônico. Fazer com que o meteoro alemão caísse de vez em Nova Iorque através de Planet Rock, integrando-os ao movimento hip-hop, foi uma jogada de mestre de Afrika Bambataa e o Soul Sonic Force.

No Brasil, Planet Rock também causou uma saudável destruição, trazendo uma nova visão da música negra, nos bailes black do Rio de Janeiro. E assim como Bambaataa fez em Nova Iorque, sua batida foi copiada em um movimento cultural que mudou a cidade, o país, e agora está influenciando o mundo da música eletrônica: o funk carioca.

O disco que criou o “tamborzão”, a irresistível batida original do funk carioca, no entanto, não foi o de Planet Rock. Os devidos créditos devem ser dados ao DJ Battery Brain. Em 1988, o DJ lançou o EP 808 Volt Mix. Sim, 808 era uma referência à bateria eletrônica que foi usada, a mesma Roland TR-808. Só que, no disco de vinil, Brian incluiu uma versão chamada Beatappella, com quase seis minutos em que se ouve somente a batida, sem nenhuma voz ou melodia. Para os funkeiros, foi uma maravilha: em um momento histórico no qual produzir as próprias batidas era ainda inacessível, bastava colocar o disco para rolar e rimar em cima. Mas é claro que 808 Volt Mix só existiu graças à Planet Rock. E fico aqui imaginando o que teria acontecido se o próprio Afrika Bambaataa tivesse tido a ideia de lançar uma versão extra de seu hit só com as batidas, facilitando a vida dos funkeiros.

O batidão pesado, grave e rápido de Planet Rock foi a pedra fundamental no que se chamou mais tarde de Miami bass (ou bass music, ou booty bass), quando produtores como Kurtis Mantronic e Maggotron passaram a explorar a batida da música adicionando letras de conteúdo sexual (hoje compreendido como sexista) em faixas que tomaram conta dos bailes nos arredores de Miami.

A forma foi tropicalizada pelos cariocas, com letras em português, no funk carioca. Neste ponto da leitura, nem é preciso explicar de onde vêm os trocadilhos usados nos pseudônimos dos produtores citados acima, unindo homem e máquina em um só ser. Uma das faixas fundamentais do movimento Miami bass, lançada em 1985 em Fort Lauderdale, na Flórida, é nada mais do que uma reinterpretação de Trans-Europe Express misturada com Planet Rock. Seu nome? Bass Rock Express, de MC Ade.

Que baita pedra esta que, com um estrondo como primeira batida, caiu no Planeta Terra em 1982 e mudou tudo.

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