Ex-New Order Peter Hook lança livro de memórias do clube Haçienda

Claudia Assef
Por Claudia Assef

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Você acha que entende de noite?
Então é bom ler o recém-lançado livro The Haçienda – How Not To Run A Club (“Haçienda – como não administrar um clube”), escrito pelo multifacetado ex-baixista do New Order, Peter Hook.

O livro foi lançado em outubro, junto com um CD duplo, Haçienda – Acid House Classics, uma joia que ajuda a penetrar no espírito desse que foi o clube mais comentado do planeta em meados dos anos 90. Oficialmente, o clube se chamava Fac 51 Haçienda, mas entrou pra história só como Haçienda, celeiro emblemático do som da “Madchester”, apelido dado à cidade de Manchester, na Inglaterra, por conta do cenário musical intenso e da jogação mais ainda.

Hooky tem um conselho para quem quiser abrir um clube: "não faça isso!"

Hooky tem um conselho para quem quiser abrir um clube: "não faça isso!"

Se dá pra dizer que alguém estava lá e viu tudo aflorar e, mais tarde, desmoronar, esse alguém foi Peter Hook, ou Hooky, como é conhecido até hoje na cidade. Logo no primeiro capítulo do livro, Hooky justifica o título, dizendo que quem ler o livro vai aprender tudo sobre uma péssima administração de um negócio que tinha tudo pra ser um sucesso, mas que, comercialmente, acabou atolando os donos em montanhas de dívidas.

Comprei o livro pela Amazon, chegou semana passada e já dá pra dizer que vale muito a pena o investimento (com o frete, dá uns R$ 40). O livro é lindão, capa dura, e vem recheado de fotos históricas. Além disso, o texto de Hooky (só disponível em inglês) é super divertido e carregado de detalhes sórdidos sobre a óbvia trinca sexo, drogas e rock’n’roll.

Peter Hook foi um dos sócios mais mão-na-massa do Haçienda. Ele não só frequentou fortemente o clube, como chegou a botar as mãos (desastradas) na administração. No começo do livro, ele fala de um dos principais problemas do clube, a fila na porta, questão que tentou resolver (sem sucesso) bancando o segurança por algumas horas. “Saí com o rabo entre as pernas. Falar é muito mais fácil do que resolver aquele inferno”, diz no livro.

De fora do grupo Bad Lieutenant, novo projeto liderado pelo ex-líder do New Order, Bernard Sumner, Hooky virou um baixista que ataca de DJ regularmente. No Brasil, ele já se apresentou no Motomix em 2005 e depois numa festa fechada. Entre as particularidades de seu set, estão o fato dele sequer usar fone de ouvido (mixar pra quê?) e de marcar as batidas da música com eventuais coices com o calcanhar.

O fone, neste caso, é meramente usado pra compor a paisagem

O fone, neste caso, é meramente usado pra compor a paisagem

Com tanta história pra contar, melhor ler da boca do próprio, né? Abaixo a entrevista que o TDJS fez por email com um dos maiores ícones da jamantice inglesa:

TDJS – Qual foi a prioridade para a escolha das faixas da coletânea Haçienda – Acid House Classics?
PETER HOOK – Foi uma tarefa muito difícil, que dividi com meu parceiro de produção, Phil Murphy, com quem toco o projeto Manray. Começamos com uma pilha de 350 músicas, escutamos todas e escolhemos as melhores… pra falar a verdade, algumas delas eram bem ruins, muito piores do que eu lembrava, hahahaha. Também recebemos algumas sugestões de amigos, e algumas delas foram aceitas.

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TDJS – Quem foi o seu DJ favorito do Haçienda? Você chegou a tocar lá alguma vez?
PETER HOOK –
Nunca toquei no Haçienda… o meu DJ preferido do clube era um cara de cabelo laranja que tocava nas noites de soul mas, juro por Deus, não consigo lembrar o nome dele. Além dele, o Sasha e o Jon Da Silva também se destacam na minha memória, pelo estilo próprio e ótimo gosto musical.

