“Um novo olhar, um novo som, uma nova aproximação com a música” — Sérgio Mendes viveu como um proponente de realidades alternativas
Por volta de 2010, em Brighton, cidade costeira no sul da Inglaterra, uma dúzia de jovens se espremia em um aperto minúsculo no último andar de um antigo prédio nas ruas transversais que partiam da praia. As paredes diagonais do telhado tornavam o ambiente ainda mais apertado. A festinha era um after de uma apresentação no divertidamente cafona Ocean Club. Logo ao chegar, o anfitrião vem conversar comigo: “Está ouvindo? É Sérgio Mendes!”.
A escolha do vinil, Dance Moderno (1961, uma raridade), era uma homenagem ao humilde DJ brasileiro que se unia a desconhecidos no pequeno apê para esticar a noite. Toda a garotada ali conhecia e amava Mendes. 50 anos após seu lançamento, sua música ainda era sinônimo de sonoridade cool entre jovens. Um clássico. Eterno.
Esta é a forma mais sublime e romântica de pagamento ao gigantesco legado do artista para a música brasileira. Um pianista que, ao se mudar para os Estados Unidos em 1964, abriu uma porta tão grande para outros que pegaram o avião depois dele, que fica difícil imaginar como seria a repercussão internacional do nosso som sem o pioneirismo do homem, que nos deixou na última sexta-feira (06), aos 83 anos, 42 álbuns de estúdio, um Oscar de melhor canção, um Grammy (e mais dois Grammys Latinos) e uma infinidade de apresentações mundo afora. Uma vida bem-vivida.
Quando chegou na terra do Tio Sam, o groove do piano de Sérgio era irresistível e único. Não à toa, se integrou à família de duas das maiores gravadoras de jazz estadunidenses, a Capitol e a Atlantic Records. Se enturmou com a nata do gênero em Los Angeles, para onde se mudou. Gravou com Cannonball Adley e Herbie Mann, e criou uma música que se tornou eterna. Foi sampleado desde gigantes como Black Eyed Peas, como artistas do universo cool, como Stereolab e Pizzicato Five. Seu som exótico, tropical e jazzista significa, para o gringo, uma viagem astral por terras mágicas.
O mestre brazuca moldou sua carreira como um propositor de realidades alternativas, ao abrasileirar artistas como Beatles e Simon & Garfunkel. Sua versão de Scarborough Fair é, para muitos (incluindo este humilde resenhador) é infinitamente melhor que a da dupla folk estadunidense. Junto com Tom Jobim, foi o grande responsável pela internacionalização da Bossa-Nova na década de 60. Fissurado por Jorge Ben, levou o carioca a tiracolo para os ouvidos internacionais, e reza lenda que foi nesta ocasião que Rod Stewart ouviu Taj Mahal e, mais tarde, plagiou inconscientemente o refrão em seu super hit Do You Think I’m Sexy?. Deliciosas lendas urbanas do mundo da música.
Como muito bem apresentou Eartha Kitt em 1967, no programa de TV Something Special: “tenho orgulho de apresentar um novo olhar, uma nova aproximação [para a música]. Sérgio Mendes & Brazil 66“. A imagem do mestre Sergião.
Seus discos são joias entre colecionadores de todo o planeta. Dos Estados Unidos à Inglaterra, da França ao Japão. A verve invariavelmente dançante das bandas que formou os tornaram também obrigatórios em festas de jazz, samba-rock e “world music” em bares mundo afora, pelas mãos de descolados DJs, principalmente depois dos anos 90.
Muitos de nossos conterrâneos se tornaram artistas supervalorizados no mercado internacional de música. Da MPB de Bebel Gilberto ao heavy metal de Sepultura. De Chico Science à Anitta. E é difícil imaginar o quanto disso seria possível sem a desbravadora carreira de Sergio Mendes, que através de inúmeras apresentações, foi o primeiro a entregar o cartão de visitas da nossa música, cristalizando a sensação de que o groove que se faz aqui não consegue ser copiado em nenhum outro lugar. E que não se diga que o homem só foi reconhecido além das fronteiras, não. Mendes lotava estádios no Brasil, na década de 60, sendo um dos artistas mais populares de sua geração.
Em festas, audições, listening bars e afters de apartamentinhos por todo mundo, Sérgio Mendes sempre estará presente. E isso é um tremendo orgulho para nós. Vá em paz, senhor embaixador da música brasileira!