Referência cultural desde os anos 90, grupo fecha seu ciclo revisitando hits e reafirmando seu legado
Em 1992, quando Marcelo D2 e o rapper Skunk se conheceram no bairro do Catete, no Rio de Janeiro, em encontro que culminaria com o surgimento do Planet Hemp, o público jovem brasileiro, pelo menos o que se ligava em música alternativa, clamava por um novo som. O cenário era dominado por grupos absurdamente “gringos”, que cantavam em inglês e tinham como referências a galera dos Estados Unidos e Inglaterra, predominantemente as que vinham do movimento grunge e do shoegaze.
Rolava uma certa mesmice, e não havia muito sentido no que se dizia, mascarando uma certa falta de assunto. A economia estava relativamente estável, deixando a juventude da classe média com tempo livre para montar sua banda, sem muito incômodo para criar boas canções. A verdadeira revolução estava no cenário hip-hop, em que a quebrada seguia sendo quebrada, e a repressão policial jamais arrefeceu.
Alguma coisa estava mudando, no entanto, preenchendo a lacuna de identificação entre a música independente e o jovem inconformado. Em Brasília, a famosa “master tape” dos Raimundos, uma fita cassete que vazou dos estúdios com as músicas de seu primeiro álbum, ainda não lançado, foi copiada aos milhares e circulava por todas as cidades brasileiras, encantando a quem a ouvia pela ousadia de se misturar rock, música nordestina e a coragem de cantar em português.
Em Recife, já se lia nas revistas especializadas sobre um tal de manguebeat, comandado por um maluco, meio homem, meio caranguejo, chamado Chico Science. Estávamos em 1993. A MTV, estação que chegou para transformar a forma como se consumiu música, estava ávida por novidades, ainda presa aos barões dos anos 80. A editoria da TV queria se destacar se responsabilizando por um cenário brasileiro, se deslocando da matriz estadunidense.
Enquanto Chico Science e Raimundos promoviam a paz entre o rock alternativo e a música regional brasileira, coube ao Planet Hemp colocar a terceira perna do banquinho: trazer de volta o discurso de transformação e protesto que, naquele momento, era um canal de transmissão exclusivo do rap para a juventude. Nas loucas festinhas em casas de amigos e buracos underground do país, essa gana era clara. Músicas dos Beastie Boys, Cypress Hill e Public Enemy eram os grandes hits. Mas faltava algo — um brasileiro fazendo isso.
Na hora e no lugar exatos, o grupo formado por Marcelo D2, Skunk, Rafael, Formigão e Bacalhau começava a distribuir sua primeira fita cassete pelo Brasil, chamada apenas Planet Hemp (1993) com dez músicas que deixaram a comunidade alternativa doida. Claro que estrear um trabalho na língua portuguesa falando sobre a ligação da maconha, diversão predileta da geração 90 no rock, foi importante. Mas tanto quanto, a importantíssima iniciativa de trazer o rap para o rock fez da banda uma das principais revelações de sua geração. Adicione-se ao bolo uma excelente perfomance ao vivo e aquela disponibilidade juvenil para tocar em buracos por todo o país, não importava como viajassem ou quanto fosse o cachê.
Quando o primeiro álbum, Usuário, foi lançado em 1995 (já com BNegão nos vocais, substituindo Skunk, que faleceu no ano anterior), o Planet Hemp já estava na boca do povo. Se você ainda não havia visto, precisava ver um show dos caras. Impulsionado pelo interesse gigantesco que a mídia especializada então dedicava àquele novo cenário brasileiro independente, D2 e sua turma surfavam no auge de sua energia e criatividade. Os Cães Ladram Mas a Caravana Não Pára foi lançado em 1997, e o último antes da separação, A Invasão do Sagaz Homem Fumaça, em 2000. Em 2001, D2 e BNegão se desentenderam em relação ao futuro do projeto, e partiram cada um em carreira solo, com reuniões eventuais para shows nos anos seguintes.
A ascensão da extrema-direita a partir de 2018 deixou tanta gente puta que foi capaz, até, de enterrar antigas diferenças na luta do inimigo comum. Era hora de deixar as picuinhas de lado e usar a força que tinham para ir à luta. E foi o que fizeram. O Planet Hemp deu as caras de surpresa no Lollapalooza 2022 — cobrindo o cancelamento do show dos Foo Fighters de última hora, devido ao falecimento de seu baterista, Taylor Hawkins —, voltando cheio de repertório nas letras. Lançou Jardineiros no mesmo ano, trocando o assunto da legalização da maconha para o protesto político. Um belo álbum, que emendou com o ótimo disco ao vivo Baseado em Fatos Reais: 30 Anos de Fumaça (2024). Corrigiram a rota e tiraram um dos grupos mais relevantes da década de 90 de um caminho que não merecia: o da morte sem funeral, sem luto, sem celebração digna.
Em junho último, o comunicado foi oficial: a banda faria sua turnê de despedida, chamada A Última Ponta, até agora com dez datas, começando dia 13 de setembro em Salvador (Concha Acústica) e encerrando dia 15 de novembro no Allianz Parque, em São Paulo. Depois de Salvador e Recife (20 de setembro, no Classic Hall), e antes de SP, a tour segue seu caminho passando por Curitiba (03/10, Live Curitiba), Porto Alegre (04/10, KTO Arena), Florianópolis (12/10, P12), Goiânia (17/10, Goiânia Arena), Brasília (18/10, Arena BRB), Belo Horizonte (31/10, BeFly Hall) e Rio de Janeiro (08/11, Farmasi Arena).
Para o show derradeiro na capital paulista, o Planet convidou outro fenômeno brasileiro, o BaianaSystem, grupo que tanto influenciou, para se juntar à festa. Para mais informações sobre cada show, você pode acessar o site oficial.