OK Computer 20 anos: hackeamos o mítico álbum do Radiohead pra explicar com ele começou o processo de decomposição do pop

Claudio Dirani
Por Claudio Dirani

Cada década tem sua revolução. Em 1967, os Beatles deram à luz o emblemático Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band. Dez anos depois, o Sex Pistols invadiu com o punk radical de Never Mind the Bollocks. Já em 1997, OK Computer, do Radiohead, desconstruiu o britpop e ainda deixou um legado inimitável para todas as formas de arte: avant-garde, eletrônica, minimalismo, prog-rock, art-rock e muito mais.

Agora, se prepare: coloque os fones no ouvido, acione OK Computer e viaje no tempo para saber como o Radiohead desenvolveu o seu androide musical e o relançou vinte anos mais tarde com várias faixas inéditas e muito mais. O disco acaba de ganhou recentemente reedição de comemoração dos 20 anos de seu lançamento com as faixas bônus I Promise, Man of War e Lift. Em diversos formatos e preços, o OK Computer OKNOTOK 1997-2017 pode ser comprado através deste site, e os pedidos serão enviados para o mundo todo a partir de 23 de julho.

ANTERIORMENTE, NO QG DO RADIOHEAD

Missão definida: fugir do estigma de Creep – hit single que atrelava o quinteto ao seu disco de estreia, Pablo Honey (1993), mesmo com o segundo, The Bends (1995), indo muito bem. Em conversa com os fãs, Thom Yorke sabotava a própria cria: Creep é uma canção ruim, dizia.

NA INCUBADORA

Inspirados a radicalizar na mudança, o Radiohead convocou Nigel Godrich (engenheiro dos primeiros discos) para a coprodução. O laboratório foi Lucky, concluída em apenas cinco horas. A faixa se tornou a primeira de OK Computer a ser ouvida no CD HELP – projeto beneficente para as crianças vítimas da guerra na Bósnia.

CONSELHO DE BRIAN ENO

Nos bastidores do Brit Awards, em fevereiro de 1996, Brian Eno deu um conselho a Thom Yorke: Nunca faça nada repetido, mesmo que tenha sido um sucesso. O aviso seria de grande valia para a produção de OK Computer.

ROMEU & JULIETA

No verão europeu, o Radiohead entrou no estúdio Fruit Farm em Oxfordshire para começar o terceiro disco. Por falta de espaço para descanso e alimentação, além da convocação de última hora para uma breve turnê pelos EUA, foi preciso apertar o pause. Nesse interim, o grupo compõe e grava Exit Music (For a Film) para o longa Romeu + Julieta, dirigido por Baz Luhrmann. O filme contou ainda com outra faixa da banda, Talk Host Show.

TURNÊ COM ALANIS

Em Agosto de 1996, o Radiohead caiu na estrada para abrir a turnê da canadense Alanis Morissette, que desfrutava dos hits de Jagged Little Pill. Lift – resgatada agora para a edição de 20 anos de OK Computer – debutou nesses shows. Ed O’Brien explica a saída de Lift do álbum: “Acho que seria um grande sucesso, mas a excluímos do álbum porque ela o destruiria”. Além de Lift rascunhos de Karma Police, Climbing Up The Walls e uma Paranoid Android de 14 minutos também apareceram pela primeira vez no palco nessa rápida turnê.

EM ALGUM LUGAR DO PASSADO 

Ao retornar da excursão pela América, o grupo optou pela exótica mansão adquirida em 1984 por 350 mil libras pela atriz inglesa Jane Seymour (de Em Algum Lugar no Passado) em St. Catherine’s Court, Bath. O casarão já havia sido alugado para o The Cure registrar Wild Mood Swings (1996).

A PROGRAMAÇÃO

Com os compromissos resolvidos, o Radiohead finalmente pode usar a mansão assombrada (segundo Thom Yorke) para finalizar o que começaram antes dos shows. Assim, Nigel Godrich correu para providenciar o equipamento necessário para a produção do disco. No local, ele comandaria as gravações no estúdio móvel The Canned Applause Mobile até março de 1997.