TDJS – Você já está discotecando há algum tempo. Dá pra dizer que incorporou algo do Haçienda no seu estilo de tocar?
PETER HOOK –
Eu absorvi muito da música do Haçienda, e certamente uso isso nas minhas discotecagens. Mas também gosto de garimpar novas faixas, porque não é saudável viver só do passado.

TDJS – Você acha que o Haçienda foi bem representado no cinema ou ainda há histórias a serem contadas?
PETER HOOK –
Espero que alguém faça um filme inspirado no meu livro e que finalmente eu ganhe muitos milhões com isso. Quem faria o meu papel? Brad Pitt seria legal, se bem que ele já está meio velho… Acho que a cena em torno do clube foi bem retratada, sim, mas o mito Haçienda transcende tudo isso. A imagem icônica e a reputação do clube, isso é impossível de superar. Estava revendo a filmagem de A Festa Nunca Termina recentemente, e aquilo que está lá é realmente muito fiel ao Haçienda, acho que fizeram um ótimo trabalho.

TDJS – O que você aconselharia para alguém que quer abrir um clube noturno?
PETER HOOK –
Não abra! É muito difícil equilibrar idealismo e negócios. Se você quiser ser um sonhador e fizer alguma coisa muito fora do padrão, vai ser muito difícil que isso seja reconhecido como um bom modelo de negócios.

TDJS – Quais são suas músicas favoritas da época do Haçienda?
PETER HOOK –
It’s Alright, do Sterling Void, e You Got The Love, do Source featuring Candi Staton, essas duas não estão no CD. Mas também adoro This Is Acid, do Maurice, que está no disco. Como se trata de um CD de acid house, várias faixas mais houseiras não entraram nesta compilação, mas estão no disco de clássicos, que eu lancei anteriormente.

TDJS – Você mixou a coletânea ou usou algum software?
PETER HOOK –
Usamos o Ableton e demorou um tempão pra mixar. Demos um duro enorme pra fazer a mixagem fluir e fiquei bem feliz com o resultado. Eu e o Phil Murphy trabalhamos juntos. Phil é meu parceiro no projeto Manray, que tem duas faixas incluídas neste CD.

TDJS – Inspirado no título do livro, o que você faria diferente hoje pra que o clube não fosse um fracasso comercial?
PETER HOOK –
Toda a parte chata, burocrática, teria que ser repensada. Em compensação, se tivéssemos feito tudo certinho, como uma empresa mesmo, talvez o clube não tivesse tido metade da influência musical que teve.

TDJS – Você virou DJ em tempo integral?
PETER HOOK –
Adoro discotecar, é o segundo melhor emprego do mundo. O primeiro é tocar a sua própria música. Mas, pra responder sua pergunta, continuo sendo músico em primeiro lugar, com os projetos Freebass e Manray.

TDJS – Você vai fazer uma turnê pra promover o Haçienda – Acid House Classics?
PETER HOOK –
Toco faixas do Haçienda em qualquer lugar que me deixam, então de uma forma ou de outra estou sempre promovendo o livro e o CD. Gostaria mesmo é de tocar mais vezes como Manray, assim a gente seria chamado para mais festivais e shows maiores.

TDJS – O que você lembra das suas discotecagens no Brasil?
PETER HOOK –
Foram ótimas festas. Fui pro Brasil quando tinha acabado de começar a tocar como DJ e mesmo assim me receberam muito bem. New Order e Joy Division são muito populares no seu país, então a galera foi muito calorosa comigo, além de ter a cabeça bem aberta.

Claudia Assef

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Autora do único livro escrito no Brasil sobre a história do DJ e da cena eletrônica nacional, a jornalista e DJ Claudia Assef tomou contato com a música de pista ainda criança, por influência dos pais, um casal festeiro que não perdia noitadas nas discotecas que fervilhavam na São Paulo dos anos 70.

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