Will Smith se reimagina como Neo no clipe para “Beautiful Scars”. Foto: Reprodução

Por Jota Wagner

5 de fevereiro de 2025

Brincando com a vez em que recusou o papel para viver Neo, em Matrix, ator e rapper — que anunciou seu 1º álbum em mais de 20 anos — parece tentar reescrever o passado

Durante a cerimônia da entrega do Oscar em 2022, Will Smith fez uma escolha que mudou sua vida. Subiu ao palco durante a transmissão ao vivo para dar um tapão na cara de Chris Rock, após uma piada feita com sua esposa. Antes mesmo de ser expulso por dez anos da academia, o próprio ator já havia publicado em suas redes sociais “pedindo pra sair”, e se desculpando pelo rompante. A real é que a perda das estribeiras abalou profundamente o artista, que desde então entrou em uma espiral que envolve guinadas à música, constante reafirmação de seu arrependimento e até mesmo o apelo a realidades paralelas e multiversos.

Smith encontrou na música para organizar a cabeça durante aquilo que chamou de “seus momentos mais obscuros”. Botou para rodar um podcast sobre a história do rap, convidando seus colegas do tempo em que ainda era o rapper Fresh Prince. Meses depois, revelou que lançaria três álbuns com músicas inéditas, escritas “como um roteiro de três programas de TV”. Subiu, em 2024, quatro singles nas plataformas de streaming, e no último dia 30 de janeiro, apresentou Beautiful Scars, collab com Big Sean com a participação de OBanga. Junto do novo som, veio o anúncio oficial de Based on a True Story, seu primeiro disco de estúdio em mais de 20 anos, que deve chegar em março, pela SLANG Recordings.

Na nova canção, Will escancara seu desejo de voltar no tempo e segurar sua onda quando ouviu a piada de Chris Rock. Bem, pirulitagens quânticas à parte, ainda não se sabe como mudar o passado. A solução foi resgatar uma história real dos anos 90, quando o ator recusou o papel para protagonizar o personagem Neo, da série de filmes Matrix. Preferiu seguir para um outro lado (e disso ele não se arrepende), trabalhando em Wild Wild West, Homens de Preto e A Lenda.

Em Matrix, Keanu Reeves (o Neo possível para os produtores) encarna uma espécie de messias que adquire o poder de enxergar os códigos de programação criados por robôs para nos manter vivos, trabalhando e pagando boletos em uma realidade virtual, enquanto no mundo real estamos aprisionados em banheiras de placenta com cabos ligados ao corpo, abastecendo a robolândia com nossa energia. Neo se tornou capaz de hackear o sistema de emulação de realidade, ganhando o superpoder de mudar a arquitetura da cidade, o tempo e o que mais fosse necessário para lutar contra a escravidão orquestrada pelos malvados seres.

Você também vai gostar de ler Como Quincy Jones e Will Smith macetaram o racismo nos anos 90

Ao sair do cinema após assistir ao primeiro Matrix (de 1999, e o único que presta na opinião desde humilde escrevedor), o espectador ficava com aquela sensação de “nossa… E se for verdade?”. Uma deliciosa confusão mental que só grandes roteiros são capazes de entregar. E foi daí que veio o insight de Will Smith. Se ele tivesse aceitado o papel, seria o próprio o Neo, capaz de desfazer o tapa que deu em Chris Rock.

Aproveitando os rumores da produção de um quinto filme, Smith fez uma brincadeira nas redes sociais se colocando no lugar do personagem para divulgar Beautiful Scars. Internautas logo concluíram, no entanto, que se tratava de uma pista de que o ator seria o protagonista do novo episódio. Mas não, era tudo sobre o novo single mesmo, no qual Smith segue se martirizando pelas escolhas erradas da vida. Um tema que, pelo jeito, ainda vai ser bastante martelado nos próximos trabalhos do artista.

Enquanto Fresh Prince, Will Smith alcançou um tremendo sucesso no cenário rapper estadunidense. Guinou forte para o cinema, se tornando o superstar que todos conhecemos, e agora usa a música para expressar suas angústias. Credenciais para isso, o cara tem. Mas cabe aqui um conselho dos amigos do Music Non Stop: meu velho, relaxa! A cagada já foi feita. Já se desculpou (publicamente e para o próprio Chris Rock), aparentemente se arrependeu de forma sincera e agora é vida que segue, cuidando para se manter uma pessoa melhor. Todo mundo erra. Todo mundo faz escolhas erradas.

Você também vai gostar de ler De volta às origens e ‘dançando nas sombras’: como Will Smith chega ao Rock in Rio

Tudo bem exorcizar os demônios através da música. Mas cuidado para não fazer do episódio um mero título de capitalização!

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.