MILES DAVIS

Para o terceiro disco, a palavra de ordem era desconstruir radicalmente o “velho” Radiohead. Seguindo o evangelho de Brian Eno, a banda se inspirou no genial Bitches Brew (1969) de Miles Davis, um dos pioneiros na fusão do jazz com o rock.

O COMPUTADOR ESTÁ OK

Após seis meses lapidando faixa por faixa, o disco – que se chamaria Zeroes and Ones (na linguagem binária de programação) – estava pronto para matar a curiosidade do mundo. OK Computer, na palavra de seus programadores.

AIRBAG

A faixa de abertura de OK Computer foi influenciada por Björk. “Soa estúpido, mas ela foi influenciada por Isobel”, disse Thom Yorke na época do lançamento. Isobel foi lançada como single em 1995 para promover o disco Post, o segundo da islandesa.

Airbag se chamava Last Night an Airbag Saved My Life. O título anterior era uma referência à música Last Night A DJ Saved My Life, do grupo americano Indeep. O airbag, em questão, teria (ou não) salvo a vida de Yorke após um acidente automobilístico em 1987, mas o deixou com fobia de andar de carro. Já sua namorada sofreu sérios danos na coluna.

PARANOID ANDROID

A segunda faixa do álbum leva o apelido de um dos personagens de Guia dos Mochileiros da Galáxia, de Douglas Adams, Marvin – The Paranoid Android. Já a sensação real de paranoia veio à tona quando Thom Yorke estava em um bar em Los Angeles e se viu perseguido por um grupo sob efeito de drogas (evento confuso até hoje). Thom Yorke explicou à revista Select: “Basicamente, a faixa é uma desculpa para juntar várias músicas incompletas no estilo do medley de Abbey Road, dos Beatles. Não estava no estúdio quando eles montaram – eu teria sido mandado imediatamente para cama”.

Jonny Greenwood relembra: “Estávamos tomando uns drinks e começamos a gravar um loop de bateria que Phil Selway havia preparado. Tudo começou assim. A versão original tinha uma introdução de órgão com 10 minutos de duração”. Colin Greenwood foi além. Preferiu unir a influência dos Beatles (Happiness Is a Warm Gun e suas diversas seções musicais) e as colagens de DJ Shadow e seu recente álbum Endtroductions. Outras menções: The Pixies, Pink Floyd e Bohemian Rhapsody, do Queen.

SUBTERRANEAN HOMESICK ALIEN

A terceira faixa do álbum – ao menos no título – é uma homenagem à faixa de Bob Dylan, incluída em Bringing It All Back Home, Subterranean Homesick Blues. O conteúdo, bem diferente. Ela remete aos tempos de escola de Yorke, quando ele escreveu uma redação sobre a possibilidade de ser na verdade um alienígena vivendo em Oxford. O tema se tornou constante nas letras do Radiohead. Musicalmente, a banda tenta emular o som de Bitches Brew, e a fusão jazz-rock de Miles Davis.

EXIT MUSIC (FOR A FILM)

O tema do filme Romeu + Julieta foi composto durante a turnê de 1996. Além de Exit Music, o Radiohead contribui com a faixa Talk Show Host. Thom Yorke: “Quando vimos a cena de Claire Dane segurando o revólver contra sua própria cabeça começamos a fazer a música na mesma hora. Sempre tive uma ligação direta com Romeu e Julieta”. Influências musicais de Johnny Cash e Folsom Prison Blues.

LET DOWN

Gravada às 3h da manhã na “mansão assombrada”. Thom Yorke: “A música é sobre um medo gigante de sentir-se preso em uma armadilha”. Jonny Greenwood: “Andy Warhol uma vez disse que ele podia curtir sua própria chateação. A música é sobre isso”.

