Sandra-X, foto de Ierê Papá

‘Peregrina também é pra mim a situação da mulher na sociedade’, diz Sandra-X

Fabiano Alcântara
Por Fabiano Alcântara

Peregrina, segundo álbum solo de Sandra-X, aprofunda as pesquisas em torno do texto falado, da prosa em convívio com a poesia e da rispidez da textura eletrônica com a suavidade da voz humana.

Sandra retoma os contornos melódicos que são sua origem musical desde os tempos do grupo A Barca, e do Projeto Axial, mas posiciona esse canto hierarquicamente no mesmo plano narrativo do spoken word com que entoa os textos de Clarice Lispector ou das contemporâneas e não menos inquietas Claudia Schapira, Maria Giulia Pinheiro, Eveline Sin, Laura Ghellere, Raiça Bonfim.

Peregrina é mais um trabalho de classificação complexa e sem lugar comum que Sandra-X concretiza a partir de suas derivas junto ao Coletivo Dodecafônico, grupo de performance intervenção urbana ao qual se juntou em 2014.

Com este coletivo peregrina não só pelo espaço físico das cidades, mas também vai aos muitos não-lugares da mulher e os muitos não-lugares do gênero nesta sociedade, para além das definições sedentárias a que tratam de nos acostumar. 

O disco foi produzido em parceria com Felipe Julian (aka Craca) com quem divide, desde 2003, essas investigações em torno das possibilidades da musica eletrônica acompanhada por seres humanos. Como obra transmidiática, Peregrina é complementada por um site de autoria dx artista visual e performer Ierê Papá. Tem ensaio fotográfico de Cacá Bernardes e capa de Vânia Medeiros. O show acontece com visuais da artista Bianca Turner.

Sandra-X, em foto de Ierê Papá. A imagem no alto da página também é de Ierê Papá

Leia nossa conversa com a artista:

Por que quis fazer o Peregrina e em que momento apareceu o conceito?
Sandra-X – Pra falar desse conceito vou falar um pouco da minha trajetória. Eu venho de bandas que trabalharam bastante, o Vésper Vocal, nos anos 90, A Barca, grupo que rodou o país em pesquisa e criação com música tradicional, fiz parte de 1998 até 2010, hoje em dia só colaboro eventualmente, e o Axial, 2003 a 2013, e três álbuns lançados, que era canção já na linguagem eletrônica: partimos da mistura da música tradicional com a eletroacústica e eletrônica, som que nomeamos de eletrorgânico, e seguimos cada vez mais rumo ao autoral.

Paralelamente estive sempre ligada às artes cênicas e visuais, fazendo preparação vocal de atores em grupos e escoas de teatro, trilhas sonoras para dança e cinema, dando aulas de voz, fazendo parte de elencos como atriz e cantora.

E de 2014 para cá faço parte do Coletivo Dodecafônico, que trabalha intensamente com intervenções e performance urbana, realizamos derivas e travessias, ações diversas e constantes na cidade de São Paulo e outras. Em 2016, lancei o disco Turbulência de Sandra-X, assumindo essa nova forma de assinar o trabalho (antes eu era Sandra Ximenez), e fazendo pela primeira vez um “solo”.

Foi um disco no qual eu mesma compus as bases eletrônicas, resolvi falar textos mais literários, usei escritas automáticas e escritos feitos pós derivas, entrei muito na spoken word além de trechos cantados. A performance de Turbulência era totalmente audiovisual, com Felipe Julian tocando eletrônicos e visuais ao vivo.

Esse percurso todo pelas artes cênicas, literatura, intervenção, me trouxe muito a sensação de peregrinação quando cheguei agora, aos 50 anos, mais de 30 de carreira. Peregrinação por linguagens mesmo, experimentando, testando, vivenciando intensamente e por longos períodos cada coisa. Juntamente com isso, desde 2014 meu trabalho na cidade foi se dirigindo à observação de gênero, houve vários eventos em parceria com performers e coletivos feministas, derivas de gênero, eventos dedicados à criação feminina e estudos feministas, e também participo do projeto Mulheres Possíveis, que desde 2016 atua na Penitenciaria Feminina da Capital com os eixos corpo, gênero e encarceramento/liberdade.

Então essa peregrina também é pra mim a situação da mulher na sociedade, uma situação de não-lugar, de longa busca, em que as conquistas são frágeis e derrubadas na primeira oportunidade, o que nos coloca sempre em situação de continuação da luta, de peregrinação.

O que tá rolando de mais interessante na música hoje, na sua opinião?
Sandra – No Brasil no momento gosto muito da Luiza Lian. Também passei esses 30 anos muito perto de Juçara Marçal (Vesper, A Barca) e acredito que ela desenvolve sua voz e mantém sua experimentação viva o tempo todo, mantendo o estado de risco na performance).

Também acompanho de perto Craca e Dani Nega, Craca é Felipe Julian, meu parceiro na produção musical desde o Axial, inclusive nesse novo álbum, e o som que ele faz com a Dani e sozinho como Craca é um live P.A. totalmente autoral e original, música composta e tocada ao vivo, dançante, sensorial.

Existe algo na sua música que seja típico de seu lugar de origem?
Sandra – Sim, acho que minha música é extremamente paulistana, acho que isso fica claro na minha primeira resposta longa. É música de cidade, de cidadã, aquela paulistana fruto de imigrantes italianos de um lado e migrantes nordestinos do outro, que assimila de tudo, como metropolitana, e pelo mesmo motivo se sente também desenraizada e com todas as liberdades identitárias.

Quais são suas principais referências estéticas fora da música?
Sandra – Sempre achei que algumas exposições de arte me colocavam em estado criativo, às vezes até mais do que a própria música… tipo Oiticica, Ligia Clark, e muitas vezes exposições de arte contemporânea. Também tem filosofia, linha de Espinosa, Nietzche, Hannah Arendt, pensadoras e performers contemporâneas como Sueli Rolnik, Eleonora Fabião, Rosane Preciosa – musiquei um capítulo de sua tese de doutorado, em Turbulência.

Literatura, muita coisa, eternamente Clarice Lispector, hoje em dia quase só leio escritoras negras: Maya Angelou, Angela Davis, Octavia Butler, Djamila Ribeiro, entre outras.

Quais são suas maiores influências?
Sandra – Bjork, Anja Garbarek, PJ Harvey, Radiohead, muita coisa de Trip hop, Slam, o teatro hip hop de SP.

Quais são seus valores essenciais?
Sandra – Respeito à diversidade, reconhecimento de privilégios, uma vida ligada ao chão, yoga, caminhadas, ocupação da cidade.

Em que aspectos o machismo na música é mais evidente?
Sandra – Acho que o machismo é evidente em qualquer área artística nos mesmos aspectos: falta de interesse e escuta do discurso feminino, homossexual ou trans por parte dos homens, tentativa de objetificação da imagem das profissionais sem a percepção e atenção nos conteúdos e talentos que ela veicula.

SERVIÇO

Show de lançamento do disco nesta sexta, Falas + Hystereofônica live showcase, no Teatro De Conteiner

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