
Como Ozzy Osbourne me comprou em 1985 — e nunca me vendeu de volta
No calor do 1º Rock in Rio, um Claudio Dirani de quase 13 anos descobria o poder do heavy metal, enquanto Ozzy, a TV e um balde de pipoca transformavam sua vida para sempre
É 1985, e talvez, não por coincidência, é o mesmo ano em que Emmett Brown (o Doutor Brown, de Back to the Future) patenteou sua mais incrível invenção no departamento de ciências de Hill Valley, Ca. 40 anos se passaram, e hoje tive um déja vu. Será que estou de volta para o futuro depois de uma viagem no comando do DeLorean — a máquina do tempo mais estilosa já criada pela mente humana?

Se o mundo começasse no Rock in Rio…
Na verdade, nunca viajei pelo tempo desta forma — uma pena! Meu único veículo para deixar o presente de lado por alguns minutos é minha memória, que acaba de despertar no Rio de Janeiro de 1985, em pleno show de estreia de Ozzy Osbourne no palco do Rock in Rio, em 16 de janeiro daquele quente verão (ele se apresentaria no dia 19 também).
O mais curioso dessa aventura é que, juro, posso me ver agora, com quase 13 anos, descobrindo a força do rock em um país sem revistas importadas e bem distante do eixo das grandes atrações internacionais. Internet não existia, e eu sequer tinha um PC para agilizar os trabalhos escolares (mas meu padrinho Mário tinha!).
Para colocar um pouco de contexto em nossa realidade, não passavam pelo Brasil ainda os grandes eventos, com raras exceções (Queen, Frank Sinatra, Kiss e Alice Cooper, por exemplo). O RiR, então, chegara no tempo certo. Bandas como Iron Maiden, Judas Priest e o próprio Ozzy (já fora do Black Sabbath) estampavam camisetas piratas da galera, ávida por vê-los ao vivo.

Ozzy Osbourne ainda fora do radar
Em janeiro daquele ano, estava no litoral sul de São Paulo, mas na minha programação estavam agendados ao menos quatro shows: Queen, Scorpions, Iron Maiden e AC/DC. Ozzy Osbourne, para falar a verdade, ainda não estava no meu radar. Mas isso mudaria logo.
Eu até me lembrava dele, pois sempre fui curioso a respeito dessas bandas gringas — e atento ao que as bancas vendiam naqueles anos de raros produtos ligados ao rock. Em 1984, por exemplo, a extinta Somtrês havia lançado uma revista-pôster especial do Ozzy, e foi ela que serviu como “gatilho” durante a transmissão da Globo.
Ozzy esteve aqui
Na era pré-Sarney e pré-Plano Cruzado, eu sequer me interessei sobre o preço de um passaporte que dava direito a conferir um pacote de shows em um dos dias do Rock in Rio. Pesquisando agora, cheguei ao valor de Cr$ 20 mil — ou R$ 106, o que, em equivalência, pesava bem menos no orçamento de um assalariado de classe média em 1985. Contudo, aos 13 anos, nem passou pela minha cabeça pedir aos meus pais esse presente.

Ozzy em destaque na revista Somtrês. Foto: Reprodução
A solução foi encarar maratonas madrugadas afora para concluir minha missão. Entre um Tang e um Lollo, ou às vezes baldes de pipoca, eu, meu pai e meu padrinho (aquele que citei acima) aproveitamos a casa lotada de Solemar (pertinho de Mongaguá!) para atravessar horas e horas em frente à TV para acompanhar os shows do RiR.
Na verdade, eu meio que ficava isolado no pequeno recinto, enquanto meus pais jogavam cartas na cozinha (era uma tradição familiar dos anos 80). Naquele 16 de janeiro, eu não estava muito interessado. Mas foi só ouvir os primeiros acordes de I Don’t Know, a faixa de abertura do LP Blizzard of Ozz, que passei imediatamente a saber.
“As pessoas olham para mim e dizem: o fim está próximo, quando será o dia final?”, canta o artista.
Reagindo agora à letra, um calafrio sobe ao coração. Será que Ozzy estava pensando no seu último dia, que tristemente aconteceu em 22 de julho deste ano? Certamente, nem pensei nisso ao vê-lo passeando com a camisa do Flamengo pelo palco da Cidade do Rock.
A eletricidade ia aumentando no decorrer da apresentação. Mr. Crowley, Bark at the Moon… Os consecutivos petardos me convenciam que aquele senhor com cabelos loiros e bem acima do peso para um rockstar era muito cool. Sim, o processo de se tornar um fã de Ozzy Osbourne, em retrospecto, foi algo muito bacana para um pré-adolescente que, em 1985, pouco sabia sobre o heavy metal.
Sabbath, Bloody Sabbath
Mais tarde, também aprendi que a banda de apoio que o acompanhou pelo festival na Cidade Maravilhosa era das mais ilustres possíveis: Jake E. Lee (guitarra), Bob Daisley (baixo) e Tommy Aldridge (bateria). Craques de seus respectivos instrumentos, sem que houvesse necessidade de compará-los ao Black Sabbath.
A banda nascida em Birmingham no final dos anos 1960, aliás, não seria esquecida. No meio do show, os selvagens — mas divertidos — seguidores do Sabbath clamavam por, pelo menos, uma dose de músicas do grupo, que tinha como vocalista Ian Gillan (ainda que por muito pouco tempo; ele daria lugar a Glenn Hughes nos anos seguintes).
A espera valeu… Principalmente por Paranoid. Em meu caso, gostava muito mais dela do que a gigantesca Iron Man, porque o videoclipe costumava passar na TV com bastante frequência.
Foi o suficiente para Ozzy Osbourne “me comprar”. E para sempre. No auge do grunge, entre 1991 e 1993, o músico voltaria a me arrebatar com No More Tears, um disco simplesmente perfeito. Foi um momento ímpar na história, em que as emissoras de rádio não temiam as guitarras e os vocais mais agressivos.
Com a despedida do ícone, o que nos resta é não deixar a chama se apagar, mas espalhar o seu legado para muito mais garotos, como eu era em 1985.