KARMA POLICE

O termo Karma Police era uma piada interna, usada pela banda toda vez que alguém fazia algo errado.
Thom Yorke: “Karma é muito importante. A ideia de que Karma existe me deixa feliz, me faz sorrir. A música é dedicada a todos que trabalham em grandes companhias. Uma canção contra os patrões”.

FITTER HAPPIER

Thom Yorke explicou à revista Humu: “Durante três meses fiquei com um bloqueio e só conseguia fazer listas de coisas. Levou um tempo para descobrir que era assim que eu conseguia traduzir o que sentia. A letra da música é uma série de slogans dos anos 90, um conjunto de coisas superficiais e crítica ao consumismo”.

ELECTIONEERING

Thom Yorke relembra: “A letra ganhou um tom de piada. Assim que eu cumprimentava alguém, dizia: ‘Espero que possa contar com seu voto’. Quando você viaja pelos Estados Unidos para promover um álbum você parece mesmo um político, beijando crianças e cumprimentando pessoas”. Com a chegada de Tony Blair ao poder como primeiro ministro do Reino Unido, Electioneering ganhou singnificado extra no álbum.

CLIMBING UP THE WALLS

Com orquestração inspirada no trabalho do compositor polonês Krzysztof Penderecki (de O Iluminado), a fobia da letra de Climbing Up the Walls é traduzida na distorção bizarra arranjada em 18 violinos. Thom Yorke: “Algumas pessoas não conseguem dormir com as cortinas abertas. Outras têm botões de pânico ao lado de suas camas para soar o alarme sem que um invasor perceba. A letra é sobre medo – sobre o ‘monstro do armário’”. Ed O’Brien: “O clima gótico da faixa foi atingido porque gravamos na biblioteca da casa”.

NO SURPRISES

A faixa mais Pet Sounds de OK Computer, No Surprises conta com o arranjo de um Glockenspiel, instrumento de percussão que se parece com um xilifone, usado na gravação de Caroline No, composta por Brian Wilson, dos Beach Boys. Thom Yorke: “Tem um clima Marvin Gaye. Ou Lois Armstrong”. Colin Greenwood: “No Surprises é nossa canção para animar estádios. A ideia é: primeiro assuste todo mundo com Climbing Up the Walls e depois às conforte com uma canção pop”.

LUCKY

Canção mais antiga de OK Computer, Lucky saiu primeiro no álbum HELP. Brian Eno: “Uma das melodias mais lindas que já ouvi”. Thom Yorke comenta sobre a frase “We are standing on the edge” (Estamos parados na beira): “Isso me faz lembrar dos personagens da Disney que correm sem pensar até a beira de um abismo. Quando eles percebem onde estão parados, eles despencam. É uma metáfora sobre o poder de nossa imaginação”.

THE TOURIST

OK Computer é encerrado com música de Jonny Greenwood, inspirada por turistas que ele viu na França. A letra de Thom Yorke foi escrita em Praga, República Tcheca. Jonny Greenwood: A canção é minha e me surpreendi quando eles a escolheram.

CURIOSIDADES 

O TÍTULO

O universo do autor inglês Douglas Adams (1952-2001) aparece pela primeira vez logo no título do LP. A frase é uma resposta de um dos personagens da série de livros Guia dos Mochileiros da Galáxia ao computador Eddie: Okay, computer! A coleção de livros virou série da rádio BBC em 1978.

LADOS B

Foram incluídas nos CD singles as seguintes faixas gravadas nas sessões de OK Computer: Lull, Meeting In The Aisle, Melatonin, A Reminder, Polyethylene, Pearly, Palo Alto (versão de Paranoid Android) e How I Made My Millions.

Claudio Dirani

Claudio D.Dirani é jornalista com mais de 25 anos de palcos e autor de MASTERS: Paul McCartney em discos e canções e Na Rota da BR-U2.

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