
“O Novo Sempre Vem”: a inédita empreitada do filho de Elis Regina
Projeto comandado por João Marcello Bôscoli vira série audiovisual com artistas independentes, tecnologia de ponta e alma analógica
João Marcello Bôscoli está empolgadíssimo com seu novo trabalho. O filho de Elis Regina está transformando o programa de rádio O Novo Sempre Vem em um projeto audiovisual. “É um sonho coletivo”, diz ao Music Non Stop, sorrindo, ao lado de seu sócio André Szajman. No dia 11 de junho, os dois andavam pela sede da gravadora, no Campo Belo, em São Paulo, que estava superagitada com a presença de duas bandas: a da dupla paulista Benziê e a do cantor pernambucano Fitti.

É no Estúdio Trama NaCena que artistas brasileiros ainda pouco conhecidos no mercado estão tendo suas apresentações filmadas, e não apenas tocadas, no programa que Bôscoli apresenta na rádio Novabrasil FM. As imagens são captadas em 4K e o áudio em multicanal. Tem também uma câmera imersiva passeando pelo show.
Na salinha onde Bôscoli e Szajmanm ficam sentados com os técnicos, o filho de Elis olha para a banda por uma parede de vidro e parece pilotar uma nave espacial ao comandar sua enorme mesa de som Neve VX 60 — a única do Hemisfério Sul das 18 unidades que existem no mundo.
“A mesa de som é o coração de um estúdio, onde todos os elementos captados se encontram, são tratados, equilibrados e moldados. É nela que a gravação ganha profundidade, calor e personalidade, ou seja, onde a música ganha vida.”
Bôscoli então se empolga ao explicar o que são alguns dos botões, me convida a sentar na sua cadeira, mexer no volume e apertar um quadrado branco que tira totalmente o som do ambiente. Parece uma criança com seu superbrinquedo. “Olha esse barulho, que delícia!”
Dos dois lados, paredes de alto a baixo forradas com equipamentos analógicos. “Podia ser tudo no computador? Podia. Tudo tem plugin”, ele fala, entre uma música e outra, apontando para os aparelhos atrás da gente.
“Mas é outra coisa. Além do som, que é diferente, tem o pegar, o tátil, mexer no botão. Tem equipamento aqui dos anos 70, esse azul, da Dinamarca. Tem uns só pra corda, outro pra distorção… Só computador com microfone não é a minha. Aqui é pegar o tomate na horta.”

Benziê. Foto: Divulgação
Cada dia de gravação recebe dois artistas. Na minha visita, a primeira banda a se apresentar foi a Benziê, com seu pop solar e praiano, formada pelo casal Du Pessoa e Vic Conegero. Junto com eles no estúdio, tinha bateria e percussão inteiras, baixo, guitarra e teclados. Tudo sob a direção de Luciano Cury. Na hora de gravar a chamada para o programa, Du estava visivelmente emocionado: “Vem ver a gente com banda completa!”, frisou.
O tamanho e a imponência do estúdio realmente impressionam se comparados a programas como o Cultura Livre ou o Estúdio Showlivre, que também costumam dar espaço para artistas em ascensão. O salão principal tem 125 m², com um pé-direito de seis metros. O projeto acústico leva a assinatura de John Storyk, arquiteto e engenheiro de som responsável pelo Electric Lady Studios e pelo Lincoln Center, ambos em Nova Iorque, além do Walt Disney Concert Hall, em Los Angeles.
O estúdio disponibiliza mais de 40 sintetizadores e baterias eletrônicas, entre eles, um ARP 2600, sintetizador que esteve em Thriller, de Michael Jackson, e na trilha sonora de Star Wars. A coleção de Bôscoli tem ainda os históricos Sequential Prophet‑5, um dos primeiros a permitir salvar timbres na memória, e o Oberheim OB‑X, modelo usado por Eddie Van Halen em Jump e por Prince no álbum 1999.

Nos pianos acústicos, o estúdio oferece o Yamaha C7, referência em salas de gravação ao redor do mundo. E tem ainda o Essenfelder, upright piano fabricado no sul do Brasil; nele as cordas ficam na vertical, oferecendo um timbre muito próprio.
Entre as muitas baterias eletrônicas, o Trama NaCena oferece dois modelos ícones dos anos 80, Roland TR‑80 e LinnDrum. Já a Ludwig, dos anos 70, semelhante à usada pelos Beatles, é o destaque entre as baterias acústicas.
Quando o assunto é microfone, há 150 unidades para escolher, de marcas como RCA, AKG, Sennheiser, Neumann e Shure. O destaque vai para o RCA Ribbon Microphone, usado desde os anos 1940 com seu som muito característico. No Trama NaCena, tem logo um par. “Um par casado, dois microfones idênticos, fabricados na mesma linha e com respostas praticamente iguais — ideais para gravações em estéreo com alta precisão”, continua João, frisando que não é uma questão de ostentação:

Tuyo. Foto: Divulgação
“Nada é excentricidade, tudo está a serviço da música, com paixão e respeito pelo som. O estúdio mescla o melhor dos dois mundos: tecnologia moderna, com softwares e Inteligência Artificial, e equipamentos analógicos originais, que oferecem qualidade sonora real”.
A segunda atração a pisar no estúdio naquele dia foi Fitti, artista do Recife que faz uma mistura bem brasileira de reggae, forró, eletrônico, rock e brega, criando um estilo só dele. Essa diversidade reflete o perfil de O Novo Sempre Vem. A primeira temporada vai passar ainda por samba-rock (Sandália de Prata), jazz (Michael Pipoquinha), indie (Tuyo), soul (Flávia K) e muito mais nos seus 32 episódios.
A previsão é de estreia do programa é em setembro no YouTube da Trama, mas a ideia é que ele seja o ponto inicial de um canal linear da gravadora, com uma programação 24 horas sobre música — um projeto ambicioso que combina com outros que a Trama já marcou na pedra, como a Trama Virtual, pioneira no mercado de música digital no Brasil, o Download Remunerado, o Álbum Virtual e a TV Trama.
Café com bolo
Enquanto o estúdio era desmontado e montado de novo para a troca de banda, um café foi servido e muitas rodas de conversa se formaram em volta dos pães de queijo e do bolo de chocolate. Bôscoli parou em mim e sussurrou: “Aqui tem produtor, diretor, artista, social media, você, que é jornalista… Olha lá, ele acabou de dar um like nela ao vivo”, apontando para uma dupla que se cumprimentava. “É importante essa troca. É sobre colocar a música no centro.” E saiu para dar mais um rolê, sorridente, sempre.